terça-feira, 3 de agosto de 2010

Gradualmente

A Senhora Ministra de Educação concedeu ontem uma entrevista à estação de televisão SIC que incidiu nas suas polémicas declarações à última edição do semanário Expresso. Se as suas palavras pretendiam esclarecer, não esclareceram, confundiram: São os professores, os pais e as escolas que devem estabelecer o modelo de avaliação da aprendizagem que terá lugar no sistema educativo? E, neste caso, ignora-se o conhecimento científico de que dispomos acerca desta questão pedagógica? A retenção só existe em Portugal? Devemos melhorar os resultados escolares ou a aprendizagem?

Dada a importância que essa entrevista nos parecer ter, tomámos a liberdade de transcrever a primeira parte dela.

“Quer ou não acabar com os chumbos? É que a sua declaração inicial parece agora menos clara…

Eu proponho que os alunos se dediquem mais intensamente a obter bons resultados e que a escola ofereça condições de apoio e diversidade de propostas para que todos possam avançar e que não nos conformemos com a situação de que muitos alunos chumbem…

Senhora Ministra (…) a pergunta é clara, peço-lhe que a resposta seja também clara: vai ou não quer acabar com os chumbos no ensino?

Não de uma forma administrativa, se é essa a pergunta, com um decreto que o Ministério apresentasse, uma reforma unilateral, não é de forma nenhuma essa a intenção. A nossa forma de trabalhar é com os nossos parceiros, nós achamos que é importante que haja um debate sério sobre esta questão, que olhemos para o que se passa noutros países que têm melhores resultados do que os nossos, porque nós precisamos que o nosso país tenha melhores resultados (…)

Eu percebo nas suas palavras uma contradição: na entrevista que deu ao Expresso (…) quando lhe perguntam: está disposta a lançar o debate para acabar com os chumbos, a sua resposta é: “sem dúvida”.

Sem dúvida, o debate…

Para acabar com os chumbos…

Para acabar com os chumbos, para que cada vez haja menos chumbos e que possamos caminhar no sentido em que as crianças têm soluções diversificadas e que a resposta que o sistema educativo dá àquelas que não obtém resultado não seja permaneceram um ano, dois anos, às vezes três anos no mesmo ano de escolaridade, sem que daí advenha um resultado favorável para a aprendizagem dessa criança (…)

Mas continuo com esta dúvida, e peço desculpa, mas acho que é um ponto decisivo e é importante ficar claro: quer acabar com os chumbos ou diminuir o número de chumbos. É que estamos a falar de coisas completamente diferentes.

Naturalmente eu não me propus e acho que isso não seria uma forma consentânea com a nossa forma de trabalhar (…) fazer uma reforma administrativa radical que alterasse substancialmente aquilo que temos que é um modelo em que a partir do 2.º ano de escolaridade se pode reprovar todos os anos por um modelo em que não se pode reprovar. Não é essa a nossa ideia, não é essa a nossa intenção. Nós o que queremos é que as pessoas pensem sobre este assunto, que os professores pensem sobre este assunto e que gradualmente se vá acabando com os chumbos, não é com um decreto para acabar com os chumbos e queremos sobretudo que haja melhores resultados, que haja formas diferenciadas de trabalho para que todos atinjam aquilo que consideramos as metas essenciais…

Senhora Ministra que quer acabar gradualmente com os chumbos, mas o que é que definiria como prazo razoável. Imagino que tenha pensado nisso também, ao momento em que terminam os chumbos…

Nós temos de ver que cada escola tem uma situação diferente e que são os professores da escola e também os pais que devem mobilizar-se para analisar as questões que as crianças enfrentam e gradualmente ir vendo quais são as melhores soluções para evitar que há repetência, uma vez que da repetência não vem uma vantagem evidente. Há muitos estudos, tanto cá em Portugal como noutros países, que demonstram que a repetência na maior parte dos casos não é uma boa solução. E nós não devemos radicalmente fazer uma reforma administrativa que leve a um modelo diferente daquele que está sem que os professores vejam qual é a melhor solução. Nós temos que encontrar uma solução de conjunto, e não é uma meta, assim com datas marcadas, tem de haver um gradualismo na forma como as pessoas encontram as soluções e na forma como em cada escola se vai reduzindo…

É um caminho para se ir fazendo…

Exactamente e com serenidade e com competência…

Senhora Ministra ainda não e consegui perceber como é que isso se processa. O aluno não tem notas para passar de ano e o que é que acontece?

Nós, neste momento, no nosso país, como isto foi um modelo que sempre existiu, achamos que não há outro, mas, por exemplo, se disser a uma pessoa do norte da Europa dos Estados Unidos, a um canadiano, a um australiano que o seu filho não passou, ele nem sabe do que está a falar…

Senhora Ministra, as escolas em Portugal não têm as condições do norte da Europa e sobretudo, não temos alunos com a atitude dos alunos do norte da Europa. Estamos a comparar coisas que não são comparáveis.

Não, nós temos de ver quais são os bons resultados, onde é que estão os bons resultados dos sistemas educativos e o que nós sabemos é noutros contextos geográficos e culturais há melhores resultados e temos que olhar para as diferenças entre aquilo que um sistema educativo oferece e outro oferece para ver o que é que está a produzir melhores efeitos."

A entrevista pode continuar a ver-se aqui.

5 comentários:

Anónimo disse...

Parece que a ministra ainda não percebeu que os alunos chumbam porque não sabem a matéria! Isso é óbvio!
Agora porque é que não sabem a matéria? E é ai que temos que apostar em força!
Não é acabar com os chumbos, é sim criar um ensino decente que os alunos saiam a saber alguma coisa!

Anónimo disse...

O problema é sempre o mesmo: não se ensina o que não se sabe. Por outras palavras: não se pode legislar sobre o que não se conhece. Nos domínios da pedagogia, quais são as credenciais da senhora ministra? Não estaremos perante um caso semelhante ao referido por Camilo acerca de um boticário... formado por outro boticário... formado em coisa ou parte nenhuma? JCN

Paulo Soares disse...

É uma pena que a ministra não queira acabar com os chumbos por decreto. Seria a medida honesta a tomar. Assim, o que ela quer dizer é que vai continuar e mesmo aumentar a aldrabice actual. É cada vez mais difícil e triste insistir em ser professor.

Anónimo disse...

Depende do que vossemecê entende por... professor. JCN

Pedro de Castro Seixas disse...

Acho que está na hora é de começar a chumbar os ministros pela sua falta de bom senso e inteligência...

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