segunda-feira, 30 de abril de 2007

Vale a pena ler

Título: Aprender com as Coisas
Autor: Stéphane Ferret
Tradução: Francisco Oliveira
Editor: Asa, 2007

"Escusado será dizer que admiro os grandes historiadores da filosofia, do mesmo modo que admiro os grandes autores. O que contesto, sobretudo, é essa redução da actividade filosófica à actividade enciclopédica ou, melhor ainda, esse encantamento da actividade filosófica pela história da filosofia. Atrevo-me a dizer que os autores importam pouco, o mesmo se passa com a sua época, que a sua língua pouco interessa, que eles não são nada, face à realidade dos problemas. Quando colocamos os autores em primeiro lugar, como uma figura de proa, há fortes possibilidades que a síndroma da palavra de evangelho entre em acção. O efeito de sacralização que daí resulta parece-me relevar de uma piedade pueril, para não falar de dogmatismo cómico do género "guardião do templo"." (Stéphane Ferret)

11 comentários:

Miguel Pinto disse...

Este blogue é um dos meus thinking blogs. Obrigado pela sugestão, Desidério.

Desidério Murcho disse...

É uma das nossas preocupações: divulgar bons livros. Espero que goste!

Anónimo disse...

Apesar de também concordar com Stéphane Ferret, não deixo de admitir que este assunto é base de muita divergência entre filósofos, assim como a frase “Atrevo-me a dizer que os autores importam pouco”.
Por isso vou ter o atrevimento de deitar algumas achas para a fogueira e transcrever um excerto de uma entrevista efectuada por Fabrice Partaut (Prof. Do CNRS-Paris-1) a Michael Dummett (Filósofo Analítico Britânico que escreveu sobre história da filosofia analítica), que teve lugar em Oxford em 1992 e publicada na Disputatio 3, Nov.1997.

F.P. - Qual é o interesse filosófico de uma compreensão desse tipo, uma compreensão da história da filosofia analítica, para além do interesse histórico ou cultural em geral? A maioria dos filósofos analíticos acha que, do ponto de vista filosófico, é completamente irrelevante.

M.D. – Sim, mas olhe que no começo do Século, digamos na altura em que Husserl publicou as Investigações Lógicas, a fenomenologia ainda não existia enquanto escola. A filosofia analítica ainda não existia enquanto escola. Existiam várias correntes e várias pessoas teriam colocado Frege e Husserl muito próximos um do outro; e contudo o legado dos dois divergiu muitíssimo.…Outra coisa… é o facto de não percebermos realmente a relação entre Wittgenstein e o Círculo de Viena. Por causa do Tractatus. Esse é que é o livro. Wittgenstein tinha um profundo respeito por Frege. Mas o Tractatus é da Escola de Russell muito mais do que da escola de Frege… E depois teve um impacto enorme em pessoas completamente diferentes, num ambiente completamente diferente, em Viena. O que aconteceu ao certo? Qual era a relação entre Wittgenstein e estas pessoas? Não consigo perceber e parece-me que, quando conseguirmos, vamos aprender muito, não apenas do ponto de vista histórico mas também do ponto de vista filosófico.

Minha declaração de interesses: não sou filósofo. Sou um leigo em filosofia mas confesso que adoro polémicas filosóficas.

Fernando Dias

Joao Galamba disse...

Pois, falta-lhe o conceito de temporalidade. Gostava que este autor me explicasse o emergência do "cogito ergo sum" e de um certo conceito de subjectividade (e a objectividade que o acompanha) sem empreender uma interpretação histórica. Ou ele acha que os problemas "inventados" por descartes são intemporais ou podem ser inteligiveis sem atender ao seu contexto histórico específico?

Joao Galamba disse...

Será assim tão estapafúrdio sugerir que os problemas e os conceitos que criam novas formas de inteligibilidade têm uma história?

Anónimo disse...

Olá,
A história, aos historiadores.
A filosofia, aos filósofos.
Abraço
Rolando A.

Desidério Murcho disse...

Olá, João

O melhor mesmo é leres o livro. Mas o que dizes é compatível com o que afirma o autor. Os problemas filosóficos têm uma história, claro. Surgiram num certo tempo, de uma certa maneira, a uma certa pessoa, que reagiu de determinada maneira.

Mas isso é perfeitamente compatível com a força natural dos problemas filosóficos, que surgem mal nos pomos a pensar. O objectivo do autor é mostrar isso mesmo: que os problemas filosóficos têm uma força própria, ainda que tenham depois configurações históricas peculiares.

Joao Galamba disse...

Pois, mas é isso que eu rejeito. Platão não podia ser Rawls ou Descartes, simplesmente pensando. Ele teria de "pensar" toda uma nova maneira de se relacionar com o mundo. Basicamente ele teria de se encarregar de fazer o que tem uma origem histórica que possibilita novos problemas. É como diz o putnam: novos conceitos criam novos problemas e tornam possível novas verdades. Ora isto nega que a maioria dos problemas da filosofia são "naturais" (exceptuando questões de lógica, Aristóteles ou Platão teriam muita dificuldade em sequer tornar muito do que dizemos e fazemos inteligivel).

Isto para dizer que determinados problemas e formas de abordar as questões não têm uma relação contingente com a história (foram descobertos por x no ano y, but they were there all along...). A relação é constitutiva: eles só fazem sentido num determinado contexto histórico

Joao Galamba disse...

mas isto que eu defendo só faz sentido se aceitarmos um conceito de Verdade que escapa a teoria da verdade enquanto representação correcta da realidade. Tu aceitas esta teoria? O que pensas do conceito disclosivo de verdade (altheia)?

Anónimo disse...

Quero agradecer a João Galamba as suas intervenções, pois têm-me parecido fazer muito sentido. Os seus argumentos têm-me convencido.
Vale a pena assistir a debates com qualidade e elevação.
A boa polémica sempre fez bem à saúde.
Os cumprimentos são extensíveis obviamente a Desidério Murcho.

Fernando Dias

Anónimo disse...

Eu sou do tempo em que a Filosofia que se aprendia na escola era basicamente História da Filosofia. É verdade que a primeira não se reduz à segunda, mas o que hoje se ensina nas escolas mostra um ainda maior empobrecimento da disciplina. É que se dar autores transforma a Filosofia numa actividade enciclopédica, o que hoje em dia se verifica é a sua transformação numa actividade que se limita a definir conceitos. Hoje, um manual de Filosofia parece um dicionário, como se os conceitos em causa tivessem surgido do nada, e não tivessem nada de problemático ou de questionável.
O estudo dos autores não conduz necessariamente à sua sacralização. Permite é a contextualização dos problemas, assim como leva a que nos interroguemos acerca de certas matérias que de outra forma não se encarariam como problemáticas. Permite também perceber que determinadas respostas a certos problemas adquirem o seu sentido dentro de um determinado sistema ou perspectiva, o que a simples definição de um conceito não é capaz de revelar.
O ensino da Filosofia baseado em conceitos é, assim, mais propício ao «decoranço»: os alunos memorizam umas definições, e já está. Agora, se o seu estudo tivesse os autores como referência, eles teriam que mostrar que os compreenderam, e nessa medida que compreenderam os problemas que eles puseram assim como as respostas que deram. E isto pôe as pessoas a pensar, a relacionar e a confrontar ideias, e a questionar-se. Duvido que um dicionário consiga o mesmo efeito.

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