O projecto PISA, lançado em 1997 pela OCDE, visa monitorizar os resultados dos sistemas educativos, avaliando as competências e conhecimentos de alunos de 15 anos, nomeadamente as literacias matemática, científica e de leitura.
O primeiro ciclo do PISA decorreu em 2000 e envolveu 43 países, o PISA 2003 contou com a participação de 41 países, incluindo a totalidade dos membros da OCDE e o PISA 2006, cujos resultados serão conhecidos no final do ano, analisou estudantes de 57 países.
Os resultados nacionais foram desastrosos, verificando-se pouca ou nenhuma evolução no desempenho dos estudantes portugueses entre as duas edições. Corroborando o que tem escrito sobre o tema o Desidério, no relatório de 2000 (ficheiro pdf) é indicado que «O ambiente familiar aparece também como relevante para as aprendizagens dos alunos», situação que não se altera em 2003. Muito preocupante é o facto de que em 2003 Portugal ocupava o 27º lugar no que respeita às literacias científica e matemática . Diria que o ranking não se deve alterar significativamente em 2006, aliás diria que a alterar-se será para pior tendo em conta que o foco do novo PISA é a literacia científica e a ciência não foi exactamente bem tratada pelas últimas reformas no secundário.
Agravado cá no burgo pelas experiências educativas das últimas décadas, o panorama internacional no que respeita às literacias matemática e científica não é animador. Embora os números divirjam com os critérios utilizados, parece existir consenso que a literacia científica não é o forte dos americanos. De acordo com um estudo muito recente de Jon Miller da Michigan State University, que indica que neste capítulo os americanos vão à frente dos europeus por requererem que todos os estudantes universitários tenham disciplinas de ciências, quase três quartos dos americanos não consegue ler ou perceber a secção de ciência do New York Times, situando em 28% a fracção de literatos científicos neste país. Outros autores indicavam, em 2002, que esta percentagem não atingia 8% dos adultos, valor análogo ao que propunham para o Reino Unido.
De facto, embora hoje em dia ciência e tecnologia estejam de tal forma entrosadas que até se arranjou a sigla C&T para designar conjuntamente ambas, apenas a tecnologia conquistou o público em geral, a ciência e o pensamento científico não permearam a sociedade, mesmo nos países mais desenvolvidos. Não é assim de espantar que nas tecnologicamente avançadas sociedades ocidentais proliferem as pseudociências, a superstição, as crendices e o charlatanismo.
Para colmatar o défice de ciência, a Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAS) lançou um projecto ambicioso em 1985, o Projecto 2061, que visa educar cientificamente todos os cidadãos americanos, objectivo partilhado com, por exemplo, a Fundação para a Literacia Científica. Por cá, o Ciência Viva, com muito menos recursos, tenta a mesma proeza.
Assim, um dos grandes desafios actuais que todos os países enfrentam - porque os monstros que o sono da razão pode produzir são muitos e mais aterradores que os que assombravam Goya - é a divulgação e a compreensão pública da ciência. Algo que diz respeito aos próprios cientistas, mas passa, também, pelo jornalismo científico.
Mas considero igualmente importante reflectir porque razão se encontra a sociedade em geral tão divorciada da ciência. Porque razão o papel fulcral que a ciência desempenha no quotidiano é tão negligenciado e porque razão a ciência só mobiliza a opinião pública quando a investigação ou novas aplicações de ciência colidem com a religião (p.e., fertilização in vitro ou investigação em células estaminais) ou geram alarmismo. Por exemplo, o evolucionismo tem quase 150 anos. É a pedra basilar de todas as ciências da vida mas continua a não ser aceite por demasiadas pessoas, que contrapõem absurdos criacionismos sortidos à evolução.
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6 comentários:
Palmira,
A literacia científica começa precisamente com as políticas educativas que temos. Sou professor do secundário e o aluno médio estuda somente para ter uma profissão razoavelmente bem remunerada, nada mais. Esta cultura é ensinada pelos mais velhos e pela própria escola. Muitos colegas meus defendem o fim dos exames com o mesmo argumento que o ministério. É um momento único que não serve para avaliar um aluno. E se assim fosse, o problema resolvia-se com mais exames, no final de cada ciclo, não com a extinção. Imaginemos que um clube de futebol terminaria a sua existência porque perdeu um jogo, quando o que está em jogo é o campeonato. Por outro lado as disciplinas são esvaziadas de conteúdos científicos precisos e cultiva-se a mentira e a observação quase mágica. Já trabalhei no ensino profissional e nas grelhas de avaliação, quase sempre, nunca aparece um item de avaliação que se refira a conteúdos científicos e conhecimentos específicos. Só se avaliam competências assentes em critérios completamente subjectivos, tais como: “o aluno adaptou-se bem”, “o aluno é colaborador”, “ o aluno integra as aprendizagens” e cagadas afins… Aquilo que deveria aparecer como consequência do trabalho e esforço, as atitudes, aparece como o principal a avaliar. Nestas condições, o ciclo tende a repetir-se e aluno aprende facilmente a ser um preguiçoso mentiroso que só dá a cara para dizer que o professor é injusto porque lhe deu um 16 de nota final e não um 17. Nestas condições todo o processo de avaliação é uma fraude onde tudo cabe porque tudo é permeável a subjectividades, a discussões sem fim. A consequência disto é que as pessoas apercebem-se que a escola é uma perda de tempo e não vale a pena lá ir. Aprendem mais com a própria vida e a escola só serve para ter os certificados para dar lugar a um qualquer emprego. Se a escola não ensina o esforço, para que vale a pena lá ir? Para nada! Muitas pessoas que se ficam pelo secundário conseguem ser mais produtivas do que muitos licenciados, somente porque o tempo que se dedicaram à preguiça foi menor.
O discurso que temos na escola no nosso mundo é o discurso científico e racional, ou deveria ser. E esse é que educa para o esforço e para o rigor. Esquecer isto é hipotecar todo o papel da escola e da educação. E esta é a situação que gozamos em Portugal.
Para terminar gostaria de indicar mais uma do ministério da educação: agora o aluno que termina o 12º ano e não pretende seguir o ensino superior, pode fazer um exame de escola equivalente a exame nacional. Ora bem, o ME nunca explicou porque é que existe esta opção. A resposta é uma vergonha: porque se parte do princípio que os professores nas escolas vão fazer um exame mais fácil e o aluno passa com mais facilidade. É nada mais nada menos que um fechar de olhos e tapar o sol com a peneira.
Nesta realidade, não é de espantar os valores apresentados no seu post.
Abraço
Rolando Almeida
Uma enorme salva de palmas ao post e ao comentário!
As situações denunciadas são a legenda da foto de família da nossa sociedade.
artur figueiredo
Sintomática, a notícia desta semana sobre o insucesso escolar: enquanto o "sucesso" das políticas educativas se medir pelo "sucesso escolar" em vez de se medir pelo nível de conhecimentos de quem tem sucesso escolar, estamos mal e caminhamos para pior.
De todo o modo, a comunidade científica portuguesa não ajuda. Não torna acessível o que é infinitamente complicado para quem não domina as matérias. Veja-se o exemplo do post abaixo "Grandes Erros 5". Numa comunidade com medo de errar só se produz asneiras. De facto quando a razão adormece...
Abordando este assunto por outros ângulos, direi que a análise efectuada por Palmira F. da Silva pode ter caído em algumas armadilhas, se quisermos retirar do seu artigo conclusões para causas e razões.
Está por provar que haja hoje menos compreensão ou impregnação pública científica, do que havia há 50 anos, sobretudo em Portugal e restantes países do que se costuma chamar “hemisfério ocidental”. Mas mesmo que fosse verdade, faltaria provar que tinham sido essas as causas do recrudescimento e proliferação das pseudociências e crendices. Tem havido menos divulgação científica? A Gradiva e Guilherme Valente que o diga. E é aqui que reside o paradoxo, pois se há área em que tenha havido investimento e esperança tem sido a área da ciência, até para desconsolo de alguns. Mas os desconsolados sempre estiveram em minoria. É certo que esta minoria parece estar a aumentar, mas porquê? E é a este porquê que não encontramos respostas fáceis.
Admito que actualmente se verifica nas pessoas em geral, e nos jovens em particular, um panorama preocupante quanto às suas capacidades e competências conceptuais para interpretar o mundo. Mas é excessivo pensar que é quanto basta e é o único genuíno (o conhecimento científico) para a compreensão da complexidade humana e do mundo. Não é utilizando apenas os “métodos científicos” que conhecemos e compreendemos o mundo. As teorias das diversas ciências naturais não descrevem nem explicam tudo o que é descritível e explicável, nem pretendem fazê-lo. Não há ninguém que acredite que “A Revolução de Abril de 74” possa ser explicada pela Física ou Biologia, ou que lhes seja redutível. Há explicações que não têm de ser científicas nem teóricas. Nada indica que certas formas erradas de pensamento ou certas confusões conceptuais tenham de ser corrigidas exclusivamente por modelos matemáticos ou ditos “científico-naturais”, em vez de por boa Filosofia. Aqui é que bate o ponto. E isto sem estar a falar estritamente da compreensão de fenómenos estéticos. Nada leva a pressupor que não há lições a retirar, para um melhor conhecimento do mundo e compreensão humana, de um quadro de Goya, ou dos livros de António Lobo Antunes, Gonçalo Tavares ou José Luís Peixoto.
Duvido que se consiga compreender o que é que se está a passar (seja o que for o que isto queira dizer), se reduzirmos as explicações apenas a modelos científicos (independentemente dos equívocos que possam haver com a utilização do conceito “científico”). Compreender e explicar não são a mesma coisa…
Fernando Dias
Fernando Dias:
Este post terá uma continuação que será a tal reflexão :-)
De qualquer forma acho que baralhou algumas coisas. Este post aborda exclusivamente a literacia cientifica (e matemática). Não pretendo de forma alguma dizer que a ciência «é quanto basta e é o único genuíno (o conhecimento científico) para a compreensão da complexidade humana e do mundo.»
Mas se quiser explicar, por exemplo, como funciona um leitor de DVD ou CD, tenho de o fazer com base na ciência. Por muito que goste de Goya não consigo usar qualquer dos Caprichos para o fazer...
«Não há ninguém que acredite que “A Revolução de Abril de 74” possa ser explicada pela Física ou Biologia, ou que lhes seja redutível.» — Fernando Dias
Contudo, a Revolução pode ser explicada com base em fenómenos socio-económicos e culturais que são abordados pela Psicologia [Social] e pela Economia, entre demais ramos académicos. Eu contrario o Fernando e assumo que a análise desse tema seria redutível a ciência.
Certamente, a nossa maior limitação, enquanto alunos, é a capacidade de abstracção. Acredito que seja difícil para muitos de nós dissecar um episódio histórico como o “25 de Abril” em elementos de análise científica — que implicam sempre uma abrangência que transcede a Matemática ou a Física, obviamente — e essa dissecação constitui a abstracção.
A mim custa-me efectuar [acreditar em] essa abstracção porque não detenho os conhecimentos e o rigor sobre a análise histórica, social, cultural, económica, etc. do evento. Não obstante, se quisermos compreender as suas causas e implicações e ainda aprender a usar esse conhecimento para construir o futuro [e o propósito], então precisamos de analisar os factos com base no método científico.
Pode parecer uma divagação, mas podemos constatar a necessidade deste método no dia-a-dia. Vejamos uma conversa de café sobre política — dois indivíduos argumentam as medidas de flexisegurança do Governo. Um baseia-se em conhecimentos de economia, ciência política e psicologia para apontar as falhas da medida, enquanto o outro recorre às suas vivências e a alguma filosofia [perdoem-me o sarcasmo]. Qual terá uma melhor perspectiva sobre a aplicação deste modelo? Concluiremos, pela análise dos documentos do governo, que nenhum o seria capaz de fazer porque o próprio conceito de flexisegurança prescinde de uma concepção objectiva que considere a realidade económica e social — limita-se a criar mecanismos de defesa dos quais determinada classe social se apropria pela subjectividade (e deixa, dessa forma, a oposição a especular sobre os efeitos nefastos, pois não os pode demonstrar empiricamente).
Meus amigos, se educarmos os portugueses e lhes proporcionamos ferramentas que permitam efectuar a tal análise, então o modelo de Governação como hoje existe não faria sentido — Salazar tinha razão: “Um povo culto é ingovernável”. :D
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