terça-feira, 17 de abril de 2007

Para que servem os filósofos?

David Stove (1927-1994) foi um filósofo australiano mordaz, relativamente pouco influente e pouco citado, mas que tinha o dom da sensatez, um dos bens mais escassos da humanidade. À pergunta do título, responde Stove assim:

"As pessoas inteligentes, entregues a si mesmas, acabarão por filosofar, mais tarde ou mais cedo, seja qual for o campo de trabalho intelectual a que se entreguem, ou mesmo que a nenhum se entreguem. O impulso para a filosofia é de facto tão natural e tão forte que nada se conhece, excepto o terror totalitarista, que consiga reprimi-lo em absoluto. Numa sociedade não totalitarista, pois, a filosofia será feita, e a única questão prática que resta é como haverá melhores hipóteses de ser bem feita, ou por quem."

A ideia de Stove é que os filósofos pensam cuidadosamente e com base no conhecimento bibliográfico relevante nos problemas em que naturalmente muitas pessoas acabarão por pensar intuitivamente. Ora, se isto acontece, que sentido faz brincar à filosofia, ignorando o trabalho dos filósofos? Seria como brincar à biologia, ignorando a biologia. Poucas pessoas seriam levadas a sério se desatassem a especular sobre biologia sem estudar biologia seriamente.

Contudo, há uma certa tendência para desatar a especular sobre filosofia sem estudar filosofia seriamente. Uma razão para isso poderá ser o que afirma Stove a seguir:

"A acusação que nos lançavam costumava ser a de que andávamos perdidos em generalidades nebulosas. Hoje em dia a acusação é habitualmente ao contrário: que negligenciámos "as grandes questões" a favor de tecnicismos minuciosos e despropositados. Esta acusação é falsa, mas é inteiramente compreensível que a façam. O padrão de rigor em filosofia subiu imenso neste século, e este facto, só por si, é suficiente para explicar a fragmentação das grandes questões únicas em muitas questões mais pequenas, e o consequente abrandamento de todo o processo." [Vale a pena ler mais...]

19 comentários:

Bruce Lóse disse...

Dério,

Não desfazendo, continua um pouco difícil entender como se justifica no cenário da modernidade uma "região autónoma" da filosofia na forma de especialização académica. O acto de pensar cuidadosamente (conforme o seu texto) consubstanciado na bibliografia (também conforme o seu texto) não é uma temeridade iniciática para profissionais da dúvida metódica, certo?
Aprecio a inteligência das suas opiniões, ainda que eu sofra sobre certos assuntos de uma indigência residente entre cartões e pilares da Caixa Geral de Depósitos. Por isso lhe imagino melhor advocacia para o valor do filósofo.

Anónimo disse...

Concordo com os parágrafos citados.

a) Parece-me bastante evidente que qualquer área do saber, levada às máximas consequências, leva inevitavelmente a problemas de tipo filosófico. E esses grandes problemas desaguam numa grande pergunta central, «primeira» e «última», a questão do que é a realidade.

b) É verdade que a filosofia é frequentemente vista com uma certa desconfiança, sobretudo porque (dizem muitos) «não serve para nada», ou «reduz-se a paleio mental», mas normalmente estas críticas são feitas «desde fora», «sem estudar filosofia seriamente», como diz o Desidério. Tendo em atenção «posts» anteriores, a que voltarei, parece-me que o mesmo que diz o Desidério em relação à filosofia se deve dizer também em relação à teologia!...

c) Talvez haja outra razão para a desconfiança generalizada em relação aos filósofos. Num tempo em que as ciências estão tão especializadas, a filosofia continua a ser vista como um estudo «do todo», que, para muitos significa saber nada de tudo. Mas depois parece que os filósofos têm «sentença pronta» sobre tudo, a quem apenas falta ter um programa de televisão ao domingo à noite. Evidentemente, isto não é exactamente assim. Pode existir uma certa arrogância da parte de alguns, mas ao filósofo fica sempre bem a virtude da humildade…

d) As relações entre a filosofia e as ciências nem sempre são fáceis e talvez nisso haja alguma «culpa» dos filósofos. Muitas vezes a cultura científica dos filósofos é muito baixa e então, por honestidade, não «se metem» em temas que desconhecem. Isso aumenta a desconfiança dos cientistas em relação aos filósofos, porque não vêem nestes um interlocutor idóneo. Neste sentido, creio que é preciso incentivar muito mais o diálogo entre cientistas e filósofos, porque os filósofos também têm muito a dar. Creio que Husserl tinha razão quando dizia que uma cultura sem filósofos não tem futuro. Ele, um homem vindo das matemáticas, que se meteu a fundo na filosofia. Nisto, no necessário diálogo entre cientistas e filósofos, parece-me que este blogue é já uma boa notícia.

Alef

Bruce Lóse disse...

"Neste sentido, creio que é preciso incentivar muito mais o diálogo entre cientistas e filósofos, porque os filósofos também têm muito a dar".

Será esta a forma de massajar a filosofia com cultura científica, de forma a que os filósofos se tornem em interlocutores idóneos aos olhos dos cientistas? Discordo. Em português: disconcordo, Sr. Engenheiro.

Anónimo disse...

Caro Bruce:

Não foi isso que eu disse. Ou significará «diálogo» o mesmo que «massajar»? Também disconcordo.

Alef

Desidério Murcho disse...

Olá, Alef!

Não é pura e simplesmente verdade que os filósofos em geral desconheçam os resultados fundamentais da ciência. Depende da sua área de especialização. Um filósofo da ciência ou da biologia ou da física geralmente até tem um BA nessas áreas. Os filósofos da mente conhecem os resultados fundamentais das ciências cognitivas. Basta ler esses filósofos para o perceber.

Há um muito maior desconhecimento, por parte dos cientistas, da filosofia, do que o inverso.

Bruce: O que justifica a existência de filósofos é o facto de haver problemas filosóficos. O que se passa é só isto: qualquer pessoa que se ponha a pensar tropeça em problemas filosóficos. Depois, tanto pode escolher pensar nisso sozinha, como se pode sair dessa atitude de arrogância ignorante e decidir aprender alguma coisa com as pessoas que são pagas precisamente para pensar nesses problemas e que os conhecem muito melhor e que sabem pensar com um grau de sofisticação muitíssismo superior.

Tal e qual como na ciência. Imagine-se o disparate que era eu agora querer provar que realmente a Lua é o que os cientistas dizem que é, fazendo tábua rasa de tudo o que os cientistas fizeram ao longo de séculos.

António Parente disse...

Caro Desidério

Fiquei surpreendido com a sua resposta ao Bruce. Acaba de fazer dois apelos que a Igreja costuma fazer aos seus fiéis:

1) Autoridade - "aprender alguma coisa com as pessoas que são pagas precisamente para pensar nesses problemas e que os conhecem muito melhor e que sabem pensar com um grau de sofisticação muitíssismo superior.";

2) Tradição - critica quem faz "tábua rasa" de tudo o que se disse ao longo dos séculos.

Pode concluir-se, pelo que afirmou, que só pode filosofar quem for aceite pelos seus pares filósofos, o que passa por um rito de iniciação ancorado na obtenção de um grau académico. Por outro lado, a apresentação de ideias novas passa pelo respeito das ideias antigas e pela tradição filosófica.

Finalmente, aprendizes de filósofo como eu devem ficar calados na sua arrogância ignorante. Não me parece que esta forma de pensar possa contribuir para a difusão da filosofia e para o seu ancoramento ao campo da ciência. Em vez de ser a ponte entre dois mundos distintos - ciência e religião - a filosofia acaba por se tornar na terceira dimensão e numa forma de fundamentalismo e radicalismo...

José Luís Malaquias disse...

Comentário malicioso de um informático:

A filosofia é assim uma espécie de ciclos livres do relógio do processador da mente humana...
Os computadores usado os ciclos livros para o SETI@home.
As PS3 usam os ciclos livres para o folding@home..
O cérebro humano usa os ciclos livres para a filosofia@home.

Desidério Murcho disse...

Na minha resposta anterior queria dizer BSc, claro, e não BA.

António, claro que as pessoas podem sentir curiosidade sobre os problemas da filosofia e pensar sobre eles à sua maneira. Isso é bom. O mesmo acontece com a ciência: as pessoas têm curiosidade pelos problemas da ciência. Eu só queria dizer que não podemos confundir uma conversa, ainda que interessante, sobre filosofia por parte de quem nada sabe da área, com um bom livro de quem sabe do que está a falar. O mesmo acontece com a ciência, a matemática ou a história, como é óbvio. Defender que quem manda umas bocas de filosofia sem nunca a ter estudado seriamente tem um conhecimento ao mesmo nível de um filósofo profissional é pura e simplesmente tonto. Seria como achar que qualquer pessoa que manda umas bocas sobre a física quântica -- e há muitas a fazê-lo -- tem um conhecimento desta área ao mesmo nível de um físico profissional. Isto não faz sentido.

António Parente disse...

Caro Desidério

Concordo plenamente consigo. É por isso que eu não contesto o Papa Bento XVI. Sabe mais de religião do que eu, é um religioso profissional. E quem o contesta é tonto, como é óbvio. Não faz sentido.

Bruce Lóse disse...

Dério,
Não quis sobressaltá-lo com a arrogância, e mais uma vez lamento os meus fracos recursos.
Estamos ainda a falar da utilidade? A questão é que a natureza discursiva do pensamento (?) proporciona uma distorção generalizável: de que a filosofia está aconchegada por decreto às verdades essenciais. Isto é um erro que devia ser evitado principalmente pelos seus zelosos pretorianos, grupo a que o Bruce Lóse decididamente não concorre. Para ser um pouco mais completo na minha bravata verborreica, diria que o pensamento crítico justificado no seu post não é mais do que um estado de alma legítimo em qualquer área do saber. O conteúdo válido da filosofia está nessa área do saber - vejo-a compartimentada - relegando-se o resto (noves fora) para a História da Filosofia.
Não estou a destituir, conforme disse, as capacidades transversais de um filósofo. Acho apenas que o seu trabalho, já que remunerado, seria mais rico na capacidade para discorrer sobre certas questões se partisse do conhecimento consistente de uma ciência em particular, para depois se tornar tranversal.

Poderíamos nesse caso ouvi-los com mais interesse sobre questões que atormentam os não-filósofos, mas onde os filósofos não constituem autoridade. Manipulação genética, educação, política, etc.
Sou pela competência cognitiva em primeiro lugar. É assim que se diz?

Desidério Murcho disse...

Caro Bruce

Há áreas em que o trabalho dos filósofos tem aplicação noutras áreas: ética, filosofia política, filosofia da ciência, etc. Mas nem em todas. Nem por isso esses problemas são menos reais nem menos importantes. A filosofia tem muita mais cientificidade (no sentido de rigor e sofisticação) do que muitas coisas a que hoje se chama "ciência", que é uma palavra que tem sido muito abusada. A maior parte das vezes que se usa a palavra "ciência" tudo o que se quer realmente dizer é "seriedade intelectual" ou "pensamento racional" ou "pensamento crítico". Mas isto tanto se aplica à astronomia como à história ou à filosofia ou à musicologia.

Caro António: sim, uma pessoa para poder ter uma opinião fundamentada de que Deus não existe não pode limitar-se a pensar umas coisas vagas à mesa do café. Tem de estudar filosofia da religião. Que interesse tem andar a reinventar versões ingénuas de argumentos a favor e contra Deus, argumentos que têm sido estudados profundamente pelos filósofos profissionais e dos quais há hoje versões e objecções sofisticadas? Claro, é apenas conversa de café, e não há mal nenhum nisso. Mas não se pode confundir isso com o estudo sério do problema da existência de Deus.

A maior parte das pessoas que são ateias ou que acreditam em Deus não têm realmente boas razões para uma coisa nem para outra. Limitam-se a ir na maré, o que têm todo o direito de fazer. Não se deve é confundir isso com um conhecimento fundamentado da filosofia da religião. Não estou a dizer que as pessoas não façam esse debate, sem conhecimento da bibliografia básica. Só estou a chamar a atenção para o facto de tal debate ser mero entretenimento frívolo, não se baseia no estudo sério. Quem está seriamente interessado no tema, vai estudar a bibliografia adequada.

Siona disse...

"Para que serve a filosofia?"

Sem querer ofender ninguém, acho que para nada em concreto. Não existem aviões movidos à força da filosofia. Pode ser uma maneira agradável de pensar nas coisas à nossa volta, mas não produz conhecimento concreto.

"A acusação que nos lançavam costumava ser a de que andávamos perdidos em generalidades nebulosas." E continua a ser essa! Acho que a filosofia sempre teve medo de "sujar" as mãos com o que é real, com o que existe. E só perde por causa disso!

Anónimo disse...

A filosofia, tal como a matemática, não servem para nada. Isto é, não estão ao serviço de nada a não ser da razão humana. E por essa razão elas estão presentes no fundo onde todas as ciências se manifestam. Em todo o movimento científico existe, prévio, um movimento filosófico. Um movimento que os cientístas - e muitas vezes, bem - ignoram. Os cientístas são todos, de certa forma, instrumentalistas. E reconhecer isso é, em últma análise, reconhecer que não há ciência genuína (conhecimento sobre algo) sem filosofia.

Anónimo disse...

Siona,
""Para que serve a filosofia?"

Sem querer ofender ninguém, acho que para nada em concreto. Não existem aviões movidos à força da filosofia. "
Pois não! Tem razão. Mas também não existem aviões sem ciência e não existe ciência sem problemas e não existem problemas sem a força racional de os sistematizar e pensar que é, precisamente, o que faz a filosofia. Logo, não existem aviões sem filosofia, ainda que a conclusão expressa seja chocante para quem nunca se expôs a pensar seriamente no assunto.
Lamento desapontá-la :)
Rolando Almeida

Anónimo disse...

António,
"Caro Desidério

Concordo plenamente consigo. É por isso que eu não contesto o Papa Bento XVI. Sabe mais de religião do que eu, é um religioso profissional. E quem o contesta é tonto, como é óbvio. Não faz sentido. "

Mas se o António estudar religião, por que razão não a pode discutir com o Papa? Provavelmente porque o papa não discute religião, só por essa razão. Mas se o Papa quiser discutir religião com o António e o António estudar religião, pode discutir com ele. Não discuto mecânica com o mecânico do meu automóvel somente porque não possuo o conhecimento dele. Se estudar ou me dedicar à mecânica automóvel, é provável que discuta a origem da avaria do meu automóvel com o mecânico. É até saudável que o faça.
Só mais uma coisa: não é o António que não pode questionar o Papa. O António não discute nada com o Papa pela razão que o Papa não se questiona sobre a sua fé.
Mais esclarecido?
Tomei o abuso de responder a uma questão que dirigiu ao Desidério, mas espero ter ajudado a clarificar.
Rolando Almeida

António Parente disse...

Rolando

Encerrei o debate com o Desidério porque a partir de um certo momento entramos num looping, isto é, começamos a repetir-nos sem que isso acrescente nada ao debate. Como não encaro esta troca de impressões como uma luta pessoal, com vitórias e derrotas, não tenho quaisquer problemas em parar quando penso que o assunto se esgotou. Todavia, não deixo de responder com prazer às observações que produziu.

O que me entristece é que haja um desconhecimento total sobre o pensamento filosófico e religioso do Papa. Saiu há 2 ou 3 dias um livro em português intitulado "Olhar para Cristo" cujo primeiro capítulo intitulado "Fé" (o único que li) é uma discussão filosófica sobre fé, ateísmo "científico" e agnosticismo, merece uma leitura atenta. Pode-se discordar do que está escrito, mas é um texto com qualidade, apesar do título do livro ser, muito provavelmente, assustador para um ateu. O Papa tem um pensamento filosófico estruturado e admite críticas. Basta dizer que em relação a outro livro que publicou sobre o Jesus Cristo histórico afirmou, citado pela agência Reuters, salvo erro, que qualquer um o podia contradizer. Ao contrário do que se julga, a contestação é possível dentro da Igreja. O que já não o é quando alguém afirma falar "oficialmente" em nome da Igreja e subverte a doutrina básica. Aí o que acontece, como sucedeu com vários teólogos, é que continuam a publicar e a defender as suas ideias mas não o fazem em nome da Igreja. O pai da teologia da libertação, segundo li, faz umas cerimónias excêntricas com baptismos nas quentes praias brasileiras e ninguém o impede disso: o assunto é de sua responsabilidade e a Igreja não é reponsável por isso.


Mas, tal como o Desidério o faria, o Papa não estará muito interessado no pensamento filosófico-religioso do Parente pelo simples facto do Parente não ser uma figura pública e o que ele pensa ou deixa de pensar não tem impacto sobre a sociedade. E não é menosprezo pelo Parente mas sim uma atitude de bom senso dado que se mil milhões de católicos quisessem discutir com ele pessoalmente era humanamente impossível responder a todos.

Arrumada a questão da religião, voltamos à filosofia. Qualquer ser humano tem um conjunto de crenças básicas, ideias racionais ou seja o que for, que são imutáveis ao longo do tempo. Conjuntos de pessoas tendem a pensar da mesma maneira, constróem comunidades e colocam barreiras aos "hereges" ou aos que se pretendem iniciar na arte.

No caso específico da filosofia se eu enviasse um artigo para ser publicado no Crítica na Rede (o que não penso fazer, diga-se) existiam 99,9% de hipóteses de ser rejeitado. E porquê? Por razões muito simples: não tenho currículo académico na área da filosofia, demonstraria que não li a bibliografia básica, exprimiria as ideias de forma muito confusa, etc, etc. Tudo razões relevantes e ponderosas para o meu artigo ser rejeitado. O mesmo aconteceria se eu pedisse a adesão à Sociedade Portuguesa de Filosofia. Dir-me-iam: "Parente, desculpe lá, vc é uma personagem muito castiça, até é simpático e a quota até nos fazia jeito, mas não cumpre os requisitos básicos para ser nosso sócio". Se eu dissesse "alto! vamos lá discutir os estatutos da vossa sociedade e talvez modificá-los se eu vos demonstrar que a razão está do meu lado" alguém me daria atenção? Provavelmente pensariam "o Parente enlouqueceu" e fechavam-me discretamente a porta com receio que me tornasse violento (o que desde já posso afirmar que não sou).

O que eu quero dizer com tudo isto? Que quando abro a boca, toda a gente me manda ler a bibliografia básica. Até o Fernando Santos, se eu criticasse as suas opções básicas sobre a gestão do plantel do Benfica e a utilização do Mantorras na frente de ataque em vez daquele rapaz simpático e extremamente preocupado com o cabelo e que assina com o nome de Nuno Gomes, me diria "Parente, vc não percebe nada de táctica e estratégia, vá ler os manuais e tire um curso de treinador".

Concluo que ninguém quer discutir nada comigo porque não sou especialista em nada, excepto no meu campo profissional. É triste, porque isso reduz-me ao silêncio e eu até gosto de conversar.

Para terminar, deixe-me que lhe diga que a comunidade filosófica portuguesa tem uma dívida de gratidão para com o Desidério pelo tempo que ele passa a defender a sua arte e todos os que a praticam. Não podia deixar passar em claro este elogio público.

E, palavras finais: não abusou ao inteferir no diálogo, é bom que se alarguem e que se discutam pacificamente todas as questões.

Anónimo disse...

António,
Antes de tudo obrigado pela sua resposta.
O António chama a atenção para a edição do livro do Papa e refere que o entristece que se desconheça o que o Papa escreve e pensa, apesar de se poder discordar. Ora, isso foi precisamente o que o Desidério lhe disse: conhecer a bibliografia básica. Eu também poderia dizer ao António que me entristece ler o que escreve sobre filosofia porque não leu isto e aquilo (tome-o como um exemplo).
Em relação ao livro do Papa com argumentos filosóficos: um filósofo de qualidade admite fazer tábua rasa das suas crenças mais elementares se razões mais fortes estiverem em causa. Não consta que o Papa questione a natureza da fé em deus e se o faz é só para reforçar que ela é uma força e existe. E isso não é credível filosoficamente.Nem a filosofia se faz dentro das igrejas.
Abraço
Rolando A

António Parente disse...

Caro Rolando

Eu gosto de filosofia, como já deve saber se leu o meu comentário o Crítica da Rede, mas tenho limitações de tempo para me dedicar à bibliografia básica, tal como ela merece. Procurarei não comentar nos próximos tempos para não escandalizar ainda mais a comunidade filosófica.

Quanto ao Papa, tem de entender que todos nós na vida temos certezas, independentemente da possibilidade empírica de as confirmarmos, ou não.

Ler a bibliografia básica, debater qualquer assunto, não significa que se abdique das convicções. Tal como o Papa faz apologética das suas ideias, os filósofos também o fazem e a competitividade académica é de tal ordem que um filósofo abdicar das suas ideias, considerando que os seus pares se expressaram melhor, é meio caminho andado para uma carreira medíocre. Penso que na filosofia o pretendido é que se fale uma linguagem comum e que se respeite a autoridade e a tradição filosófica. Tal como na Igreja se exige o mesmo.

Sei que estou a cometer uma heresia ao colar a filosofia à religião, quando se pretende ligar a filosofia à ciência mas, neste momento, com a informação que disponho, é o que eu penso.

Abraço,

Anónimo disse...

Olá António,
Felicito-o pelo seu gosto em aprender filosofia. É positivo e é com agrado que leio as suas palavras e reconheço o seu interesse. Mas o que o António diz é falso. Um filósofo por rever as suas ideias não se torna mediocre, bem pelo contrário. Por essa razão é comum falar-se, só para tomar um exemplo, num primeiro Wittgenstein e num segundo Wittgenstein. Nem a comunidade filosófica menospreza um Descartes por ser acusado de ter cometido uma falácia de circularidade na forma como justifica a existência de deus. Aliás, Descartes é um filósofo muito estudado. Na filosofia, raciocinar com os argumentos filosóficos, implica que abandonemos as nossas convicções, ao contrário do que afirma. Por essa razão determinados livros de filósofos influenciam muito a vida das pessoas. Tome o exemplo de Peter Singer. Por apresentar argumentos racionalemente fortes, fez com que muita gente adoptasse posições muito diferentes quando pensa nos direitos morais dos animais não humanos.
Compara a filosofia com a religião no respeito pela autoridade, mas essa analogia é fraca, precisamente porque na filosofia não se respeita a autoridade somente por ser autoridade, caso contrário não se notariam progressos no saber e no conhecimento. A fé religiosa é irracional e, por essa razão, insustentável. É fé e acabou! Mas a filosofia é precisamente ser capaz de colocar em causa as nossas crenças mais básicas, não crenças em sentido religioso, mas em sentido proposicional. Platão, no diálogo Eutifron é isso que faz quando levanta a questão se uma coisa é má porque deus assim o determinou, ou é má independentemente das determinações divinas. A 1ª hipótese mostra-nos que, a ser assim, uma coisa ser má só o sabemos por critérios arbitrários. A hipótese 2 mostra-nos que, a ser assim, se uma coisa é má independentemente do que deus determina, então não precisamos de deus para pensar o bom e o mau, o bem e o mal. Ora bem, as religiões não fazem este tipo de exercício. Na filosofia não podemos de fazer aquilo que o António faz, partir de pressupostos fixos como "todos nós temos certezas". O que na filosofia fazemos é questionar as nossas certezas, com argumentos e razões. E a descoberta irreversível e que revela a filosofia tão apaixonante, é que rapidamente constatamos que as nossas convicções não passam disso mesmo: de convicções mal construídas, de preconceito e senso comum.
Para finalizar, para fazermos filosofia temos de ter a mente muito disponível para abandonar as nossas convicções e crenças. Não me posso por a discutir os argumentos sobre a existência de deus com o António, se o António não mostrar disponibilidade em aceitar argumentos racionalemente mais fortes que as suas crenças.
Eu tenho uma posição, mas com a dose certa, penso, de cepticismo: dê-me o António bons argumentos que o livro do Papa é filosoficamente relevante e estarei disponível a aceitar.
Saiu agora uma excelente introdução à filosofia. Em 280 páginas fica com uma ideia muito intuitiva sobre como se trabalha em filosofia. Nigel Warburton, elementos básicos de filosofia, Gradiva. Existe uma muito pequena, mas muito boa: Thomas Nagel, que quer dizer tudo isto?, Gradiva.
Não lhe levará muito tempo.
Até breve
Rolando Almeida

50 ANOS DE CIÊNCIA EM PORTUGAL: UM DEPOIMENTO PESSOAL

Meu artigo no último As Artes entre as Letras (no foto minha no Verão de 1975 quando participei no Youth Science Fortnight em Londres, estou...