domingo, 26 de maio de 2024

"A democracia foi concebida para uma época que não é a nossa"

Daniel Innerarity, é um filósofo da Universidade do País Basco, que se dedica a questões políticas e sociais, algumas das quais tocam a educação. Entre as suas incumbências académicas, conta-se a leccionação da disciplina de Inteligência Artificial & Democracia na School of Transnational Governance (STG), em Florença. Em recente entrevista (ver aqui) a propósito de uma conferência que realizou em Portugal, diz o seguinte:
"De que modo a Inteligência Artificial (IA) está a mudar a democracia atual e como irá fazê-lo no futuro? A democracia foi concebida para uma época que não é a nossa. A maior parte dos conceitos que utilizamos para perceber a política (poder, soberania, representação, divisão de poderes) nasceram num contexto que tem muito pouco a ver com as nossas sociedades atuais. Por isso, é muito difícil perceber como será a democracia no futuro, mas podemos ter a certeza de que a datificação (tendência para converter vários aspetos da nossa vida em dados) e os sistemas automatizados de inteligência artificial transformarão profundamente as nossas sociedades e devemos ter muito cuidado ao compatibilizar essas transformações com a manutenção dos valores democráticos básicos.
Temos visto como as redes sociais, a desinformação e as fake news, sobretudo, mudaram eleições e a democracia. A IA será uma ameaça maior? A democracia tem dois pilares: o diálogo e a tomada de decisão. Ambos são afetados pela digitalização. Não há democracia sem um bom diálogo público e o desenho do sistema comunicacional, neste novo ambiente, continua por fazer. A tomada de decisões pode ser ajudada por dados e algoritmos, mas cabe a nós, cidadãos, estabelecer que partes do processo público são automatizáveis e quais não são.
Por que razão ainda não encontrámos uma solução, um antídoto para essas ameaças? A tecnologia avança a uma velocidade tal que teremos de desenhar esses antídotos e estudar a tecnologia disponível muito cuidadosamente. Teremos de compreender o seu significado democrático através de um diálogo que envolva muitos atores e disciplinas.
Pensava-se que a tecnologia iria salvar a democracia, mas estamos a ver o oposto. Como podemos equilibrar o modo como a tecnologia influencia o processo democrático? Temos de perceber que a tecnologia não resolve problemas políticos, mas também não é um instrumento neutro. Precisamos, isso sim, de explorar até que ponto estas novas tecnologias condicionam a nossa vida política. Condicionar não é o mesmo que determinar ou ser neutro (...).
A democracia já não garante segurança? A única coisa que a democracia garante (e isto não deixa de ser importante) é que o exercício do poder seja contrabalançado, limitado no tempo e que as suas decisões sejam passíveis de revisão (...).
Viveu em vários países. Qual deles tem uma democracia melhor e porquê? Ao viver em diferentes países aprende-se que os valores democráticos são vistos de diferentes maneiras em distintas sociedades e que poucas coisas são transportáveis ​​de uma para outra. Em segundo lugar, qualquer qualidade admirável tem alguns aspetos negativos. Os Estados Unidos foram a primeira democracia do mundo e hoje sofrem com o racismo e a desigualdade. França tem um Estado admirável, mas é muito pouco europeizado. Na Alemanha admiro a capacidade de compromisso que falta em Espanha. A Grã-Bretanha tem uma tradição democrática impressionante, mas está a pagar caro pelo erro do Brexit. A Itália é um país à beira do colapso político, mas está sempre a salvo da queda."

1 comentário:

António Pires disse...

A Educação é um dos mais fortes esteios da democracia. Em Portugal, sem professores e educadores de infância competentes não há Educação.
Tomei a liberdade de indagar a própria inteligência artificial sobre os efeitos perniciosos que ela poderá ter no prestígio social dos professores e educadores de infância do primeiro quartel do século XXI. em Portugal. Eis um pequeno excerto:

Despersonalização e Perda de Autonomia Profissional

Descrição: A utilização intensiva de IA na educação pode resultar numa abordagem mais padronizada e menos personalizada do ensino. Além disso, os professores podem sentir-se cada vez mais como operadores de sistemas de IA, em vez de educadores autónomos.

Impacto no Prestígio Social: A perda de autonomia e a despersonalização do ensino podem fazer com que os professores sejam vistos como menos profissionais e mais como técnicos que apenas seguem roteiros estabelecidos por sistemas de IA. Isso pode reduzir o respeito e a admiração que a sociedade tem por eles.

Impacto nas Remunerações: A diminuição da autonomia e da complexidade percebida do trabalho pode ser usada como justificação para salários mais baixos. Se a profissão for vista como menos especializada devido ao apoio constante da IA, a remuneração pode não refletir o verdadeiro valor do trabalho dos professores.

NO AUGE DA CRISE

Por A. Galopim de Carvalho Julgo ser evidente que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas...