quinta-feira, 19 de abril de 2007
Um professor deve ensinar todas as disciplinas até ao 6.º ano?
Atendendo à sua relevância, publicamos um artigo de Luísa Araújo (Professora de Ciências de Educação), que saiu no "Público" de 28/3/2007.
O ritmo com que o Ministério da Educação anuncia medidas atrás de medidas tem um efeito curioso: ninguém discute as implicações que cada uma delas e todas elas, no seu conjunto, podem ter no nosso sistema educativo. Uma das últimas medidas anunciadas consistiu em aproveitar o tratado de Bolonha para organizar a formação de professores de modo a que a habilitação ou profissionalização abranja o 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Quer isto dizer que um mesmo professor vai passar a poder ensinar todas as disciplinas nucleares - Língua Portuguesa, Matemática, Estudo do Meio/História, e Ciências - desde o 1.º até ao 6.º ano de escolaridade.
A discussão sobre se a formação de professores ao nível do ensino básico deve ser generalista ou, ao invés, especializada tem lugar nas Ciências da Educação. Alguns académicos defendem que uma profissionalização generalista nos primeiros anos é melhor porque garante a interdisciplinaridade e um acompanhamento mais personalizado da criança. Outros argumentam que a especialização numa determinada área do conhecimento proporciona aos professores o conhecimento mais profundo necessário para melhor ensinar e, portanto, para os alunos aprenderem melhor. Alguns estudos, nomeadamente o Third Internacional Math and Science Study (TIMMS), recolheram informações sobre a formação - especialista ou generalista - dos professores dos vários países participantes. Com base nos resultados de alunos do 4.º ano, tanto em Matemática como em Ciências, não foi possível concluir qual era o tipo de formação associada ao melhor ou pior desempenho dos alunos. No entanto, dados compilados pelo Centro de Investigação da Universidade de Glasgow revelam que, na maioria dos países da Europa, a formação de professores para o 5.º e o 6.º anos é especializada e que, mesmo em anos anteriores, uma formação especializada é comum. A natureza desta especialização e o ano em que começa é distinta de país para país.
Por exemplo, em França, Inglaterra e República Checa, os alunos começam a ter professores diferentes para diferentes disciplinas no 6.º ano. Nos países em que a formação generalista domina até ao 6.º ano, há um outro tipo de especialização: o mesmo professor ensina todas as disciplinas apenas durante dois anos. Ou seja, em vez de acompanhar a mesma turma durante quatro ou seis anos, o professor acompanha os alunos apenas durante dois anos. Na prática, o que acontece é que o professor se especializa no ensino dos dois primeiros anos ou no terceiro e quarto. O modelo finlandês funciona assim, com uma particularidade importante. A formação dos professores generalistas até ao 6.º ano contempla um plano curricular com uma concentração ou um major, como é designado nos EUA. Durante a sua formação, os candidatos a professores têm de completar um curso de estudos que pode concentrar-se numa área disciplinar como a Matemática ou em matérias científicas e pedagógicas consideradas essenciais para se especializar, por exemplo, nos dois primeiros anos de ensino.
No caso finlandês, o país com melhor desempenho em testes internacionais, o facto de os professores se especializarem nos dois primeiros anos de escolaridade pode ter um impacto muito positivo, pois a iniciação à leitura e à escrita é a área principal a privilegiar. Como resumiu um dos cientistas participantes no último painel sobre o ensino da leitura nos Estados Unidos, ensinar a ler é uma ciência complexa! No caso dos Estados Unidos é típico haver uma coadjuvação por áreas a partir do quinto ano, com um professor a ensinar língua materna e História ou Ciências Sociais e outro a ensinar Matemática e Ciências.
Assim, mesmo em modelos menos especializados por disciplinas ou áreas curriculares, existe especialização, pois, quando um professor generalista ensina todas ou quase todas as disciplinas durante um ou dois anos, ele acaba por se tornar efectivamente num especialista nesses anos. Esta prática permite-lhe acumular um conhecimento curricular e uma experiência pedagógica específica que seria muito mais difícil de atingir se acompanhasse os alunos durante quatro ou seis anos. Com efeito, não só o professor tem a oportunidade de se especializar durante a sua formação, como se vai especializando ao longo da sua carreira, pois ensina os mesmos anos durante um período de tempo longo. E, como seria de esperar, vários estudos mostram que um dos factores que mais influenciam o sucesso escolar dos alunos é a experiência do professor. Em geral, um professor consegue melhores resultados à medida que se torna mais experiente.
Os dados são inequívocos. Primeiro, não se pode concluir que uma formação generalista contribua para acabar ou sequer mitigar o insucesso escolar. Segundo, vários países com muito melhor desempenho escolar que Portugal, entre eles a Finlândia, privilegiam a especialização tanto por anos de ensino como por disciplinas. Em Portugal, um modelo de formação de professores generalista que mantém o acompanhamento dos alunos por quatro ou seis anos sem delinear uma área de estudos especializada constitui um potencial agravamento do desastre que já é o nosso sistema de ensino.
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9 comentários:
Conceber a educação somente com o critério de poupar dinheiro vai ter resultados desastrosos.
Em vez de se apostar em formar bons professores, com competência para ensinar um determinada área, o Ministério opta por poupar dinheiro, sacrificando o futuro de milhares de jovens.
Em vez de se investir em trazer as boas práticas dos outros países, traduzir bons livros sobre educação e promover uma verdadeira formação e um acompanhamento sério do trabalho dos professores, só se quer poupar dinheiro de uma forma, no mínimo perigosa...
Também tenho muitas dúvidas que o novo modelo que aí vem se vá reflectir num maior sucesso dos alunos. Acho que deve haver uma especialização para ensinar a ler e a escrever, tenho dúvidas que uma formação generalista seja melhor do que a actual. Não quero ser maldizente mas tenho notado que os meus colegas mais jovens que se formaram nas ESes com variante em matemática e ciências têm uma formação e uma cultura deficientes.Isso faz-me recear quanto ao futuro.
Com muitos ou com poucos professores, o que tem de ser reduzido é o número de matérias ensinadas.
Os meus filhos (3º e 5º ano) têm disciplinas que nem eu sei para que é que servem. No entanto, não sabem escrever nem sabem fazer contas. Preocupado, fui comparar com os colegas do mesmo ano na mesma e em outras escolas e está tudo para o mesmo.
Não há dúvida que aprendem coisas muito interessantes. Todos sabem do aquecimento global, falando com mais certeza do que qualquer cientista, focaram a União Europeia, a Guerra do Iraque, a co-incineração e mais assuntos muito actuais.
As contitas e a ortografia é que....
Estamos a construir a casa pelo telhado.
Na escola primária, as crianças só deviam aprender duas coisas: português e matemática. Mas aprendê-las a sério. Acabar a quarta classe a saber escrever sem dar erros, dividir uma frase em orações, perceber a gramática fundamental e somar, subtrair, multiplicar e dividir qualquer conta que lhes ponham à drente. Interpretar um problema simples, decompô-lo nas operações e resolver as contas. Não preciso que a minha filha me explique o aquecimento global se ela não tem sequer o conceito de uma média de temperaturas, quanto mais propagação de radiação UV e IV.
No segundo ciclo (anos 5-6), juntava-se uma ou duas disciplinas de humanísticas (história e língua estrangeira, por exemplo) e uma ou duas disciplinas de ciências (ciências da natureza e geografia, p.ex.) Assim, com um máximo de 6 disciplinas, o aluno teria tempo de assimilar os conceitos básicos, em vez de andar a perder tempo com EVT, AP, TIC e outras siglas medonhas de onde os alunos não aproveitam rigorosamente nada (teoricamente, a minha filha tem 4 anos de computadores, na prática, não sabe usar mais do que o messenger e o browser).
Estaríamos assim a construir uma pirâmide de conhecimentos consolidada:
Matemática e português numa base alargada, depois as ciências naturais e sociais mais básicas num segundo nível.
Depois, no terceiro ciclo, já se poderia começar a apelar a conceitos mais abstractos, mas não dados no ar, como até aqui. Agora, alicercados nos bons conhecimentos de base dos dois níveis anteriores. Aqui já poderia começar a haver uma físico-química, uma biologia, uma geometria, uma história universal, até mesmo um pouco de política internacional. Escusado será dizer que as bases (matemática e português teriam sempre continuado para o segundo e terceiro níveis. E as básicas do segundo nível ter-se-iam desdobrado nas disciplinas um pouco mais específicas do terceiro nível.
Assim, ao concluir um nono ano, o aluno teria bons alicerces, a partir dos quais poderia construir uma boa carreira de índole mais académica ou mais tecnológica.
Nem todos temos de ser doutores e engenheiros. E forçar os que não estão fadados a estudar a continuar a estudar no 10º e 11º matérias que só interessam a quem vai prosseguir estudos é um disparate.
O país precisa mais de bons electricistas, canalizadores, torneiros mecânicos, soldadores, pedreiros, etc. do que de engenheiros e advogados (não é que estes também não façam falta). Todas as empresas se queixam que só conseguem contratar pessoas sem formação específica ou então com uma licenciatura, mestrado ou doutoramento.
Assim, o 4º ciclo (10-12) deverá ter uma clara separação de águas. Aqueles que vão aprender uma profissão com procura no mercado de emprego (e com 3 anos de formação podem formar-se excelentes operários, informáticos, secretários, tradutores, etc). e aqueles que pretendem seguir uma formação universitária.
Com estes últimos, deixemo-nos de caldos de galinha. Do 10º ao 12º tem de ser a doer. Ninguém deveria poder entrar num curso de engenharia sem saber integrar e diferenciar de olhos fechados, conhecer álgebra de matrizes e ter bons fundamentos de física e de química. Não sendo a minha área, não falo dos outros cursos, mas em cada um deles deveria haver um igual nível de exigência na admissão. Já não se andaria a marcar passo por causa dos alunos que não têm vocação para estudar e estão ali só para travar os outros. Não há que ter contemplações com o insucesso do aluno. Se ele não consegue acompanhar, está muito a tempo de reequacionar as suas opções e ir para um curso de pendor mais prático.
O país ganhava numa mão de obra técnica preparada para conseguir um emprego à saída da escola e as universidades não tinham mais de aceitar a escolha lastimável de alunos que todos os anos lhes bate à porta.
Havia muito mais para dizer, mas estas são as ideias chave.
É pena que os Srs pedagogos do Ministério da Educação não conheçam este Blog ( e outros semelhantes), não façam ou mandem fazer uma real e profunda investigação que os levem a considerar a hipótese de parar e verificar os motivos reais que levaram o ensino a este estado lamentável.
Temos os alunos totalmente dispersos e desnorteados... no 7º e 8º anos de escolaridade têm 15 disciplinas (!!!) ou 16 se, optarem também,por Religião e Moral. E no 9ºano têm, apenas, menos 1 disciplina, ou seja pelo menos têm 14 disciplinas!!!
Depois espanta-se o país com o desaire!!!
É apenas a confirmação da teoria da inclusão no ensino da exclusão das massas... até os filhos das elites se vêem aflitos para conseguir o sucesso efectivo.
É deveras preocupante o rumo que levamos... não sei o que se passará quando, finalmente, alcançarmos o caos absoluto!
Será que não há ninguém de bom senso nos gabinetes do poder?
Que geração temos nós a governar-nos?
Saberão eles para onde nos levam?
Já antevia Fernando Pessoa:
"Perdido resta o derradeiro inferno
Do tédio intérmino, esse de já não
Nem aspirar a ter aspiração".
Sou professora há 20 anos e sinto-me impotentemente amordaçada no pensamento de sonhar um futuro para o nosso ensino...
Eu sei que o tema é mais vasto. Mas podem ter a certeza que com este blogue estão a ensinar.
O novo modelo traz formação em mais áreas, com a consequente redução do número de horas de formação em cada área, relativamente à situação actual.
Podem estes professores, com menor formação, transmitir conhecimentos de maior qualidade?
A resposta é não!!!
Totalmente a favor da monodocência! Um professor para ensinar tudo, assim é que devia ser! Tomem o exemplo do sr. prof. doutor Morais que leccionou 4 disciplinas ao "eng." Sócrates. O sucesso do 1º-ministro não atestará as virtudes do modelo? Claro que sim!
Eu concordo com as dúvidas levantadas pela Luísa Araújo em relação à ideia da monodocência continuada. Parece-me que se está a prosseguir no caminho já trilhado de infantilização do ensino. É como se a escola primária estivesse em expansão. Até onde? Até quando?
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