sábado, 21 de abril de 2007
Mistura completa e multiculturalismo
A Holanda ou o Reino Unido são exemplos de um certo multiculturalismo de Estado, em ambos os casos sucessor histórico do multiconfessionalismo - que não se deve confundir com liberdade de religião e muito menos com laicidade. No Reino Unido, por exemplo, predominam as escolas confessionais que garantem o não entrosamento das comunidades «religiosas»; a Holanda, encarada como o paradigma da tolerância, da liberdade de opinião e de expressão, do respeito pelas especificidades culturais e religiosas, viu esses paradigmas ruirem em Novembro de 2004 com o assassínio de Theo van Gogh.
No caso concreto do Canadá, até muito recentemente existiam tribunais arbitrais religiosos, cristãos e judaicos, situação que só foi alterada quando os mais fundamentalistas da comunidade islâmica reinvidicaram tribunais da Sharia - e a punição dos «apóstatas» que preferissem seguir a lei canadiana em vez da Sharia. De acordo com a Sharia, a punição para a apostasia é a pena de morte...
Como afirmou na altura Fatima Houda-Pépin, deputada pelo Québec - que rejeitou liminarmente a iniciativa -, «a aplicação da Sharia no Canadá faz parte da mesma estratégia que pretende isolar a comunidade muçulmana por forma a submetê-la a uma visão arcaica do Islão». Os opositores dos tribunais da Sharia foram na altura apelidados de cruzados e anunciadores do Apocalipse por muitos. Mas nenhum estado de direito democrático pode permitir que, dentro do seu ordenamento jurídico, vigore um outro ordenamento jurídico que tenha por base o confessionalismo. A introdução de tribunais que aplicam a lei de qualquer religião, para além de violarem claramente a laicidade que deveria reger os estados modernos, é uma quebra do princípio da igualdade dos cidadãos perante a justiça.
Num aparente paradoxo começa a surgir abertamente um pouco por toda a Europa uma direita (mais religiosa ou mais identitária-nacionalista, consoante os casos) que advoga este multiculturalismo étnico-religioso. Diria que advoga a pressão identitária e dá rédea livre a mulás sortidos que a tentam instrumentalizar porque assim se mantêm igualmente não só o status quo como preconceitos e estereótipos que permitem mais facilmente excluir os «indesejáveis».
Não é assim de espantar que este discurso na vertente religião tenha surgido como tema na campanha eleitoral para as presidenciais francesas, especialmente por parte do católico Nicolas Sarcozy. Aliás, ao assumir a pasta do Interior em 2002, Sarcozy defendeu no livro-entrevista «A República, Religiões e Esperança» o financiamento público dos cultos. Vale pena a ler as questões a Sarcozy colocadas pelo filósofo francês Henri Peña-Ruiz, em especial a quinta pergunta.
Interrogo-me se Sarkozy não se apercebe que isolar ainda mais as comunidades «religiosas», deixando-lhes apenas a religião - e o fanatismo religioso - como alternativa a um quotidiano insuportável e sem esperança, redundará no exarcerbar da violência desencadeada pelo isolamento étnico magistralmente descrita no filme «O Ódio» (La Haine), de Mathieu Kassovitz. Sarcozy, defensor intransigente da «tolerância zero», que foi o verdadeiro detonador dos distúrbios na periferia de Paris em finais de 2005 quando classificou de «lixo», «escória» e «ralé» os jovens (inicialmente maioritariamente muçulmanos) que protestavam a morte dos dois adolescentes electrocutados e quando a polícia sob seu comando lançou pelo menos uma granada de gás lacrimogéneo para dentro de uma mesquita.
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5 comentários:
Excelente post.
Sarkosy est um político perverso, como muitos políticos, enquanto deixa as comunidades de origem magrebina, que não são muçulmanas puras e duras como chegou a ser noticiado aqui pelo rectângulo, nas suas dificuldades de integração e sem as respostas que o estado francês deveria dar, e anda, já algum tempo, a passar a mão pelo pelo de todas as comunidades religiosas, incluindo a comunidade muçulmana, e, até, a igreja de cientologia, denunciada em França como uma seita preocupante, só com o fim de recolher o maior número de votos.
Dois posts fabulosos. Concordo totalmente com a análise.
Logo à noite veremos o que acontece em França. O Sarcozy passa quase de certeza, resta ver se passa a Sególene ou o Bayou. Eu gostava muito que passasse a Sególene mas as sondagens indicam que não tem hipóteses numa segunda volta. A França é ainda um país muito machista. Por isso, estou a torcer pelo Bayou.
A propósito do machismo em França, comprei o livro que a Palmira recomendou uma vez no DA, o Todos os homens são iguais... mesmo as mulheres da Isabelle Alonso e adorei. Muito obrigado pela recomendação.
Cara Palmira
A ext direita que começa a ressurgir por toda a Europa não é multicultural. É monocultural. Pretende a hegemonia cultural e a supressão da diversidade.
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