No jornal i de hoje aparece, pela mão da jornalista Kátia Catulo, a seguinte notícia, que é, no mínimo, inquietante: uma professora duma universidade pública do nosso país terá sido afastada da regência das unidades curriculares que leccionava porque… os critérios de avaliação que usa se traduzem num número pouco simpático de aprovações.
Bem… se isto tivesse acontecido no Ensino Básico ou, vá lá, no Ensino Secundário, não seria, no presente, propriamente notícia, pois já entrou no nosso modo de pensar, como se depreende dos documentos da tutela: que todos os alunos têm direito ao sucesso (claro que, por princípio, têm) e que a retenção é uma medida de excepção (claro, por princípio, é), só devendo ser aplicada depois de todas as outras medidas falharem (dando a ideia de que, se forem tomadas medidas acertadas, os problemas na aprendizagem são superados).
Este discurso é corroborado quando se fala com professores destes níveis de ensino, que dizem, de modo mais ou menos sigiloso, sentir pressões várias, ainda que muitas vezes dissimuladas, para não reterem os alunos, nem mesmo quando é evidente que eles não fizeram as aprendizagens mínimas estabelecidas para o seu nível de escolaridade.
Mas a notícia em que me detive não se reporta ao ensino obrigatório: reporta-se ao Ensino Superior. Mesmo nos documentos relativos à Reforma de Bolonha (vista por muitos como um prejuízo para a qualidade da formação superior) se reconhece que a acessibilidade universal e o sucesso académico neste patamar educativo não podem deixar de ser confrontadas com a restrição baseada no mérito e na capacidade reveladas pelos estudantes.
Não posso deixar de conjecturar que também para os professores universitários, mesmo para aqueles que têm um currículo científico e pedagógico segundo as exigências actuais, como é o caso da referida professora, começa a "pairar no ar" uma desconfortável auto-censura no momento da fazer as pautas, acompanhada de uma revisão das classificações dos alunos para, enfim, evitar problemas...
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9 comentários:
Se já não nos admiramos de tal vindo da autora de "UMA AVENTURA NO GOVERNO", já o mesmo não esperávamos de Mariano Gago que até agora tinha sido mais comedido nas novas tecnologias do sucesso.
Aliás quando temos alguém em alto cargo depois de ter prestado provas por e-mail ao fim de semana, começa-se a desenhar uma nova tendência nas empresas que futuramente queiram ter novos quadros superiores.
Tal tendência será, sem dúvida, a de o candidato ter obtido as suas qualificações académicas numa Universidade NÃO portuguesa!
Parabéns à docente que não pactuou com critérios estatísticos que parecem ser agora moda.
Nao conhecendo os detalhes dos metodos de avaliacao da professora em causa, nem o respectivo curriculo pedagogico, nao vou cair na tentacao de comentar casos especificos.
Comento apenas este discurso bipoarizado: ou se chumba tudo ou se nao se chumba tudo, entao ha facilitismo...
Nestes "debates", raramente vejo uma discussao dos criterios de avaliacao dos alunos, da sua relacao com o nivel de preparacao obtido durante as aulas e muito menos de metodos de avaliacao da competencia pedagogica dos professores (sejam eles de que nivel forem, mas ainda pior quando se trata do ensino superior).
No caso do ensino superior, a exigencia deve obviamente existir. Mas nunca so' do lado dos estudantes, tem que partir dos proprios professores.
E so' quando este tipo de discussoes incluir uma analise critica baseada em criterios concretos de avaliacao de professores e alunos poderemos caminhar para um verdadeiro ensino de excelencia.
Caso contrario, fingimos apenas que somos exigentes e nao caimos no facilitismo por causa das estatisticas quando no fundo apenas usamos formulas ultrapassadas de avaliacao de conhecimento.
Quando entrou o processo do Bolonha, a minha turma estava a terminar o curso ainda no regime antigo, docentes nossos disseram-nos em conversa informal que agora tinham que passar um certo número de alunos, senão iam ter "problemas"..
A universidade em questão é a universidade de Évora, e sei de casos que oiço contar noutros sítios.
O que me admira é isto ser notícia só agora! Vai começar a ser regra! E viva Bolonha, a formatação europeia do ensino péssimo que forma e transforma burros em doutores, para baixar as qualificações e logo os salários, mantendo os privilégios para os ricos nas privadas que a elas podem pagar!
Quem não quer problemas... não os cria. JCN
Os princípios do que se chama eduquês estão, desde há muito, a penetrar no ensino superior. Com a colaboração de muitos professores que se dizem contráios, fenomeno que nunca entendi.
Vem desde o ensino básico e alargou-se o problema até à Universidade, é lamentável!
Não se ligou rigorosamente nada aos avisos dos docentes do ensino secundário desde 1989, acreditou-se na venda da banha da cobra do lobby das "ciências" da educação e agora está o problema instalado no ex-ensino superior e actual educação superior. E a tendência, face à situação financeira deplorável deste subsistema de ensino, é de alargamento do desastre. Provavelmente ainda teremos os docentes do ensino superior a criarem relatórios, grelhas, planos de actividades, a avaliarem competências transversais, horizontais e diagonais dos jovens (sim, porque as palavras aluno e estudante serão, também, removidas do ex-ensino superior). Talvez, até, se crie um sistema de avaliação de docentes do ensino superior tendo por base o sucesso dos alunos...
Já tinha lido esta notícia e a meu ver falta-lhe um ponto essencial:
Com outros responsáveis as cadeiras têm aprovações substancialmente maiores? Se sim, porquê?
Posso ilustrar com um caso típico na minha faculdade (IST). Existe uma cadeira leccionada a quase todos os cursos que obtém aprovações entre os 50 e 80% com qualquer regente excepto dois. quando esses dois professores são os responsáveis as aprovações caem abaixo dos 15%.
A questão neste caso é saber se a professora foi corrida por manifestamente dificultar a vida aos alunos ou por facilitismo. E essa análise não foi feita.
"Provavelmente ainda teremos os docentes do ensino superior a criarem relatórios, grelhas, planos de actividades, a avaliarem competências transversais, horizontais e diagonais..."
Já temos. Ser professor na universidade está também a tornar-se penoso. O sistema burocratiza-se de forma galopante e empurra-nos para as grelhas e relatórios, subtraindo o tempo e concentração necessárias ao acto de ensinar. Ao contrário do que acontecia há poucos anos atrás, neste momento vejo aproximação do ano lectivo sem grande entusiasmo e até com enfado.
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