sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O CHEIRO DOS RICOS


Minha crónica no semanário "Sol" de hoje:

A estação central de comboios da cidade alemã de Colónia é dominado pela publicidade à água de Colónia 4711, que é, aí como noutros lados, denominada “autêntica”. Ora essa publicidade, como tantas outras, é bastante enganosa, pois a água original de Colónia é quase um século mais velha, remontando a 1709, o ano em que, em Portugal, Bartolomeu de Gusmão fazia subir, perante o rei D. João V, a sua Passarola.

Com efeito, foi nesse ano que o comerciante italiano Giovanni Maria Farina inventou e passou a vender uma “água milagrosa” que ele próprio descreveu nestes termos: "Encontrei um cheiro que me lembra uma manhã na Itália, narcisos da montanha e folhas de laranja depois da chuva. Ele me refresca e fortalece os meus sentidos e a minha fantasia.” Em homenagem à cidade onde foi inventada, passou a ser anunciada como “água de Colónia”.

Aconteceu à água de Colónia o mesmo que, mais tarde, aconteceu à Gilette, isto é, passou a designar-se todo um tipo de produtos com o mesmo nome do produto inicial. Embora de fórmulas químicas diferentes, a 4711 e a Farina são ambas águas de Colónia, isto é, são uma mistura de óleos essenciais de plantas, em concentração inferior a sete por cento, com álcool (etanol) diluído em água. A 4711 será talvez a água de Colónia mais famosa em todo o mundo, pese embora a história da sua pretensão à autenticidade ser um pouco recambolesca: o alemão que criou, também em Colónia, o sucedâneo convidou para sócio da sua empresa um Farina que não tinha nada a ver com a família do perfumista com o mesmo nome, só para que as duas águas pudessem ser confundidas. As leis da propriedade industrial ainda não tinham sido feitas!

A 4711 (nome que deriva do número de porta da loja, na Rua dos Sinos, Glockengasse, no tempo em que os números diziam respeito a toda a cidade e não apenas à rua) tem uma relação com o nosso país: toda uma linha dos seus produtos de perfumaria se intitula Portugal. Porquê? Acontece que um dos óleos essenciais usados para preparar esses produtos é feito com casca de uma laranja azeda, proveniente dos países do Sul da Europa. A associação de Portugal com a produção de laranjas é ancestral e, na Alemanha, esse óleo da água de Colónia tem mesmo como sinónimo “óleo de Portugal” (Portugalöl). É por isso que antigamente se falava de uma “água de Portugal”.

Como é o cheiro que resulta dos óleos essenciais como o “óleo de Portugal”? Conforme disse Farina, é refrescante e, portanto, leve e agradável. Notáveis como Napoleão, Goethe e Beethoven (natural de Bona, perto de Colónia) usaram água de Colónia, uma grande novidade na época porque os perfumes, em geral de origem francesa, eram até aí demasiado fortes. O cheiro a Colónia passou até a ser designado por “cheiro dos ricos” ...

6 comentários:

Anónimo disse...

Mudam-se os tempos... mudam-se os cheiros! JCN

Anónimo disse...

A laranja, com efeito, anda tão ligada ao nome de Portugal que na Grécia, por exemplo, uma laranjada tem a designação de "portugalada". JCN

platero disse...

Professor

e é que a Passarola chegou mesmo a descolar?
ou só na prodigiosa imaginação do nosso nóbel?

cumprimentos

Anónimo disse...

4711

É nauseabundo o cheiro que domina
os campos de batalha por motivo
do odor a sangue e fezes repulsivo,
que a certos generais tanto fascina!

Por isso muitos, para compensar
o agoniante odor que respiraram,
copiosamente o corpo perfumaram
antes e após a luta se travar.

De Bonaparte se conhece o caso
de sem vislumbre algum de parcimónia
gastar um frasco inteiro de colónia!

Por sua vez, todo o soldado raso
não tinha outro remédio que gramar
esse fedor que lhe empestava o ar!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

Meu caro Platero: porque duvida?... Onde está o Poeta? JCN

Anónimo disse...

Adorei! Espetacular! Incrível!

"Crise da transmissão e febre da inovação"

Vale a pena ler o artigo de que reproduz a identificação ao lado.   O seu autor, o francês François-Xavier Bellamy, professor de Filosofia ...