sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A FÍSICA DO FOGO


Minha crónica no "Sol" de hoje:

Para o filósofo grego Heráclito de Éfeso, que viveu nos séculos VI e V antes de Cristo, tudo provinha do fogo e tudo seria consumido pelo fogo. Mas o que é o fogo? Na Antiguidade era um dos quatro elementos. O conceito só ficou, porém, claro quando emergiram a física e a química. A meio do século XVIII, a Academia de Ciências de Paris anunciou um prémio para a melhor memória sobre a natureza do fogo. Embora o primeiro lugar tenha sido ganho pelo maior matemático da época, o suíço Leonhard Euler, aconteceu algo inédito: um escrito da autoria de uma mulher foi pela primeira vez galardoado pela Academia com a respectiva publicação. A autora de “Dissertação sobre a Natureza e a Propagação do Som” era a francesa Madame de Châtelet, amante do filósofo Voltaire, o qual, tendo também concorrido, viu o seu trabalho ser igualmente distinguido.

Para se perceber o que era uma combustão foi preciso, no entanto, esperar pelos trabalhos do químico francês Antoine-Laurent Lavoisier (muito ajudado por sua mulher, Marie-Anne), que identificou o oxigénio, quase ao mesmo tempo que dois outros cientistas. O oxigénio, esse sim, é que é um elemento químico, sem o qual o fogo não pode existir. Quando uma árvore arde, compostos de carbono das fibras da madeira combinam-se com o oxigénio da atmosfera, produzindo dióxido de carbono e água, numa reacção que liberta energia, manifesta pela emissão de calor e de luz. No século XIX, de posse dessa explicação, o inglês Michael Faraday já podia descrever “a história química de uma vela”, em conferências populares que procuravam tornar simples o que é um fenómeno extremamente complexo.

Um fogo é, portanto, química. Mas, mostrando que química e física andam juntam como duas irmãs siamesas, a propagação de um fogo só se consegue explicar com a ajuda da física. Tomemos um fogo florestal, esse mal infelizmente tão comum no nosso país em tempo de Verão. Para explicar o modo como progride um desses fogos, já temos de falar de fenómenos físicos como difusão, convecção, radiação, etc. Ora, se uma chamazinha de uma vela já é uma coisa muito complicada, o que dizer de um imenso e demorado braseiro como o que há poucos dias alastrou nas encostas da Serra da Gralheira, em S. Pedro do Sul? Os físicos são, porém, engenhosos: criaram modelos cujo objectivo é captar o essencial dos muitos e variados processos que ocorrem num grande incêndio. Curiosamente, esses modelos, que são explorados em simulações computacionais, servem não só para descrever fogos florestais mas também o espalhamento do petróleo derramado no mar ou ainda o avanço de uma epidemia como a gripe. Tudo males que podem ser mais bem atacados se se fizer melhor ideia do modo como avançam. Como já alguém disse: “Prever é prover!”

3 comentários:

ana disse...

Agradeço a história interessante que associou a este mal que hoje nos toca.
Não sou da área das ciências mas a divulgação é atractiva e pedagógica.

madalena madeira disse...

Mais sobre o fogo,

Fogo – reacção química de oxidação (reacção fortemente exotérmica, ou seja que desprende calor).

- Triângulo do fogo –
- Combustível (o que arde ou se consome pelo fogo – substâncias sólidas, ou gasosas susceptíveis de se combinar com o oxigénio numa reacção rápida que liberta calor);
- Comburente (permite a combustão ou o que faz arder – 21% de oxigénio);
- Energia de activação ou focos de ignição (térmica, calor).
* Combustão – reacção química que ocorre em presença de oxigénio. Algumas ocorrem em presença de cloro.
- Tetraedro do fogo – combustível + comburente + energia de activação + reacção em cadeia (reacções que se dão entre o oxigénio e os radicais livres emitidos pelo combustível aquecido até ao ponto de inflamação).
- Classes de fogo – (N.P. 1553) –
- Classe A – fogos secos (sólidos geralmente de natureza orgânica: madeira, tecidos, papel, carvão, plásticos, borracha, etc.);
- Classe B – fogos gordos (líquidos combustíveis ou sólidos liquidificáveis: alcatrão, gasolina, óleos, álcoois, etc.);
- Classe C – fogos de gases (gases combustíveis de uso doméstico ou industrial: acetileno, butano, propano, hidrogénio, etc.);
- Classe D – fogos de metais (alguns metais alcalinos ou pirofosfóricos (ácido que se obtém aquecendo o ácido fosfórico): sódio, potássio, urânio, alumínio, etc.);
- Classe E – fogos de origem eléctrica.
- Causas de inflamação:
- Produção de calor – 19,4%;
- Electricidade – telecomunicações – 26,6%;
- Electricidade – edifícios – 35,2%;
- Comportamento humano – 18,8%.

Carlos Medina Ribeiro disse...

VALE a pena ler a explicação que Tolstoi deu para o incêndio de Moscovo (que deflagrou quando Napoleão ocupava a cidade, em 1812), pelas semelhanças com o que sucede com os 'nossos' fogos florestais:
.

OS FRANCESES atribuem o incêndio de Moscovo ao patriotismo feroz de Rostoptchine, os russos à selvajaria dos franceses. Na realidade, as causas do incêndio de Moscovo não podem imputar-se concretamente a ninguém. Moscovo ardeu porque se encontrava colocada em tais condições que qualquer outra cidade construída em madeira devia arder de forma análoga, independentemente de poder ou não recorrer às suas cento e trinta bombas. Moscovo devia arder porque os habitantes partiam. Era tão inevitável como a inflamação dum monte de aparas sobre o qual, durante vários dias, caiam faúlhas. Uma cidade construída de madeira, na qual, mesmo quando ali se encontravam os proprietários e a polícia, se produziam todos os dias incêndios, não podia de maneira alguma deixar de arder quando já não havia habitantes e nela se alojavam os soldados, fumando cachimbo e fazendo fogueiras na praça do Senado com as cadeiras do palácio, para prepararem as suas refeições diárias.

Em tempo ordinário basta que as tropas se alojem nas aldeias para que o número de incêndios aumente logo. Em que grau deviam, pois, aumentar as oportunidades de incêndio numa cidade construída de madeira, vazia, ocupada por um exército estrangeiro? O patriotismo feroz de Rostoptchine e a selvajaria dos franceses não entram aqui para nada. Moscovo ardeu por causa dos cachimbos, das cozinhas, das fogueiras, da falta de cuidado dos soldados habitantes mas não proprietários das casas. Mesmo se houve incendiários - o que é muito duvidoso, porque ninguém tinha motivo para incendiar, sempre era muito perigoso - não é possível pô-los em causa, porque, sem eles, teria sido a mesma coisa. Por lisonjeiro que seja para os franceses acusar a ferocidade de Rostoptchine e para os russos a barbaridade de Bonaparte, ou, mais tarde, pondo um facho heróico nas mãos do seu povo, não se pode deixar de ver que tal causa imediata de incêndio não podia existir, porque Moscovo devia, arder, como deve arder toda a cidade, fábrica ou casa cujos amos partiram, e onde se introduzem, para lá viver, pessoas estrangeiras. Moscovo foi queimada pelos habitantes, é certo, mas por aqueles que partiram e não por daqueles que ali ficaram. Ocupada pelo inimigo, não permaneceu intacta como Berlim, Viena, etc., por isso que os seus habitantes não deram o pão, o sal e as chaves aos franceses, mas preferiram abandoná-la.

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