sexta-feira, 13 de abril de 2007

Consciência feminista II

Fútil é um adjectivo que se escreve exclusivamente no feminino cá em Portugal e é igualmente o adjectivo subjacente ao ponto 6 da mensagem à Assembleia da República que acompanhou a promulgação pelo presidente Cavaco Silva da lei da interrupção voluntária da gravidez:

«Por outro lado, afigura-se extremamente importante que o médico, que terá de ajuizar sobre a capacidade de a mulher emitir consentimento informado, a possa questionar sobre o motivo pelo qual decidiu interromper a gravidez».

O presidente de todos os portugueses, que nunca se engana mas que aparentemente tem dúvidas sobre as capacidades das mulheres e sobre os motivos (fúteis) que as levam à decisão por uma IVG, deveria, quiçá, informar-se um pouco melhor sobre as capacidades daquelas que muitos esquecem na masculinização do termo que concerne à cidadania.

De facto, os únicos indicadores que tornam Portugal um exemplo para todo o Mundo civilizado são exactamente os referentes às cidadãs nacionais. Por exemplo, a taxa de abandono escolar no secundário aproxima-se do valor médio europeu (embora globalmente seja mais do dobro) se nos restringirmos ao universo feminino. São ainda mulheres a esmagadora maioria dos licenciados nacionais – mais de dois terços, 67,1%, em 2002, ano em que segundo o Observatório da Ciência e do Ensino Superior (OCES) metade dos doutorados nacionais eram mulheres.

Em 2003, foram mulheres 58,1% dos doutorados em ciência, matemática e computação e 63,3% dos doutorados na área da saúde. Mesmo nas engenharias, a única área em que a percentagem de doutoramentos no feminino é inferior a 54%, os 34,1 % de doutoradas, muito acima da média europeia de 21,9%, colocam Portugal em 4º lugar na Europa a 25, apenas atrás da Letónia, Lituânia e Roménia. Assim, não é de espantar que a percentagem de portuguesas que trabalham em áreas como ciência, tecnologia e engenharia seja muito superior, mais do dobro, à média europeia. Ou que, de acordo com o INE, em 2003 fossem mulheres 60,2% dos especialistas das profissões intelectuais e científicas.

No que respeita à ciência, em 16 de Março do corrente ano, Mariano Gago, durante a abertura do I International Congress «Women in Science» na Fundação Calouste Gulbenkian referiu que «a situação em Portugal é das melhores da Europa». De acordo com Mariano Gago, são mulheres 43 por cento dos cientistas nacionais, mas «Se pensarmos abaixo dos 40 anos, nesse caso então verificamos que em Portugal o número de homens e mulheres a fazer investigação científica é praticamente igual».

Mas as diferenças que tornam a situação das portuguesas ímpar em toda a Europa, não ficam por aqui. As portuguesas não têm qualquer benesse ou incentivo em termos de carreira pelo facto de terem filhos (bem pelo contrário) muito menos deixam de trabalhar quando têm filhos; têm taxas de emprego elevadas qualquer que seja a sua escolaridade e qualquer que seja o número e a idade dos filhos; não trabalham em percentagem significativa a tempo parcial qualquer que seja o número e idade dos filhos; trabalham significativamente mais tempo por dia do que os homens - nomeadamente em casa-, sendo a assimetria a mais elevada da União Europeia.

Em vez de lançar dúvidas sobre as capacidades das cidadãs nacionais, o presidente que também deveria ser de todas as portuguesas, poder-se-ia questionar porque razão a predominância do sexo feminino no número de licenciados e doutorados não acompanha a sua representatividade nos cargos de topo, nem a sua maior escolaridade se traduz numa remuneração maior, bem pelo contrário. E porque razão nestes indicadores, tal como em relação à violência sobre as mulheres, Portugal está na cauda do mundo civilizado.

Nós, as mulheres portuguesas, que merecemos encómios de todo o mundo civilizado pelo nosso esforço, dedicação e trabalho, merecemos pelo menos da sociedade nacional e especialmente do presidente que deveria ser de todos e todas que não sejamos colectivamente menosprezadas como coitadinhas inconscientes e acéfalas, incapazes de tomar uma decisão autónoma e responsável!

21 comentários:

Anónimo disse...

Cara Palmira,

O Ricardo Araujo Pereira explicou isso no sketch sobre o site do Marcelo: "A mulher vai ao cinema, está esgotado, e agora? Já sie, vou abortar..."
É ridiculo, mas, é muito próximo da posição que o "não" assumia de forma generalizada no referendo. A noção que algém dispõe do corpo de forma irresponsável, sem pensar, é própria de alguns sectores da sociedade em que vivemos, que são retrógados, condicionados desde sempre na sua forma de pensar, que vêm na liberdade de corrigir um erro, uma forma de irresponsabilidade. São provavelmente os mesmos que gostam de se agarrar a dogmas, pois recusam-se a aceitar a possibilidade de limites ao conhecimento, e à propria racionalidade.

Neste caso concordo consigo a 100%, sobre o mérito das mulheres. Creio que os homens, não na totalidade, mas, numa vasta maioria, ainda vivem com a ideia que não têm de se esforçar para nada, basta conhecer algumas pessoas e ter atitude para se safarem. Depois são os números que se vêm, e que referiu.

Anónimo disse...

Um post impressionante, Palmira. Parabens.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

"o médico, que terá de ajuizar sobre a capacidade de a mulher emitir consentimento informado"

Eu pergunto, que habilitações especiais têm os médicos para tal efeito.

Será que os médicos vão agora ser transformados em assistentes sociais, ou em psicólogos?

Um médico [obstetra] recebeu, que eu saiba, apenas e tão-somente uma formação especializada para realizar partos e abortos. Não recebeu qualquer formação especializada para interrogar mulheres ou para avaliar do seu estado psíquico ou sentimental ou moral.

Não vejo a que propósito é que deva ser concedida a médicos [obstetras] o direito de emitir juízo sobre as capacidades da mulher de prestar consentimento informado. Nesse âmbito, um médico terá em princípio tanta competência como um carpinteiro ou como uma cabeleireira.

Luís Lavoura

Anónimo disse...

Já tinha tido conhecimento de alguns dos numeros apontados neste post através de um artigo publicado numa revista norte americana, que infelizmente não me lembro qual foi. Lembro-me de ter lido que um terço dos cargos de gestão neste país são, hoje em dia, ocupados por mulheres. Pouco, muito, ou suficiente? A César o que dele é. Os cargos deverão ser dados às pessoas com maior competêmcia para os exercer.

A estupidez, a incompetência e a irresponsabilidade não são características do sexo feminnino, tal como a a arrogância, a sobranceria e a cegueira não são exclusivas do sexo masculino. A César o que dele é. Virtudes ou defeitos, nada é exclusivo do sexo masculino ou do sexo masculino.

Esta maneira de pensar que segundo a qual as mulheres, coitadinhas, não sabem, logo não conseguem, logo não podem, logo é melhor não fazerem é transversal ao género.

Existem iniciativas iniciativas que tentam auto apelidar-se de feministas que só servem para denegrir a imagem da mulher. Feminismo não deveria ser sobre a mulher ser igual ao homem, porque não o é. E ainda bem. Eu sou fã da diversidade. O que o feminismo deveria procurar era a afirmação da mulher, da, e aqui sim, igualdade de oportunidades. As mulheres têm, e isto numa maneira muito geral, uma inteligência diferente da dos homens(diferente porque as mulheres têm ambições e objectivos diferentes dos dos homens), melhor nuns aspectos, pior noutros. Ou, pelo menos, é esta a minha conviclão.

Na Amadora, existe, ou pelo menos existia, uma palavra de ordem pintada numa parede que dizia o seguinte:
Extrema Direita Não Racista ao poder!

As políticas laborais em Portugal são más. São mesmo muito más. Eu não tenho nada contra a competetividade das empresas, mas parece-me rídiculo que a queiram atingir através da instalação da insegurança familiar. Contratos a prazo, direitos escassos, uma não protecção à maternidade e à paternidade, etc.. Esta insegurança leva ao medo, o medo leva à exploração.

Tal como a Extrema Direita Não Racista, estas leis descriminam toda as pessoas por igual, sem excepção, A precariedade de emprego é igual tanto para o homem como para a mulher.

O segredo é a alma do negócio. Eu trabalho num meio onde grande parte dos profissionais da área não partilham conhecimento, porque se eu sei o que eles sabem, provavelmente devo querer roubar-lhes o trabalho. Ou, se calhar, se eu souber o que eles sabem, como poderão eles continuar a explorar os clientes?

Tal como a Extrema Direita Não Racista, a incapacidade de reconhecer nos outros méritos que nós próprios não temos e muito que muito dificilmente iremos ter (porque reconhecer a mais valia de uns é reconhecer a nossa inferioridade) a não ser que nos esforcemos (ah... lá está. a palavra de que tanta gente tem medo: esforço) asssusta-nos. E é por isso que nos barricamos por trás da estupidez e usamos argumentos idiotas para validar teorias que visam a diminuição do nosso antagonista para que possamos parecer maiores. Formação? Epá, isso dá muito trabalho e custa dinheiro.

Isto para dizer que o incompetente, o preguiçoso. o instalado não tolera a mudança porque tem medo da sua própria inferioridade.

O homem é a medida de todas as coisas.
Tal como a Extrema Direita Não Racista, o machismo e em certa medida o feminismo assentam no assumir da inferioridade daquilo que defendem.

O referido ponto seis foi redigido e aprovado por pessoas que sabem que seriam capazes de abortar por pura futilidade e inconsciência. E é uma salvaguarda para agradar a gregos e troianos sobre a questão do aborto. Porque assim não estão a mandar a mensagem de que qualquer pessoa pode fazer o aborto a qualquer altura e sem qualquer acompanhamento.

Unknown disse...

o toupeira está a confundir feminismo com a imagem falsa das gajas a queimar soutiens que os conservadores fazem passar.

feminismo é mesmo feminismo: não submeter as mulheres ao que uma sociedade de homens acha que deve ser o papel delas: de parideiras e mulheres a dias.

as feministas não querem ser iguais aos homens: querem ser reconhecidas como fêmeas sem que isso corresponda a discriminação ou desigualdade de oportunidades.

a sociedade e o mercado de trabalho adaptou-se às necessidades dos homens, porque não fará o mesmo para as mulheres?

aqueles patrões que se reuniram no beato a dizer que o problema do país é a baixa taxa de natalidade são os mesmos que exigem horários desumanos das empregadas e não as promovem ou contratam porque têm filhos pequenos ou estão em idade de ter filhos.

ninguém pergunta a um gajo se tem filhos ou se está a pensar ter filhos, parte do princípio que a mulher fica encarregue disso. mas em muitas entrevistas perguntaram-me na cara se estava a pensar ter filhos.

Unknown disse...

Sobre o Cavaco e as recomendações atrasadas mentais o artigo da Fernanda Câncio diz tudo.

"Fazendo-o contra os pedidos daqueles que, invocando o facto de nele terem votado e apostando nas suas convicções (foi mandatário de um movimento do Não aquando do referendo de 1998), lhe exigiam que vetasse, deu uma lição de democracia e de sentido de Estado a quem confunde o cargo de presidente com o de um líder de facção.

A confusão é recorrente, mas inofensiva. Desde, bem entendido, que quem ocupa o lugar nela não incorra. Cavaco promulgou contrariado. Mesmo que não tivesse frisado não poder ser "indiferente" ao facto de ter havido no referendo "uma percentagem de 59,2% de votos favoráveis à despenalização nas condições e nos termos expressos na pergunta", nem à circunstância de a lei ter sido aprovada "por uma larga maioria parlamentar", era para todos óbvio que a promulgação lhe surgia inelutável."


"É a ecografia rígida e autoritária de um presidente à espera da sua oportunidade."

José Luís Malaquias disse...

Há um erro de pressuposto em todo este raciocínio, no qual de resto caem quase todos os argumentos em favor do Sim.

Pressupõe-se que a maioria das mulheres (oprimidas) são a favor do sim e que os homens (opressores) são a favor do não e lhes negam esse direito.

Na realidade, as estatísticas mostram o contrário. O sim acolhe mais apoios entre os homens e o não mais apoios entre as mulheres.

Mas, depois desta digressão, vamos à questão concreta que levanta, de um médico em conversa privada poder ou não interrogar a mulher sobre os seus motivos.

Imaginemos um casal médio, o Zé e a Arlinda, em que o Zé tem por hábito exercer violência sobre a Arlinda.
Um dia a Arlinda engravida, o que corresponde a um sonho que sempre teve, de ter uma criança. O Zé, pelo contrário, gosta muito do seu sossego e do seu conforto e quer ter as atenções da Arlinda todas viradas para ele. Por isso, não quer ter o filho e, sob coação física e psicológica, leva a Arlinda a abortar. Ela não o quer fazer mas, como é comum em situações de violência doméstica, não se atreve a contrariar o marido. Vão ao serviço de saúde e manifestam a vontade de realizar um aborto. O médico não tem, por lei, capacidade de obrigar o marido a sair por uns momentos e confirmar com a Arlinda se é, de facto, aquilo que ela pretende.
Resultado, a Arlinda é coagida a abortar contra a sua vontade e uma das piores formas de violência doméstica contra uma mulher é exercida em estabelecimento de saúde autorizado, perante a assistência passiva dos serviços de saúde?

Quem é que violou nesta história fictícia os direitos da mulher? Se vamos despenalizar/liberalizar o aborto, será pedir assim tanto que se garanta antes de um procedimento irreversível e com consequências potencialmente terríveis que é, de facto, aquela a vontade expressa da mulher?

Palmira F. da Silva disse...

É interessante que o Malaquias vá buscar um caso rebuscado destes não sei bem para quê. Mas neste caso é um completo tiro no pé.

Porque com a lei actual o marido da fictícia (e coitadinha) Arlinda não entra na consulta. Mas uma das recomendações de Cavaco Silva é que passasse a entrar...

Mas acho louvável que o Malaquias se preocupe tanto com as Arlindas fictícias. Tanto que esqueça as mulheres reais obrigadas durante tantos anos a abortar num submundo degradante em condições sub-humanas. Muitas delas pagando com a vida a preocupação com Arlindas nascidas no léxico do imaginário de pessoas como o Malaquias

José Luís Malaquias disse...

Não quero aqui levantar de novo a questão da despenalização ou não do aborto. Está aprovado em referendo, o povo falou, legisle-se a matéria de acordo.
É claro que não foi essa a posição do sim, depois do primeiro referendo que perderam, mas é essa a minha posição agora. O referendo não está posto em causa, por isso não vamos de novo levantar o papão das mulheres obrigadas a abortar no submundo.
Mas a escolha de palavras da Palmira não deixa de ser interessantes, porque usa a palavra "obrigadas". Mas obrigadas por quem? A própria expressão da Palmira pressupõe uma coação da mulher. Se ela está a ser "obrigada" a abortar no submundo, está a ser, em primeiro lugar, "obrigada" a abortar. Ou seja, inconscientemente muitos dos defensores do Sim, deixam escapar nessa frase a ideia de uma coação sobre a mulher para abortar. Se não, deveriam usar a expressão, "mulheres que não têm opção de abortar senão no submundo".
Obviamente, que eu não quero chegar, com este pequeno jogo de palavras à conclusão de que todas as mulheres que abortam em Portugal, antes ou depois da lei, o fazem obrigadas. Aceito que muitas o fazem por opção. Sei, porém, que muitas o fazem também por coação. Essa é a verdade que não se quer dita.
Não são só as Arlindas (e acredite que as há muitas) são, as jovens que engravidam e que os namorados lhes fazem pressão psicológica para se "verem livres daquilo", são as filhas solteiras que os pais coagem a abortar para evitar um escândalo na família e, maioritariamente, são as mulheres vítimas da violência, os milhares de Arlindas por esse país fora, que o fazem por coação dos maridos.
Refuta-me a Palmira que eu dei um tiro no pé, porque a lei contraria as recomendações de Cavaco Silva precisamente ao não deixar o pai estar presente. Isso é atirar areia para os olhos. Um marido não precisa de estar presente para coagir a mulher. Quantas e quantas mulheres são tratadas nos hospitais públicos após sofrerem maus tratos às mãos dos maridos e, mesmo na sua ausência, se recusam a admitir que foi o marido que lhes provocou os maus tratos? Só quem passou por esse pânico de viver com o terror em casa sabe como a coação pode ser exercida.
Mas então, perguntar-me-ão, para quê perguntar à mulher, se ela está sob coação, mesmo na ausência do marido? Pois, aí é que entra o papel do psiquiatra, especialmente do especialista na detecção de abusos familiares. Essa entrevista serviria apenas para que um profissional treinado determinasse qual é a _verdadeira_ opção da mulher. Não era para a dissuadir, não era para lhe explicar que havia alternativas melhores. Era simplesmente para ver se é mesmo isso que ela queria.
Por isso, pergunto. Onde estão agora os que apregoaram o verdadeiro direito de a mulher decidir? Uma mulher que optou em consciência por fazer um aborto é assim tão incapaz de responder a umas perguntas para assegurar aos profissionais de saúde de que é mesmo essa a sua vontade? Eu, como mulher, sentir-me-ia indignada se me achassem tão condescendentemente volátil que não pudesse responder a umas perguntas antes de efectuar uma intervenção que vai ter consequências irreversíveis na minha vida.
Portanto, de que é que os fundamentalistas do sim têm tanto medo dessa entrevista? Nunca falaram mal dela quando apontaram o exemplo de Espanha, onde ela é obrigatória.
E se, por um acaso, a entrevista resultasse numa mudança de opinião por parte da mulher? Isso seria assim tão mau? Sempre ouvi os defensores da despenalização a dizer que eram contra o aborto, mas que há casos em que é um mal necessário e antes fazê-lo com segurança do que num vão de escada. Perfeitamente de acordo. Mas, se de uma entrevista resultar que não ocorre um aborto, nem em segurança nem no vão de escada, mas antes uma gravidez bem sucedida? Isso é um resultado assim tão chocante para os defensores do sim? Não diziam antes que não queriam aborto, queriam era que a mulher tivesse liberdade de escolha? A entrevista não tira a liberdade de escolha e pode, em alguns casos, permitir a escolha da mãe pela vida. Será que a escolha da mulher só é boa se for pelo aborto, se for por mudar de ideias, já não é uma boa escolha?

Palmira F. da Silva disse...

Caro Malaquias:

O referendo já passou, a lei já foi promulgada e eu já aturei argumentação semelhante q.b. durante a campanha. Não vale a pena insistir na tecla da coitadinha acéfala e sem vontade própria que é necessário proteger mesmo contra a vontade da mesma (porque, coitada, é uma acéfala criatura sem capacidade de dar uso às sinapses).

Devo confessar que fiquei absolutamente sem paciência para argumentos que assentam numa imagem da mulher que não tem rigorosamente nada a ver com a realidade. E foi isso que tentei mostrar no texto...

e-ko disse...

É, só, mais um excelente texto. Tive oportunidade de, durante a campanha do referendo, comentar, por esses blogs fora, opiniões como as do Malaquias e Toupeira, como os mesmos argumentos, de forma mais resumida, claro. Não há pachorra!!

José Luís Malaquias disse...

Cara Palmira,
Mas parece-me que, na condenação dessa imagem da mulher acéfala (excelente escolha de palavras para caracterizar o estéreotipo), estamos perfeitamente de acordo.
Precisamente por achar que não podemos considerar a mulher acéfala, acho que temos de considerar que ela sabe fazer as suas escolhas de modo informado e que não vai mudar de ideias - se for, de facto, essa a sua escolha - só porque fala com um médico antes. Se o fizesse, então sim seria acéfala e nenhum de nós acredita nisso.

Portanto, na imagem que ambos partilhamos de uma mulher inteligente confrontada com uma escolha muito difícil, não vejo o que possa prejudicar a mulher fazer a escolha de um modo informado e ter a possibilidade de detectar quaisquer indícios de coação sobre a mulher. Porque ser coagida não é sinónimo de ser acéfala. Infelizmente, muitas mulheres inteligentes sofrem o drama da violência doméstica.

Palmira F. da Silva disse...

Caro Malaquias:

A mulher tem que falar com um médico antes, aliás como acontece com todos os procedimentos médicos. Não será difícil nessa consulta obrigatória detectar um hipotético (e muito improvável) caso de coacção.

Nem é disso que o post trata. aA pergunta a que a maioria dos votantes respondeu sim foi se concorda com a despenalização da IVG por opção da mulher. Simplesmente isso. Não tentem ganhar na secretaria o que perderam nas urnas: a rejeição da possibilidade de opção pela mulher.

Com argumentos esfarrapados como a preocupação com uns casos absolutamente implausíveis de coitadas coagidas a abortar (arrastadas por um braço?).

Anónimo disse...

Cara Palmira,

Para aqueles argumentos parvos, contra quem tem perdido o seu tempo a argumentar, surge a outra possibilidade:
"Se aborta por coacção, provavelmente também concebeu por coacção", ou a coacção para umas coisas serve e para outras não?
Se fosse médico, e visse alguém a ser coagido a abortar, era logo a primeira coisa que imaginaria e autorizaria o aborto de imediato. Mas isto sou eu que respeito a vontade das pessoas.
A liberdade de decidir, seja um intelectual ou um mentecapto, é algo que eu respeito, e se uma mulher decide passar pelo sofrimento de um aborto, ninguém tem o direito de se achar mais dotado que ela para o decidir.

FMS disse...

Julgo que o argumento da Palmira enferma de falta de realismo, por achar academicamente que a mulher média, em Portugal, goza da lucidez e formação humana que a caracterizam a si. Convirá sair à rua.

Anónimo disse...

Caro "ringthane",
Para um argumento idiota como esse, e dado que tenho mais experiencia em idiotice que a Palmira (tenho a certeza disto), vou tomar a liberdade de responder.

Se a mulher é suficientemente inteligente para escolher, já percebi que não acha que haja problema, porque não está a fazer nada demais que não seja usar a inteligência. Daí que nesse caso particular nem vou argumentar.
A preocupação são as "burras"...
Tudo muito bem na mesma. Devem poder abortar de livre vontade, e por burrice, que até é do interesse da sociedade, mais não seja, para impedir a propagação de génes de "burro" entre os Portugueses, talvêz aparececem menos burrices destas nos argumentos de uma das opções de um referendo.

Anónimo disse...

Professora Palmira

Dirijo-lhe o comentário porque sou uma "mulher média" e o senhor ringthane (espero que seja um senhor), não ía considerá-lo lúcido.

Os números que a professora divulgou neste post, que são conhecidos, mostram ou não mostram que a lucidez e formação humana, e não só, das mulheres portuguesas (mesmo das médias), são esmagadoras em relação à dos homens? Parece que o senhor não leu o post!

Para ler alguns destes comemtários, a professora Palmira mostra também ter uma paciência bastante acima da média e para dar a cara por esta e outras causas precisa de ter... testículos não, porque isso é outro falso mito (o de a coragem estar acumulada nos mesmos). Senão vejamos, olhando para a cara de um homem quando usa os testículos para fazer um filho e para a cara de uma mulher quando usa o útero para o parir, não restam dúvidas de que é preciso muito mais coragem para a 2ª hipótese.

Não estou a ver que outro uso se possa dar aos testículos, que necessite de coragem, só se for para os coçar no emprego enquanto as colegas do sexo feminino trabalham, para no fim receberem menos 25% do vencimento, mas não me parece.

Em nome das mulheres médias, obrigada professora Palmira.

guida martins

Palmira F. da Silva disse...

Olá Guida:

Só Palmira, professora só nas aulas :-)

Espero sinceramente que o resultado do referendo seja um ponto de viragem civilizacional cá no burgo e que o menosprezo pelas mulheres que alguns comentários indiciam desapareça gradualmente.

A criminalização do aborto era também para mim uma prova de desconfiança da sociedade em geral em relação às mulheres, que eram consideradas cidadãs de segunda sem direito à liberdade de consciência.

Alguns dos debates para que fui convidada reflectiam exactamente isso, os argumentos - alguns debitados por mulheres - eram de uma misoginia que assustava.

Anónimo disse...

Um dia, enquanto estava num consultorio a ser 'interrogada' por uma enfermeira sobre a razao porque queria mais caixas de pilulas contraceptivas (ela tinha feito mal as contas a achou que eu ainda devia ter umas em casa) pensei: se a pilula fosse administrada aos homens e nao as mulheres, comprava-se em quiosques, vinham com o jornal diario. Nao era necessario os senhores tirarem uma hora do trabalho para dar um saltinho ao centro de saude.

Anónimo disse...

parabéns pelo texto, é de uma utilidade inesquecível. Identidade-mulher é saber de toda a educação colectiva que: as religiões e filosofias te condenam como erro (erro de existir porque causa da imperfeição colectiva), que o mundo actual é o melhor dos mundos históricos, que o teu corpo não és bem tu porque está sujeito a escrutínio constante, que és muito boa se abnegares de ti, que esse bom se traduz em irrelevância social, e que se quiseres relevância social és muito má para toda a gente que conheces. Isto são disparates semi-religiosos a que raras são as pessoas que escapam, que estão a ferro e fogo na nossa constituição emocional (H e M), nas nossas suspeitas que nos querem usar. Este retrato, quando descer as escadas para a rua, vai felizmente estar também atrás dos meus olhos.
Um abraço

Anónimo disse...

Talvez seja demasiado tarde, provavelmente já não lerão este comentário.

Ter-me-ei explicado mal.

A rita diz "o toupeira está a confundir feminismo com a imagem falsa das gajas a queimar soutiens que os conservadores fazem passar." ,
Não, não estou. mas essas "gajas" estão.
O que eu disse, e desculpe-me citar-me a mim próprio, foi:
"Existem iniciativas iniciativas que tentam auto apelidar-se de feministas que só servem para denegrir a imagem da mulher."
Parece-me claro que eu não faço essa confusão. Concordo com o que a rita diz acerca do que deve ser o papel feminismo, a luta da afirmação da mulher como mulher, diferente do homem, nem melhor nem pior.

e-konoklasta:
Não me parece que, no comentário que fiz, tenha feito alguma menção ao tema do aborto. Estranho que me tenha colocado ao lado do malaquias (e não estou reivindicar nenhuma superioridade ou desprezo em relação à opinião dele) quando me parece que temos opiniões algo divergentes em relação ao post. Terei compreendido mal?

O comentário que fiz tem a ver apenas com o que me parecem ser as questões fundamentais levantadas pelo post:
Como é vista a mulher pela generalidade da sociedade? É lhe dado o o mérito das "conquistas" que tem conseguido? Continua a mulher a ser vista de uma forma redutora?
Em relação à última, parece-me que sim, apesar de haver sinais de mudança na nossa sociedade. Mas também é minha opinião de que essa visão é mais fruto do embate da chamada "velha guarda" Vs "novo sangue" , do que fruto de um machismo. É claro que ainda existem casos de machismo e é claro que existe na "velha guarda" pessoas lúcidas e inteligentes que não se sentem ameaçadas pelo al "sangue novo". Mas este confronto existe, sente-se. Essa resistência à mudança e à adaptação aos "novos tempos".

A questão do aborto, que por momentos pensei ultrapassada, não serve para argumentar as questões que considerei relevantes debater no meu comentário. Um médico ter que ajuizar sobre a capacidade da mulher para tomar uma decisão parece-me perfeitamente insultuoso à dignidade. No entanto não posso deixar de concordar com um acompanhamento psicológico qualificado para ajudar a mulher(ou o casal) a atravessar essa fase difícil da sua vida. Seria desumano não o fazer. E se isso fizesse com que a mulher (ou o casal) considerasse outras alternativas, tanto melhor, mas não deveria ser esse o objectivo desse acompanhamento. O objectivo seria a salvaguarda da mulher não por ela ser uma coitadinha que não sabe o que faz, mas por ela merecer ajuda profissional numa decisão que em princípio não foi tomada com a ligeireza de quem escolhe leite ou café para o pequeno almoço. Embora haja quem faça a sua escolha com essa leveza, não podemos pensar que todos os casos são iguais, ou que representam uma maioria (que não representam).

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