É muito difícil articular uma resposta religiosa ao problema do sentido da vida, pelas mesmíssimas razões pelas quais é muito difícil articular uma resposta religiosa ao problema dos fundamentos da ética.
No diálogo Êutífron, de Platão, Sócrates pergunta ao defensor da teoria religiosa da fundamentação da ética, a teoria dos mandamentos divinos, se o bem moral é o que é porque os deuses o querem ou amam, ou se eles o querem ou amam porque é um bem.
A primeira alternativa é inaceitável porque torna o bem moral arbitrário: é absurdo pensar que a tortura e assassínio de inocentes seja um mal unicamente porque os deuses não gostam de tais atrocidades. Mesmo os filósofos religiosos, incluindo alguns filósofos cristãos da religião, como Swinburne, aceitam que a teoria dos mandamentos divinos é insustentável. Seria como defender que 4 é um número par porque os deuses omniscientes sabem disso, em vez de defender que os deuses, por serem omniscientes, sabem que 4 é um número par, mas que não é porque os deuses o sabem que 4 é par.
Resta a segunda alternativa, que admite que a fundamentação da ética não depende dos deuses. As verdades éticas são verdadeiras por razões intrínsecas, estabelecidas pelo raciocínio moral, e não porque um deus as declarou verdadeiras.
O mesmo acontece no que respeita ao sentido da vida. Defender que a vida tem sentido porque são os deuses que o determinam torna o sentido arbitrário. Tem de ser ao contrário: uma vida tem ou não sentido, por si; e, se os deuses forem benevolentes, querem que tenhamos essa vida, tal como querem que sejamos felizes.
Assim, se a vida tem sentido, Deus não lho pode tirar. E se não o tem, Deus não lho pode dar. Tal como se uma acção for virtuosa, Deus não pode torná-la vil; e se for vil, Deus não pode torná-la virtuosa. Logo, no que respeita ao sentido da vida, tal como no que respeita aos fundamentos da ética, Deus é uma hipótese desnecessária. O que não implica que não seja uma hipótese necessária noutros domínios.
sexta-feira, 13 de abril de 2007
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4 comentários:
No que concerne ao fundamento da moral cristã, a doutrina dominante faz
apelo, na esteira da filosofia aristotélica, à lei natural, segundo
à qual tudo o que existe obedece a uma ordem natural.À luz desta perspectiva todo o comportamento que se desvia da ordem natural é imoral.
Actualmente existe dificuldade em aceitar-se qualquer regra prescrita na natureza, quando o universo descobriu-se infinito e, nesse sentido, mudo, isto é, já não nos diz nada sobre o modo como havemos de conduzir a nossa vida.
No fundo, a teoria da lei natural redunda no mesmo erro que a teoria dos mandamentos divinos: a ordem natural teria de ser criada por um legislador divino e só no seio dessa ordem é que a vida humana adquiriria sentido.
Procuram-se novos fundamentos.
Boa noite Desidério:
Penso que o argumento que usou - do número par - ficaria mais claro se colocasse uma vírgula no fim:
"Seria como defender que 4 é um número par porque os deuses omniscientes sabem disso, em vez de defender que os deuses, por serem omniscientes, sabem que 4 é um número par, mas que não é porque os deuses o sabem, que 4 é par."
Não querendo ser arrogante (quem sou eu para o corrigir!), mas penso que ficaria mais claro de entender assim. Se eu estiver enganado, peço desculpa...
Atenciosamente,
José Oliveira
Tomar
Olá, Zé!
Obrigado pela ajuda! Contudo, dizemos "Não é porque faltou às aulas que reprovou", sem vírgula, não?
Viva Desidério:
Como não conheço muito de filosofia, a primeira vez que li o argumento, achei que era algo confuso.
Por essa razão fiz aquela sugestão: para que outras pessoas, que como eu, não são especialistas em filosofia, possam entender melhor o argumento.
Caso contrário, torna-se difícil - a meu ver - entender que o número 4 ser par é uma preposição verdadeira e portanto não sujeita a caprichos de ninguém.
Obviamente que é apenas a minha opinião pessoal, que só para mim tem valor...
Abraço,
José Oliveira
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