quinta-feira, 12 de abril de 2007
OS MORCEGOS E O TITANIC
Conto mais uma história da ciência do século XVIII, que esteve para se intitular "Mas eles vêem com os ouvidos!". Agradeço ao Rogério Nogueira a tradução dos textos originais.
O italiano Lazaro Spallanzani (1729-1799) foi o primeiro a efectuar experiências (algumas cruéis) para saber como os morcegos se orientavam no escuro. Verificou que, na escuridão mais completa, morcegos normais e morcegos cegos conseguiam desviar-se dos obstáculos. Numa carta datada de 1793 escreveu:
"Nós podemos cegar um morcego de duas formas tocando e queimando a córnea com um fino arame em brasa, ou tirando e cortando-lhe os olhos. Algumas vezes o animal, ainda em sofrimento devido à operação, voa com grande dificuldade; mais tarde ele pode ser posto a voar numa sala fechada tanto de dia como de noite. Durante o seu voo podemos observar além disso que, antes de chegar à parede oposta, o morcego inverte o movimento desviando-se de obstáculos, tal como paredes, uma vara colocada no seu caminho, o tecto, pessoas na sala, e também de outros corpos colocados à sua frente num esforço de o embaraçar. Em resumo, ele mostra-se mesmo tão inteligente e experiente nos seus movimentos no ar tal como um morcego que possua olhos. Apenas ocasionalmente, devido ao cansaço, ele tenta posar sobre as paredes ou sobre o tecto, e, se elas não forem muito escorregadias, ele pode posar lá como fazem os que vêem."
Nesse mesmo ano escreveu a vários cientistas descrevendo as suas experiências e pedindo-lhes que as repetissem. O suíço Charles Jurine, cirurgião e naturalista, membro da Sociedade de História Natural de Geneva, acedeu a esse pedido, mostrando que, se as orelhas dos morcegos fossem obstruídas com cera ou outro material, diminuía drasticamente o poder de evitar obstáculos diminuía drasticamente. Spallanzani confirmou as experiências de Jurine, concluindo:
"Os ouvidos dos morcegos servem mais eficientemente para ver, ou pelo menos para medir distâncias, do que os seus olhos, um animal cego choca contra os obstáculos apenas quando os seus ouvidos estão tapados ... As experiências do M. Professor Jurine, confirmadas por vários exemplos que eu fiz, e de várias formas, estabelecem sem dúvida a influência do ouvido no voo dos morcegos cegos. Poderá então ser dito... mais do que os seus olhos os seus ouvidos servem para os orientar no seu voo? ... Eu disse que os morcegos surdos voam mal e chocam contra os obstáculos no escuro e com iluminação, mas os morcegos cegos desviam-se dos obstáculos tanto no escuro como com iluminação."
Só no início do século XX o assunto foi retomado. A seguir ao afundamento do Titanic, em 1912, o norte-americano Hiram Maxim (inventor da metralhadora) sugeriu que o eco do som com muito alta frequência – o ultra-som - podia ser utilizado na água pelos navios para detectarem e se desviarem dos icebergues e de outros obstáculos. A ideia de Maxim surgiu do problema dos morcegos, embora ignorando os trabalhos de Spallanzani e Justine. Ele foi o primeiro a propor claramente que os morcegos usavam o “som” na sua “navegação cega”!
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8 comentários:
Só uma pequeníssima rectificação. No último parágrafo, penso que queria dizer alta frequência, não baixa frequência, pois os ultra-sons têm frequências mais altas do que os sons audíveis.
Caro Ze Luis
Obeigado pela correcao, ja emendei
o lapso. A vantagem deste meio interactivo é termos alguns leitores muito bons e muito rapidos que nao deixam
passar nada errado (em materia de facto).
Nao me alonguei na historia, mas ela ensina-nos muito: por exemplo, que as aplicacoes tecnologicas por vezes surgem donde menos se espera.
A mim o que me choca na história deste post, para além dos olhos queimados ou arrancados aos morcegos, é o facto de um cidadão dedicar o seu génio alternadamente a coisas úteis e louváveis, como perceber a utilização dos ultra-sons, e a coisas odiosas como inventar metralhadoras. É isso, sinceramente, que mais me repugna.
Luís Lavoura
qual é o problema de inventar metralhadoras ?
Pense no seguinte , as armas são das coisas mais democraticas que existem , são o que dá a todos o mesmo valor, vou demonstrar este ponto de vista com um exemplo:
Imaginemos um homem, uma mulher, uma criança (12 anos), se tiver de escolher entre estas hipoteses de ser atacado fisicamente quem escolheria ? já sei que vai dizer que é pacifista e que não entra em conflito fisico com ninguem, mas imagine. No caso de estarem todos desarmados a escolha será ( do mais fraco para o mais forte ) , a criança , a mulher e finalmente o homem. Agora imagine que eles têm cada um uma faca , neste caso a escolha será a criança ( e já não vai ser fácil ) e depois a mulher e o homem já em igualdade de circunstancias , e finalmente se cada um tiver uma metralhadora é completamente indiferente quem é o agressor porque estão todos em igualdade. As armas são democraticas , são equalizadores , todos diferentes todos iguais é com uam arma na mão que fica mais verdade.
Para quem defender que um mundo sem armas era mais pacifico eu discordo completamente, porque as armas são o que permitem os mais fracos ou os menos numerosos poderem fazer frente aos mais fortes.
Caro "anónimo",
Mas, uma criança com uma arma, é um democrata sem miolos. Mesmo o homem adulto, por muito forte que seja, não age com o medo de uma represália, que pode ser colectiva, enquanto a criança com uma arma, é um desastre. Acha que pode tudo!
Os gangs nas cidades americanas são "crianças" de menos de 18 anos com armas. Se a maior parte deles não as tivessem, estavam caladinhos em casa, pois a democracia é cada um ocupar o lugar que deve, e não putos com mania das grandezas, a apregoarem uma injustiça no tratamento, porque na realidade, na cabeça de um adolescente quase tudo é injustiça, fruto da fase de crescimento. Dêem-lhes armas, e vejam a democracia em acção.
O problema não é alguém inventar as coisas (veja-se o exemplo de Nobel), é haver alguém que considera o uso errado dessas coisas, normal, e pior que isso, democrático.
Uma pequena rectificação...
De facto os sons se alta frequência, os ultra-sons, são os que permitem a eco localização dos morcegos. Contudo Hiram Maxim sugeriu baixa frequência (infra-som)15 Hz. Parece que terá sido ele o primeiro a sugerir que eram sons fora das frequências audíveis que permitiam a "navegação" dos morcegos cegos. Na época não se conhecia e não se tinham detectado os sons por eles emitidos e Maxim pensava que eram os batimentos das
asas que emitiam os sons e permitiam a navegação por som, daí aquela baixa-frequência.
Apenas em 1920 Hartridge sugeriu que os morcegos utilizavam ultra-sons devido à importância dessas frequências para a resolução na detecção dos pequenos objectos.
Também apenas na década de 30 (1938), devido a limitações tecnológicas, foi experimentalmente confirmada a utilização de ultra-sons pelos morcegos. Embora, depois das sugestões, tivessem sido utilizados ultra-sons no sonar criado por P. Langevin (em 1917), para detecção de submarinos.
Qual(is) a(s) fonte(s) que vocês têm para os textos originais?
Oi, gostaria de conhecer a referencia bibliografica utilizada. Obrigada.
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