Acreditar em algo com base na fé é acreditar em algo sem ter razões que estabeleçam a sua verdade. Ao caracterizar a fé, S. Tomás de Aquino (1225–1274) contrastou-a com a mera crença sem conhecimento, por um lado, e com o conhecimento, por outro. A fé é semelhante à mera crença sem conhecimento porque em ambos os casos não há razões que estabeleçam a verdade daquilo que acreditamos. Mas a fé é também semelhante ao conhecimento porque envolve uma convicção muito forte da nossa parte.
Por exemplo, só podemos acreditar que o Futebol Clube do Porto ganhou o jogo com base na fé se não soubermos que isso aconteceu. Se soubermos que ganhou é porque temos provas disso e, portanto, não podemos ter fé.
Mas acreditar em algo com base na fé não é apenas acreditar em algo sem razões. Ter fé em algo implica também um elevado grau de convicção. Por exemplo, acreditar que Deus existe com base na fé é ter uma convicção praticamente inabalável na sua existência. Nesse aspecto, ter fé em algo envolve uma forte convicção, semelhante à convicção que sentimos quando sabemos que, por exemplo, o Porto é uma cidade portuguesa.
Assim, a fé é uma crença com elevado grau de convicção na verdade de uma afirmação, sem razões que estabeleçam a verdade dessa convicção.
Segundo a análise clássica de conhecimento há três condições necessárias para que um determinado conteúdo seja conhecimento: 1) tem de ser uma crença, 2) essa crença tem de ser verdadeira, e 3) tem de estar justificada. Em filosofia, usa-se o termo “crença” não como sinónimo de “crença religiosa”, mas para falar de seja o que for que um agente cognitivo considera que é verdade, tenha ou não justificações fortes para isso e seja ou não realmente verdade.
Assim, tanto a fé como o conhecimento são tipos diferentes de crença. Mas, como vimos, a fé exclui o conhecimento, no sentido em que não é possível ter fé naquilo que conhecemos. Assim, as seguintes proposições, representadas também no gráfico, esclarecem o conceito de fé, relacionando-a com a crença e o conhecimento:
— Se alguém sabe algo, essa pessoa acredita nisso. Mas pode-se acreditar em algo que não se sabe.
— Se alguém tem fé em algo, essa pessoa acredita nisso. Mas pode-se acreditar em algo sem ter fé.
— Se alguém tem fé em algo, essa pessoa não sabe isso. Logo, se alguém sabe algo, não pode ter fé nisso.
A fé é entendida por filósofos crentes, como S. Tomás, como uma fonte de verdade, a par da razão. A razão produz um conhecimento da verdade, recorrendo a provas e argumentos; a fé produz uma forte convicção na verdade mas sem conhecimento.
Diz-se por vezes que a fé e a razão são duas fontes diferentes de conhecimento, mas o que se quer dizer é que a fé e a razão são dois modos diferentes de chegar à verdade.
S. Tomás defendia que tinha estabelecido por via racional a existência de Deus, nomeadamente através dos seus cinco argumentos a favor da existência de Deus. Por isso, defendia que sabia que Deus existia. Logo, tinha de aceitar que não tinha nem podia ter fé que Deus existe.
Contudo, a fé continua a ser importante, segundo S. Tomás, por duas razões. Por um lado, a generalidade dos crentes não conhece nem compreende os argumentos a favor da existência de Deus que S. Tomás conhece; tem de aceitar que Deus existe pela fé na própria Igreja. Por outro lado, a razão não permite saber toda a verdade sobre Deus. Por exemplo, podemos saber que Deus existe, mas não que é trino (que é Pai, Filho e Espírito Santo). A fonte destas verdades não é a razão mas sim a fé.
Há harmonia ou conflito entre a razão e a fé? Há dois tipos de respostas a este problema: o fideísmo, na versão mais radical de Søren Kierkegaard (1813-1855), ou nas versões mais moderadas de William James (1842-1910) e Blaise Pascal (1623-1662); e a teologia natural, defendida por autores como Tomás de Aquino. O fideísta radical defende que a razão e a fé nos dão conclusões opostas sobre a existência de Deus, mas tanto pior para a razão: a fé é que conta. O fideísta moderado defende que a razão não dá uma resposta conclusiva quanto à existência de Deus, pelo que podemos aceitá-la por fé apenas. E os teólogos naturais, como Tomás de Aquino, defendem que há total harmonia entre razão e fé, podendo a razão provar que Deus existe, mas não outros aspectos da natureza de Deus, como vimos. A posição simétrica ao fideísmo é o ateísmo: dado que a razão não permite concluir que Deus existe, tanto pior para a fé.
sábado, 28 de abril de 2007
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28 comentários:
Os budistas dizem que apenas aceitam certas verdade acerca da realidade baseada em provas e em argumentos. Eles consideram que a sua própria experiência meditativa (uma espécie de interdependência da consciência e do mundo) constitui prova argumentativa. Equiparam esta experiência às experiências de pensamento científico, que são irrefutáveis no plano conceptual, mesmo que não possam ser experimentadas na realidade física (cosmogonias através das teorias da relatividade e física quântica).
Os budistas não aceitam a fé como modo de chegar à verdade. Estão sempre de sobreaviso contra uma fé cega e dogmática. Não se trata de CRER no que o Buda dise mas de SABER através dea experiência pessoal fundada na análise introspectiva. São levados a compreender que o “eu” não é senão a reificação sem fundamento de um conjunto de interconexões dinâmicas, transitórias e impossóveis de apreender.
Como se sabe, para os budistas, a existência de deus não faz sentido.
Fernando Dias
Como se deve perguntar: quem é Deus, ou, o que é Deus?
lenor
Que excelente artigo!
Muito esclarecedor.
Viva!
«Acreditar em algo com base na fé é acreditar em algo sem ter razões que estabeleçam a sua verdade»
Julgo que esta definição é demasiado simples. Alguém pode estar na posse de razões para acreditar justificadamente que P e não as usar convenientemente ou não ter acesso a elas. Será que se pode então dizer que a pessoa tem fé em P e que não sabe que P? Tenho sérias dúvidas. E isto não é um ponto de pormenor, mas sim algo que tem vindo a afligir recorrentemente os teóricos do conhecimento.
«(...) a fé é também semelhante ao conhecimento porque envolve uma convicção muito forte da nossa parte»
Discordo. Ter uma atitude de crença para com P não basta para que essa atitude seja semelhante ao conhecimento, nem sequer na forma. Há plausivelmente casos de conhecimento que não envolvem sequer atitudes: o caso dos savants idiotas que sabem o número exacto de fósforos numa caixa sem sequer terem uma atitude para com a proposição que é alvo da crença, ou a coisa indicada pela proposição. Acho, portanto, que isto não pega lá muito bem.
«(..) acreditar que Deus existe com base na fé é ter uma convicção praticamente inabalável na sua existência»
Não vejo, sinceramente, como é que acreditar em Deus com base na fé exige uma “convicção inabalável na sua existência”. Julgo que há aqui um claro non sequitur. É possível acreditar em Deus com base na fé e não estar convicto de um modo inabalável. Por exemplo, há filósofos bastante racionais que acreditam não justificadamente em Deus (sem terem qualquer razão suficientemente forte para justificar a sua crença) e que não estão convictos de modo inabalável na Sua existência. Eles têm uma forma moderada de fé.
E, confesso, esta radicalização da fé que o artigo faz não me parece nada saudável, para mais por o artigo ser direccionado para alunos do secundário com ideias muito fracas sobre o assunto. Querendo explicar o que é fé, o artigo deixa a entender que a fé é uma coisa intrinsecamente má, o que me parece falso. O ponto – dissimulado, que se lê nas entrelinhas – do artigo é o de que se é crença não justificada então é má. Mas isto é falso, como mostrarei no final. Isto só é verdadeiro para certos contextos em que exigência de crença fortemente justificada é uma necessidade epistémica e/ou racional do contexto (e.g., o cientifico). Mas há muitos outros casos em que ou a fé é inócua ou até se pode valorizar como boa em função daquilo que nos permite alcançar. Daí que, perdoem-me os autores, o artigo tem “vistas curtas” a este respeito.
(ou então deviam ter posto como título:”O que é a fé religiosa”)
«Assim, a fé é uma crença com elevado grau de convicção na verdade de uma afirmação (...)»
Não é necessário ter um “elevado grau de convicção na verdade de uma afirmação para ter fé”. Esta imprecisão vem da ideia errada, julgo, de que a fé tem de ser fé religiosa, e que esta última é um tipo de crença que exige um alto grau de adesão ao seu objecto. Mas ambas as coisas são falsas: há fé não religiosa e nem todos tipos de fé exigem um elevado grau de adesão ao seu objecto.
«Segundo a análise clássica de conhecimento há três condições necessárias para que um determinado conteúdo seja conhecimento: 1) tem de ser uma crença, 2) essa crença tem de ser verdadeira, e 3) tem de estar justificada.»
Primeiro, a análise clássica não é subscrita por quase ninguém na actualidade. Deveria ter sido feita referência a esse importante ponto. Segundo, acho que se impunha uma referência indicando a diferença entre estar justificado que P e ter uma justificação para P.
«(...) a fé exclui o conhecimento, no sentido em que não é possível ter fé naquilo que conhecemos.
Duvido seriamente que isto esteja correcto. Claro que é possível ter fé naquilo que conhecemos. Qual é o problema? Um exemplo. Eu tenho boas razões para acreditar que, T, “A terra não foi criada em 6 dias”, pois acredito justificadamente no testemunho dos cientistas a esse respeito e que esse testemunho é verdadeiro. As razões, R, que tenho para T são as indicadas pelos cientistas para T, e são suficientemente fortes para fixar a verdade de T. Mas, apesar disso, não consigo interpretar essas razões dos cientistas. Nesse caso, eu sei que T com base em R mas não consigo interpretar R para T. Logo, eu acredito justificadamente em T – mas por fé. E não se pode objectar que esta atitude de crença é direccionada ao testemunho dos cientistas e não à proposição que eles declaram ser verdadeira. O que é acreditado é de facto T, com base em R, embora não se saiba interpretar R.
«— Se alguém tem fé em algo, essa pessoa não sabe isso. Logo, se alguém sabe algo, não pode ter fé nisso»
Julgo já ter mostrado que esta definição é fraca, senão mesmo errada. Há crenças, alvos das crenças e modos de acreditar que muito plausivelmente fazem com que os círculos da fé e do conhecimento se intersectem. Não vou insistir no ponto.
Quero acabar este longo comentário (peço desculpa, mas tinha que ser, estou com fé no que digo ) dizendo que o gráfico está a meu ver incompleto. Todo o artigo se baseia numa assumpção falsa ou mal direccionada de que se é fé, é fé religiosa. Julgo então que o círculo da fé, além de intersectar o do conhecimento em alguns pontos, deveria conter uma subdivisão: a) a fé religiosa e b) a não religiosa. O que nem o gráfico nem o artigo dizem, e deveriam certamente dizer, já que se estão direccionados para uma componente pedagógica, é que a fé pode assumir por exemplo a forma de fé científica, pessoal, etc., que isso não arrasta qualquer irracionalidade (como é dissimuladamente levado a crer pelo artigo). Um cientista pode acreditar, por exemplo, por fé, que existe uma qualquer realidade para lá do Muro de Planck, sem que isso arraste automaticamente qualquer irracionalidade. E eu também acredito que o SLB vai ganhar amanhã ao SCP, embora não tenha qualquer boa razão para acreditar nisso e hajam muitas que militem contra essa minha crença (quem tiver dúvidas disto que se informe sobre o paradoxo da lotaria). E não adianta dizer-se que este tipo de fé é trivial e que o que importa é a fé religiosa, pois sabemos que usamos todos os dias de uma considerável dose de fé (crença não justificada), e que ela é importantíssima na formação e desenvolvimento de quem somos.
Já que estamos num blogue de ciência, quero finalizar deixando duas questões que acho pertinentes:
1) Se os cientistas e os investigadores em geral não tivessem uma dose de fé nas suas hipóteses, que seria da ciência e da investigação?
2) Por que razão é a fé religiosa uma coisa intrinsecamente má?
Abraço
Luís E Rodrigues
Pode dizer-se “Ele acredita nisso, mas não é assim”, mas não “Ele sabe isso, mas não é assim” Será isso a diferença entre os estados mentais de crença e de conhecimento? Não. – Pode, por exemplo, chamar-se “estado mental” àquilo que é expresso pelo tom de voz ao falar, pelos gestos , etc. Seria, pois, possível falar de um estado mental de convicção e esse seria idêntico quer se tratasse de conhecimento ou de crença errónea. Pensar que às palavras “crer” e “saber” têm de corresponder estados diferentes seria como se uma pessoa acreditasse que pessoas diferentes têm de corresponder à palavra “eu” e ao nome “Ludwig” porque os conceitos são diferentes.
Wittgenstein
Fernando Dias
A meu ver, este «post» é extremamente problemático. Umas breves notas:
1) Fideísmo? Começo pelo último parágrafo. Considero muito incorrecto o que se diz sobre o fideísmo. O fideísmo não é primariamente o oposto ao ateísmo! O que se opõe ao fideísmo é o racionalismo. E muito menos sentido tem falar em fideísmo radical ou moderado. Se o fideísmo é o contraponto do ateísmo (o que é falso), e há fideísmo radical e moderado, também haverá ateísmo radical e moderado? Não existe fideísmo moderado. Aquilo que se atribui ao fideísmo moderado, não é fideísmo, mas outra coisa. Diz-se depois que «o fideísta radical defende que a razão e a fé nos dão conclusões opostas sobre a existência de Deus». Isto não é assim. Não se trata de «conclusões opostas», mas da negação da capacidade da razão para conhecer a verdade, e não apenas no campo da fé! O fideísmo opõe-se essencialmente ao racionalismo e é uma posição extremista, condenada, curiosamente, pelo Concílio Vaticano I.
2) Mas o qué então a fé? O título do «post» é «O que é a fé?», mas nunca aparece uma definição formal do que é a fé. Na primeira frase, a expressão «acreditar em algo com base na fé», parece já supor que se saiba o que é a fé, mas em lado nenhum se responde cabalmente à questão inicial. Note-se bem que a primeira frase não é propriamente uma definição da fé. As seguintes falam em «semelhanças» e características, mas… Várias vezes se usa a expressão «com base na fé», mas não se explica que é que isto significa. Creio que o «post» se move com alguma ambiguidade de conceitos. Por exemplo, na expressão «acreditar que Deus existe com base na fé»… Apenas pleonasmo? Indício de que a fé é algo «prévio»?
3) «Acreditar em algo? Embora in obliquo, vai-se «desenhando» a fé como «acreditar em algo sem ter razões que estabeleçam a verdade», mas nisto dá-se uma visão muito insuficiente da fé. Porque lhe falta o mais essencial, acaba por ser uma caricatura. Voltarei a este tema. [Não admira que, com base nestes estereótipos, os crentes sejam vistos como uns «menorzinhos» (extra-«post»).] Será que a fé se reduz formalmente a acreditar em «algo»?
E nem é verdade que na fé não existam «razões» ou mesmo «razões que estabeleçam a verdade». O que se passa é que aqui se usa um conceito muito restrito «razões» e de «verdade», que, por princípio não manifestado, já «exclui» a fé. Pressupostos…
4) Curiosamente, neste «post» S. Tomás é de alguma forma o filósofo-referência e atribuem-se-lhe várias ideias, mas em nenhum sítio se diz o que entendia S. Tomás por fé! E isto parece-me desejável e necessário.
5) Esquemas... O esquema crença-conhecimento-fé é, a meu ver, demasiado simplista, e haveria que o substituir por outro. Por exemplo, parece-me que seria melhor uma noção talvez mais global a que poderíamos chamar «saber» e/ou que desse conta dos conceitos clássicos de «theoria», «praxis» e «poiesis». Por outro lado, há também um conhecimento religioso e de fé…
6) Gnoseologia? É preciso ter em conta que, embora S. Tomás fale da fé num contexto gnoseológico, a fé, em sentido genuíno, bíblico-cristão, não se reduz a este aspecto! Muito pelo contrário, como já expus em comentários anteriores, quando disse que a fé é uma entrega a alguém pessoal que se me apresenta como absolutamente verdadeiro e fundamento da realidade, incluindo a minha realidade. A fé não é o mero «acreditar em algo», mas o acreditar (=dar crédito) em alguém! O «post» insiste exclusiva e erradamente na ideia de fé como «acreditar em algo» sem ter provas (como anteriormente se falou na aceitação de dogmas), quando isso não é a questão primária e determinante na fé.
E este é o ponto mais problemático do «post»: a redução da fé ao aspecto gnoseológico. Isto é realmente muito pouco. Ou seja, a pergunta que dá título ao «post» ficou sem resposta. Mas já considero positivo que se aborde o tema por cá e que me seja dada a possibilidade de comentar. ;-)
Alef
Caro F. Dias
Parece-me que crer e saber são estados mentais distintos, pois crer não implica factividade, e saber implica - isto a dar ouvidos a Platão e a muita mais gente que defende a teoria de que se alguém S *sabe* que P, então P. Quer dizer, não é possível saber falsidades, pois isso é contraditório com o conceito de conhecimento. Se assim for, estar num estado de crença não justificada, por exemplo, não é o mesmo que estar num estado de crença justificada.
A diferença acentua-se ainda mais se adoptarmos uma concepção forte do conhecimento, como por exemplo a cartesiana, segundo a qual não é suficiente S ter uma justificação para P para S saber que P, mas S tem também que ter uma justificação para refutar todas as proposições que refutam P. Uma alternativa é: S sabe que P, e S saber que P impossibilita que qualquer proposição que implique não-P seja verdadeira.
Se adoptarmos esta concepção bem mais exigente de conhecimento, então crer e saber são decididamente actos mentais com diferentes propriedades.
Penso eu de que...
Cumps,
Luís E Rodrigues
Caro Luís Rodrigues,
Seguindo a “lógica budista”(1º comentário) aproximo-me de Luís (lógica clássica?); seguindo a lógica wittgensteiniana afasto-me. E assim me enredo em contradições. Mas pode haver outras lógicas? Como por exemplo intuicionista; difusa; livre ?
Enredo-me ainda mais em contradições e impossibilidades.
Desisto!
Fernando Dias
Ena, belo artigo, ó Murcho amigo!!! :)
E o Fernando contribuiu com excelência... isto sim é que é ciência!!!
Vamos lá ver se eu não estrago a bela sequência... e apenas acrescento alguma minudência!
E se, para além da fé e da razão, também existir uma fonte directa de conhecimento, a que por vezes se chama insight ou intuição?! Ora a tal "experiência meditativa" de que o Fernando fala acima talvez pertença a esse íntimo insight... pure and bright!
Há algo de interessante também a referir, a propósito de muitos destes choques conceptuais que, no fundo, se devem a estas duas concepções antagónicas do mundo: materialismo vs. idealismo ou o primado da matéria vs. o da mente/consciência.
É que as ciências físicas ou exactas até vão avançando muito bem, mas o mesmo não se poderá dizer das ciências humanas, e aqui até me refiro mais especificamente à medicina e à psicologia, sobretudo a esta.
Sem entrar em mais detalhes, que seriam aliás descabidos a este nível de debate, não considerava Popper a psicanálise como um pseudo-ciência?! Ou ainda, obedecerão as ciências humanas a esse carácter da falseabilidade, que aliás é já posto em causa mesmo no campo das ciências ditas exactas?!
É que o conhecimento directo... se é que tal existe!... não é, por sua própria natureza e definição, falsificável, logo... A este respeito, tal conhecimento tem alguma semelhança com a fé, sim, já que se conhece algo sem necessidade de passar pelo crivo da razão.
Anyway, gostava apenas de salientar que, no domínio da medicina e psicologia, não estamos ainda em posição de confirmar ou refutar a natureza desse insight e, menos ainda, que relação poderá ele ter com a actividade racional. Será um bypass directo para outro conhecimento transcendente, como afirmam aqueles que o experimentam e defendem?! Ou ainda, poderá tratar-se de um tipo de conhecimento não-local, logo fora do espaço e tempo físicos?!
Este tipo de especulação já não é tão descabido como poderia soar há algumas dezenas de anos, não apenas porque a própria evolução das ciências físicas... mormente a física quântica... têm alargado muitíssimo as fronteiras do "real", como também porque as investigações no domínio da psicologia e da fisiologia do cérebro têm lançado mais algumas luzes nesse terreno ainda misterioso da mente e da consciência e no próprio processo do conhecimento.
É que, volto a salientar, caso se prove a existência de fenómenos ainda controversos, como a telepatia ou clarividência, talvez tenhamos de alargar um pouco mais o domínio da racionalidade e dar lugar a outras possíveis formas de conhecer não directamente mediadas pela razão.
Agora, vou ainda comentar a frase final do Fernando, que sobre ela há mesmo MUITO a dizer!
De resto, conhecer é um prazer...
Rui leprechaun
(...e eu adoro viver!!! :))
PS: Note-se ainda que o simples acto de "sentir" algo é também uma forma de conhecimento directo, ainda que a razão possa intervir posteriormente, tal como na experiência de insight. Esta, aliás, é muito comum em ciência, e o próprio Einstein terá afirmado que não se pode resolver um problema ao nível do estado mental que lhe deu origem.
So the sudden flash comes in... from without or from within?! :)
Como se sabe, para os budistas, a existência de deus não faz sentido.
Será que não faz mesmo, ó Fernando?!
Bem, se o Budismo é uma religião sem Deus, como muitas vezes se diz, isso até facilitaria um pouco este contínuo debate Religião vs. Ciência.
Só que... a que conceito de Deus nos referimos?! Parece-me que a afirmação acima apenas implica a inexistência de um Deus pessoal na filosofia budista e mesmo assim... É que a religião popular está cheia de Boddhisattwas, logo...
Aliás, o confronto materialismo vs. idealismo dispensa bem qualquer falatório acerca de Deus. Falamos apenas de 2 concepções irreconciliáveis quanto à realidade observável e experienciável: é a matéria ou a mente/espírito que tem precedência no Universo?! Quem provém de quem?!
No fundo, Deus é apenas um nome que se dá ao tal "imaterial" ou "sem forma" que, de algum modo, terá originado este universo material de miríades formas. Ora é extraordinariamente interessante que há já algumas teorias sobre a origem do Universo que, no mínimo, se aproximam enormemente das milenares concepções do Oriente, e até do simples conceito da criação "ex-nihilo" que me parece ser comum a todas as grandes religiões.
E isto já para não falar dessa busca de uma teoria unificada - Teoria das Supercordas e a mais moderna Teoria M ou dos Brana - onde a questão da natureza última deste universo continua a encontrar alguns interessantes pontos de contacto com as tais especulações metafísicas de outrora.
A questão do insight, ou o conhecimento directo do transcendente que os místicos religiosos de todas as grandes tradições afirmam como real, seria aqui a pedra de toque final, já que poderia comprovar esse outro lado intangível da Realidade, por assim dizer.
Note-se que, e num plano puramente especulativo, se o Vazio primevo de onde surgiu toda a matéria-energia era, de qualquer forma que não compreendemos, consciente de si próprio - e este é o relato das escrituras orientais - então é perfeitamente lógico que a consciência do Ser Humano especialmente treinado possa transcender os limites do material e conectar-se com essa realidade primordial de onde tudo surgiu, afinal.
Daí, poder admitir-se que apenas pela funda meditação - insight? intuição? - os sábios de antanho possam ter penetrado os mesmíssimos mistérios acerca da natureza do cosmos que os sábios de hoje também vão desvendando por outros meios puramente físicos. Ou ainda, a partir do interior - meditação - ou do exterior - investigação/experimentação - podemos quiçá chegar à mesma e única conclusão! Será assim ou não?!
As I have said many times before, I DO believe it is like this, yes, for I have also dwelled in that mysterious region of the unknown... where Beauty lies beyond mere words and ALL is shown! :)
E há deveras uma "paz que ultrapassa todo o entendimento"...
Rui leprechaun
(...e é lá que jaz a raiz do vero Conhecimento! :))
PS: And so GOD IS...
...Truth, Love and Bliss!!! :)
Quero deixar agora, para quem possa interessar, três reparos finais a este texto.
Primeiro, desejo analisar com mais pormenor uma definição que nele aparece. A definição é a seguinte:
(..) a fé exclui o conhecimento, no sentido em que não é possível ter fé naquilo que conhecemos
Volto a dizer que isto é FALSO! S pode acreditar em P, P ser verdadeira, e S ter a justificação correcta para crer em P (o que é conhecimento, pela definição apresentada no artigo), e não saber que a tem. Apesar disto, S pode acreditar que P é verdadeira, repito, sem ter disponível a justificação que tem para P (o que é um acto de crença não justificada, isto é, de fé). Conhecimento e fé NÃO são, pois, mutuamente exclusivos. Há contra-exemplos plausíveis a essa tese. A tese é redutora e míope, dado que, além de ser explicativamente circular, demite contra-exemplos plausíveis e descura casos de vagueza em que não é possível determinar o género de crença de que se trata.
Segundo, mesmo admitindo, como sugere o artigo, que fé e conhecimento são mutuamente exclusivos, que fé é crença não justificada(falsa ou verdadeira? não se percebe no artigo), e que conhecimento é crença verdadeira justificada, o gráfico apresentado está errado. Mas completamente! Está errado porque toda a crença é uma atitude para com uma proposição. Assim, plausivelmente, qualquer crença ou está justificada ou não está, pois proposições que sejam alvo de atitudes de crença têm de ser verdadeiras ou têm de ser falsas, e essas atitudes estarão ou não justificadas conforme o caso. Portanto, neste caso não haveria outro tipo de crenças, como indica erradamente o gráfico. Estas putativas crenças indicadas pelo gráfico nem seriam conhecimento nem seriam fé, isto é, nem seriam justificadas nem não o seriam. Seriam então o quê? Não se percebe.
Terceiro, quero – respeitosamente – manifestar a minha desilusão por ninguém responsável pelo texto se dignar defendê-lo. Aliás, não se compreende sequer quem é o autor. Seria de esperar que houvesse mais empenho em defender aquilo que se propõe tão peremptoriamente. Isto porque tanto o blogue onde é publicado o texto, como o manual onde está inserido, são locais sérios de divulgação científica e pedagógica. Não é portanto suficiente, penso eu, mais uma vez com todo o respeito, “debitar” definições e dá-las como adquiridas, para mais quando estas definições são altamente controversas e possuem pontos fracos evidentes.
Abraço,
Luís E Rodrigues
Caro Desidério,
Um post interessante.
Gostaria apenas de dizer o seguinte, acerca da primeira frase do texto.
"Acreditar em algo com base na fé é acreditar em algo sem ter razões que estabeleçam a sua verdade."
Talvez fosse mais sensato substituir "razões" por "constatações" ou "evidencias."
Presumo que a concepção de verdade a que se refere é a da verdade empirica-cientifica: Relação de correspondencia entre proposições e "estados de coisas"(Witt.) A razoabilidade não se esgota no empirismo. Podem existir razões válidas para acreditar em x que não são corroboradas de forma satisfatória pelo metodo empirico. Um dos casos mais interessantes é a da imprevisibilidade. Sabemos, obviamente, que se trata de um fenomeno empirico (anticiclone, por exemplo) mas, ainda assim, não podemos corroborar a razão com uma constatação correspondente, mas apenas com uma hipotese relativa, uma probabilidade. O nexo com o empirismo, com o acontecer empirico observável e demonstrável, não desaparece, evidentemente. Mas configura-se de forma distinta.
Sabemos que...mas não sabemos quando (ou como?? : Bem, desconheço por completo a metereologia, por isso não me aventuro) Esta questão do "fundamento" empirico do imprevisivel, sempre me interessou.
Ficar-lhe-ia muito grato se um dia publicasse alguma coisa sobre este assunto aqui no de rerum natura.
Obrigado.
Cumprimentos,
PS: No entanto, só para clarificar, a ideia de que as razões são constatações empiricas (à la Hume?????) parece-me muito interessante e proficua porque liberta a deliberação (ética, por exemplo) do vortex do subjectivismo, apesar de instituir uma outra espiral reflectiva, não menos complexa. Mas sempre gostei muito desta ideia. Repare que aqui poderemos encontrar uma "ponte" interessante entre a escola analitica e a escola continental. As razões são-nos dadas pela experiencia...pela existencia. Se bem me lembro li, há muitos anos, um pequeno livro de Deleuze (sim, bem sei, os filosofos da ciencia tendem a considerá-lo um charlatão...) sobre o empirismo de Hume...em que ele aborda esta questão, se a memória não me falha.
Cumps
Bem, o texto está mt interessante e eu, infelizmente, não disponho de tempo, agora, para o ler na sua totalidade...fa-lo-ei mais tarde...só mais isto...
"Nesse aspecto, ter fé em algo envolve uma forte convicção, semelhante à convicção que sentimos quando sabemos que, por exemplo, o Porto é uma cidade portuguesa."
Esta transferencia (da autoridade) da facticidade (perdoem-me o contorsionismo semantico) empirica para o pensar dogmático, que dispensa verificação, ou melhor, que a constitui de forma distinta (e mt pouco cientifica), é um dos aspectos mais fascinantes dos movimentos dogmáticos que parecem compartilhar uma infraestrutura cognitiva-filosofica comum, apesar das nuances históricas. Uma outra consequencia inevitável desta monopolização do empirico pelo puramente normativo (é porque é..e pronto!) nega o tempo e, com ele, a imprevisibilidade, a falsificação, etc.
É um assunto fascinante que merecia ser contemplado de forma mais rigorosa pela ciencia politica: o complexo do dogma.
Boas noites.
Abraço
O post, em especial o 1º parágrafo, revela um dado interessante. A forte convicção em deus - fé - leva os teístas a pressuporem que deus é a verdade. Ora a fé poderia ser bem menos problemática se não assumisse este compromisso com a verdade. A verdade divina é apoiada na convicção forte. Trata-se de uma verdade sem justificação. Ora,nestas condições como pode um teísta afirmar que a proposição "deus não existe" é falsa? É que teria de saber justificar a proposição contrária, a de que "deus existe".
Rolando Almeida
Caros leitores
Obrigado a todos pelos comentários. Não posso responder a todos, mas aqui vão algumas pistas, começando pelo fim. Espero que sejam pistas estimulantes.
1. Rolando, teístas como S. Tomás de Aquino, e como está explicado no texto, consideram que se pode saber que Deus existe. Apenas não se pode saber que, por exemplo, é uno e trino — isso é uma verdade a que só temos acesso pela fé. Ainda hoje a doutrina católica se apoia na ideia de que a existência de Deus pode ser estabelecida racionalmente.
2. Ezequiel, trata-se mesmo de razões e não de dados empíricos, porque o que está em causa é a justificação — o ingrediente que faz a diferença entre a mera crença sem justificação adequada e a crença com justificação a adequada. Dados empíricos são, como muito bem diz, apenas um tipo de justificação adequada. Mas a fé, na doutrina tradicional de S. Tomás, é uma forma de crença que não é conhecimento precisamente porque carece de justificação. Mas nem por isso deixa de ser uma via de acesso à verdade. A fé, na concepção tradicional de S. Tomás, não é algo que carece de justificação empírica ou científica, mas que tem outro tipo de razões a seu favor; não as tem.
3. Luís, o que está em causa é uma introdução simplificada da noção clássica de fé de S. Tomás, sem se entrar em pormenores técnicos. A noção não depende da ideia de que o conhecimento é crença verdadeira justificada, mas apenas que três condições necessárias para algo ser conhecimento é ser crença, ser verdadeira e ser justificada. S. Tomás diz por isso que a fé é análoga ao conhecimento em termos da sua fenomenologia — porque produz uma profunda convicção — mas é como a mera crença não justificada porque não tem justificação. Não se faz obviamente a distinção no texto entre (1) um agente ter uma justificação para uma crença e (2) um agente ser capaz de articular uma justificação para uma crença, mas o que conta para que uma crença seja justificada não é (2) mas sim (1). Em lado algum do texto está sugerido que a fé é uma coisa má — seria aliás bizarro que tal acontecesse, pois esta é, de forma simplificada mas desejavelmente não distorcida, a doutrina clássica de S. Tomás. Parece-me que estás a confundir a fé, quando falas da fé dos cientistas, com o mero levantar de hipóteses. Por mais confiança que um cientista ou nós, como filósofos, tenhamos numa dada hipótese, não temos nela o mesmo tipo de confiança inabalável que Tomás atribui, penso que correctamente, à fé. A ideia é que quem tem fé que Deus é uno e trino, por exemplo, tem nisso a mesma confiança inabalável que tem no conhecimento de que a neve é branca. A diferença é que neste último caso tem justificação, ainda que não a saiba articular muito bem, e no primeiro não tem justificação.
Luís, o gráfico está correcto, mas não podes entender fé como sinónimo de crença, como se faz popularmente. De todas as crenças que as pessoas podem ter, umas são conhecimento, quando são verdadeiras e justificadas, outras são fé, quando são verdadeiras mas não são justificadas, e outras ainda são verdadeiras mas não são fé porque não produzem forte convicção, e outras são meramente crenças falsas, pelo que não são fé nem conhecimento.
4. Alef, os aspectos não proposicionais da fé, nomeadamente a ideia de fé como confiança, não são tratados por dois motivos. 1) Porque não se pode ter confiança em algo sem ao mesmo tempo ter uma crença proposicional de que isso existe. Logo, mesmo que a fé tenha uma componente não proposicional, tem também uma componente proposicional. 2) Porque a componente proposicional da fé é mais relevante, pois conduz directamente à discussão dos argumentos clássicos a favor da existência de deus, que são matéria central em filosofia da religião, e que são apresentados e discutidos de seguida no manual de onde este texto foi retirado.
Caro Desidério
«(...)o que está em causa é uma introdução simplificada da noção clássica de fé de S. Tomás, sem se entrar em pormenores técnicos.»
Se é como dizes, não me parece apropriado, nem intelectualmente honesto, pôr ao artigo o título “O que é a fé?”. Deveria ser: “O que é a fé segundo S. Tomás?”. Outros autores têm certamente proposto outras definições, e a definição de S Tomás não pode ser privilegiada num artigo de divulgação como este. Pode até nem ser a melhor.
«Não se faz obviamente a distinção no texto entre (1) um agente ter uma justificação para uma crença e (2) um agente ser capaz de articular uma justificação para uma crença, mas o que conta para que uma crença seja justificada não é (2) mas sim (1).»
Correcto. Mas é precisamente por se assumir que (1) é a definição correcta que nego que fé e conhecimento sejam mutuamente exclusivos. O tal argumento, ao qual não respondeste, pode ser resumido assim:
i) S tem evidência fiável, E, para estar justificado em P – mas não sabe interpretar E
ii) P é verdadeira
iii) S acredita com muita confiança em P, i.e., tem uma atitude de crença para com P
C: S sabe que P, e S adere convictamente a P, sem ser por estar justificado em P – porque S não sabe interpretar E para P
Dizer que fé e conhecimento se excluem mutuamente sem pôr um argumento a sustentar a ideia, ou sem mencionar que o argumento tem contra-exemplos, é fazer uma estipulação de uma definição. Ou então é comprar barata a definição do Santo, algo que não me agrada nada, para mais quando se trata de esclarecer alunos.
«Em lado algum do texto está sugerido que a fé é uma coisa má — seria aliás bizarro que tal acontecesse, pois esta é, de forma simplificada mas desejavelmente não distorcida, a doutrina clássica de S. Tomás. Parece-me que estás a confundir a fé, quando falas da fé dos cientistas, com o mero levantar de hipóteses.»
Desidério, não me parece que esteja a confundir o que quer que seja. O texto é que oferece uma definição de fé como adesão (crença) praticamente inabalável e não justificada a P. Quer dizer, o texto sugere, ora usando a terminologia de Tomás ora usando terminologias modernas, misturando claramente significados e definições, que um agente racional S ter fé em P é S acreditar em P e S não estar justificado em P – ou por P ser falsa ou por S não ter uma justificação conveniente para P. Isto é o que fazem os cientistas todos os dias. A única diferença, não estrutural e pouco importante para a definição, é que os cientistas obtêm normalmente justificações plausíveis para justificar as suas crenças ou abandonam-nas (embora hajam cientistas tão teimosos quanto alguns habitantes do Vaticano, pessoas que não abandonam as suas crenças mesmo sabendo que são falsas ou sabendo que não as podem justificar)
«Luís, o gráfico está correcto, mas não podes entender fé como sinónimo de crença, como se faz popularmente. De todas as crenças que as pessoas podem ter, umas são conhecimento, quando são verdadeiras e justificadas, outras são fé, quando são verdadeiras mas não são justificadas, e outras ainda são verdadeiras mas não são fé porque não produzem forte convicção, e outras são meramente crenças falsas, pelo que não são fé nem conhecimento.»
O gráfico está errado, repito, por causa das próprias definições fornecidas pelo artigo. Isto é uma grande trapalhada e confusão que o texto faz, e que agora também parece que estás a fazer. Repara:
A) Fé = atitude de crença não justificada para com P
B) Conhecimento = atitude de crença justificada para com P (segundo o texto, que está incorrecto, mas fica assim por agora)
O conjunto das proposições acreditadas contém ou proposições verdadeiras ou proposições falsas. Não há proposições acreditadas semi verdadeiras ou semi falsas. E proposições não declarativas, por exemplo as imperativas, não são alvo de crença. Por exemplo, ninguém acredita, justificada ou injustificadamente, que a proposição “É proibido voltar à direita!” é verdadeira ou falsa. Não confundir a proposição anterior com a proposição “É proibido voltar à direita.”, esta sim uma proposição verdadeira ou falsa, plausivelmente, consoante o contexto em que é asserida.
Segue-se que todas as proposições que são alvo de uma atitude ou são verdadeiras ou são falsas (a disjunção é exclusiva), e isso esgota o conjunto das proposições acreditadas. Logo, não é possível haver crenças de outro tipo que não seja o tipo A ou o tipo B, justificadas ou não justificadas. Portanto, assumindo as definições do texto, o gráfico está errado quando supõe existirem outro tipo de crenças que não estão justificadas nem são injustificadas.
Vou repetir para que não restem dúvidas. O que está descrito no gráfico não é o grau de convicção, muito menos a distinção crença verdadeira/crença falsa, como queres fazer crer quando dizes:
«outras ainda são verdadeiras mas não são fé porque não produzem forte convicção, e outras são meramente crenças falsas, pelo que não são fé nem conhecimento»
O que está em jogo ao longo do artigo é a distinção entre crença não justificada (fé) e crença justificada (conhecimento). E, repito, pela definição que o texto dá de fé e de conhecimento como, respectivamente, crença não justificada e crença justificada, o conjunto das crenças justificadas e não justificadas tem de ser exaustivo, isto é, o conjunto das crenças tem de ser constituído (pelos padrões do texto) por fé e conhecimento.
Agora, o que não se pode fazer é falar de carapaus e depois e dizer que estamos falar de sardinhas.
Mas dou-te por momentos o benefício da dúvida e aceito que o gráfico quer indicar graus de convicção em proposições ou valores de verdade. Seja! Onde estão eles explicitados no gráfico? Nem uma referência que seja? Desidério, ou o gráfico está mal ou está tremendamente incompleto.
Caro Desidério:
Agradeço a sua resposta. Evidentemente, as minhas sérias objecções nada têm de pessoal, e é importante reafirmá-lo, porque nada me move contra si, mas quanto mais leio o «post» inicial mais problemas lhe vejo.
1. Um texto da «Summa» Depois do meu comentário anterior, estive a rever a «Summa Theologica», sobretudo a «Secunda Secundae», onde se tratam mais directamente estas questões da fé. Pois bem, convido-o a fazer o mesmo, porque vejo ainda mais confirmadas as minhas «suspeitas» em relação a aspectos que não tinha comentado. Por exemplo, o Desidério insiste em dizer que para S. Tomás a fé não é conhecimento mas crença. Ora, embora S. Tomás trate da fé em contexto gnoseológico, a ideia de que a fé não é conhecimento é deveras estranha! O Desidério também insiste na noção de fé como aceitação de proposições não provadas. Isto, no contexto tomasiano, é ainda mais estranho. Ora releia bem a «Summa» e verá que ela impugnará muitas das afirmações do «post». Cito um exemplo, da II-II, 1 a.2 ad 2 (destaques meus):
«Ad secundum dicendum quod in symbolo tanguntur ea de quibus est fides inquantum ad ea terminatur actus credentis, ut ex ipso modo loquendi apparet. Actus autem credentis non terminatur ad enuntiabile, sed ad rem, non enim formamus enuntiabilia nisi ut per ea de rebus cognitionem habeamus, sicut in scientia, ita et in fide.»
Possível tradução, via «B.A.C.»: «À segunda [objecção] é necessário dizer que no Símbolo [dos Apóstolos, isto é, o Credo] se propõem verdades da fé enquanto termo (fim) do acto do crente. Mas este acto do crente termina não no enunciado, mas na realidade que contém. Na verdade, não formamos enunciados senão para alcançar o conhecimento das realidades; como se passa na ciência assim também na fé» (II-II q. 1 a. 2 ad 2).
Esta passagem, é significativa, porque ela mata já dois coelhos:
a) Fica posta de parte a ideia de que a fé é exclusiva ou essencialmente proposicional. S. Tomás, como se vê em muitos outros lugares, tem presente a distinção agostiniana entre credere Deo, credere Deum e credere in Deum e aqui diz claramente que o termo final da fé é a própria realidade de Deus, não um mero enunciado. Ora, Deus não é um mero «objecto», como o pode ser um jogo do Porto ou uma cidade que nunca vi... Melhor: o enunciado é apenas uma espécie de caminho no processo da fé. Logo, falar apenas do «aspecto proposicional» não é falar propriamente da fé! Além do mais, a fé é apresentada por S. Tomás como virtude teologal, o que significa que tem Deus por origem, sendo já uma resposta a uma proposta. Embora não o acentue tanto como Santo Agostinho, S. Tomás não esquece os elementos afectivo, fiducial e passional da fé. Evidente, isto vê-se ainda melhor noutras inúmeras passagens, e não apenas na «Summa».
b) Ao contrário do que sugere o Desidério, S. Tomás fala da fé como conhecimento, distinguindo-o, claro, do conhecimento científico(*). Note-se bem a última frase do texto que citei: «não formamos enunciados senão para alcançar o conhecimento das realidades (de rebus cognitionem); como se passa na ciência assim também na fé». Tanto a ciência como a fé têm como objectivo o conhecimento(!) de realidades. Evidentemente, são conhecimentos de tipo diferente, mas este texto também impugna o esquema apresentado no «post».
Evidentemente, será conveniente ler toda a «Secunda Secundae» e não apenas este texto que citei. E não será mau ver o que dizem os bons comentadores da Summa. Todos falam da fé em Santo Tomás como conhecimento. A bibliografia sobre o assunto é significativa.
2. E o assentimento voluntário? É muito grave que não se tenha dito uma única vez o que é realmente a fé para S. Tomás. Nem uma referência ao assentimiento voluntário. Duas palavras significativas, que por si mesmas extravasam a ideia da fé-proposição. Como se pode falar da fé e citar S. Tomás sem falar disto?
3. Sinédoques ilegítimas Mas há ainda muito mais. As razões invocadas pelo Desidério para incluir apenas «os aspectos proposicionais da fé» não colhem, de modo nenhum.
a) Em primeiro lugar, porque, como mostra o próprio texto que citei, as proposições não são ainda formalmente a fé, mas uma espécie de «caminho» de uma fé que só o será plenamente quando chegar ao seu «termo». Independentemente daquilo que escrevi sobre a fé, que vem do sentido genuíno bíblico-cristão, o próprio S. Tomás impugna a restrição aos aspectos ditos proposicionais.
b) Em segundo lugar, o Desidério tenta justificar a exclusividade da fé-proposição com a ideia de que há sempre uma proposição implícita. Mas isso é discutível, sob vários aspectos. Por um lado, não está garantido em lado nenhum que todos os nossos actos impliquem proposições, até porque há juízos não proposicionais. Por outro lado, mesmo que tais proposições estejam presentes, nada nos diz que elas são primárias ou prioritárias (em termos formais) em relação ao acto de fé.
c) Em terceiro lugar, o facto de que a componente proposicional esteja presente não é razão suficiente para fazer dela o exclusivo, tomando a parte pelo todo, sobretudo num «post» em que se pretende responder à pergunta «O que é a fé?». Valha a analogia: da mesma forma que eu não defino um automóvel pelo acelerador (embora seja imprescindível), também não posso definir a fé pela componente proposicional. A componente proposicional não é o essencial da fé enquanto tal. Já o mostrei com um simples texto de S. Tomás.
d) Em quarto lugar, dizer que «a componente proposicional da fé é mais relevante, pois conduz directamente à discussão dos argumentos clássicos a favor da existência de deus» não tem muito sentido; a não ser um «valor» instrumental para certa filosofia, mas, nesse caso, passa ao lado do centro da problemática da fé, fabricando uma imagem falseada da fé. A maioria das pessoas que têm fé não tematiza os argumentos clássicos da existência de Deus e tais pessoas não deixam de ter fé por isso. Relembro o velho argumento referente aos demónios: eles sabem que Deus existe e nem por isso têm fé. O facto de as proposições conduzirem ao problema dos argumentos da existência de Deus, que interessa ao filósofo, não justifica que o filósofo defina a fé por aquilo que não é o essencial da fé. Da mesma forma, não defino um carro pelo acelerador, mesmo que isso me desse mais jeito para falar do problema do excesso de velocidade como causa de muitos acidentes (mera analogia neste exemplo, que tem apenas o objectivo de mostrar que não se responde ao «quid» de uma coisa com um simples componente).
4. Fé e «argumentos» da existência de Deus. Quanto aos argumentos da existência de Deus, é um erro confundir argumentos da existência de Deus com «razões» para a fé. Eu posso rejeitar todas as «cinco vias» ou outros argumentos da existência de Deus sem que isso abale a minha fé e sem que caia no fideísmo. E se o fizer, não estou sozinho. Na verdade, as «cinco vias», em sentido pleno não provam nada. São «vias» e nada mais. Que se possa chegar à fé por aí é uma coisa; que a fé consista em dizer elas provam alguma coisa é outra...
5. «Do que (quase) nada se sabe…». E porque fala do manual, devo dizer que não o conheço, mas se este texto é parte do manual, devia devia ser corrigido porque contém erros graves. O que vi na Internet deixou-me perplexo, embora «coerente» com o que vi escrito neste «post». Por exemplo, o texto de A.C. Grayling sobre a fé é uma tremenda série de disparates, na matéria e na forma, a começar pela primeira frase. Não sei o que é que estes autores lêem (no plural, porque estou a pensar também em alguns disparates de Richard Dawkins), mas manifestamente não conhecem com profundidade as matérias de que falam.
Evidentemente, parece-me que há ainda muito assunto por debater.
Alef
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(*) Também achei estranha essa ideia da «crença» (cfr. esquema) sem conhecimento, alegadamente corroborada por S. Tomás. Onde é que isso aparece exactamente? Será exactamente nestes termos? Estive à procura de alguma referência a «crença» na «Summa». Pois bem, não vejo nada disso. Tanto quanto pude ver, no original latino a palavra «credentia» (e suas variantes declinadas) não aparece uma única vez na «Summa» e menos de meia dúzia de vezes no «corpus thomisticum», enquanto «credulitas» (em diferentes casos) aparece muito raramente, em contextos que, até onde pude ver, não têm a ver directamente com a gnoseologia. Em duas dessas vezes aparece a expressão «credulitas cordis» («credulidade/crença do coração»), da qual S. Tomás diz que «pertence à verdade da fé», juntamente com a confissão externa («Sed ad fidei veritatem non solum pertinet ipsa credulitas cordis, sed etiam exterior protestatio». [II-II, q. 124 a. 5; cfr. II-II q. 12 a. 1 ad 2]). Portanto...
Caros Luís e Alef
Obrigado pelas longas respostas à minha resposta. Aqui vão algumas respostas apenas.
Luís, o gráfico está correcto, porque a ideia de S. Tomás é que há duas formas distintas de aceder à verdade: pela fé e pelo conhecimento. A fé partilha com o conhecimento a fenomenologia: envolve uma forte convicção. Mas não é conhecimento porque a fé carece de justificação.
O gráfico representa tudo isto:
1) Mera crença, verdadeira ou falsa, sem fé nem conhecimento.
2) Conhecimento, que é uma forma de crença verdadeira e justificada, podendo ou não ter mais características.
3) Fé, que é uma forte convicção sem justificação na verdade de uma proposição.
Não há outra maneira de representar isto. A fé não pode ser crença justificada, porque então seria conhecimento. Claro que podemos defender essa teoria sobre a fé, mas não é essa a doutrina tradicional que está a ser apresentada. E essa doutrina não faz sentido porque tornaria o fideísmo uma doutrina incompreensível. Se vamos definir a fé tem de ser de modo que não exclua à partida algumas teorias como absurdas.
Alef, o que Tomás quer dizer na passagem citada é que o nosso objectivo não é a mera apropriação de enunciados: queremos chegar às realidades que esses enunciados representam. Uma pessoa tem fé que a frase “Deus é trino e uno” é verdadeira, por exemplo. O que Tomás afirma é que o objectivo disto é vir a conhecer esta realidade representada pela frase — a frase não interessa grande coisa. Só que a verdade da frase não pode ser conhecida em vida. Só podemos aceitá-la por fé, por via da revelação.
Tomás tem uma visão complementar entre a razão e a fé. Considera que são duas formas diferentes e complementares de chegar à verdade, que não entram em conflito. Ao contrário dos fideístas, que consideram que tem tanto mais valor a fé quanto mais negar tudo o que sabemos por via racional. Isto significa também que Tomás considera, como muitos outros filósofos, que a fé ajuda a razão a chegar a verdades que de outro modo não chegaria.
Quanto ao seu desprezo pelos argumentos racionais a favor da existência de Deus, essa é a posição fideísta que é hoje em dia muito popular, mas que não é a posição de Tomás. Na verdade o fideísmo é dificilmente coerente, sobretudo na versão radical de Kierkegaard, que parece ser a sua também. A posição de Kierkegaard é apresentada e discutida no manual.
Claro que há uma diferença entre crer em deuses (fé como confiança) e crer que esses deuses existem (fé proposicional). Mas é a segunda que é tipicamente estudada em filosofia e não a primeira, pela razão que expliquei: não é possível crer em deuses sem crer ao mesmo tempo que existem. Ao escolher o que se inclui num manual é necessário colocar o que é filosoficamente central, o que é mais discutido e filosoficamente relevante, caso contrário estaremos a dar ao estudante uma imagem falseada da disciplina.
Quanto ao texto de Grayling, não consta do manual. Está apenas no site como texto complementar, juntamente com muitos outros. Um manual deve dar a conhecer aos estudantes as diversas posições existentes. Usamos textos de Anselmo, Kierkegaard, Tomás e outros filósofos crentes — mas também temos de dar a conhecer aos estudantes as críticas, tanto clássicas como contemporâneas, que se faz à religião.
Caro Desiderio:
Obrigado pela resposta.
1) Continuo a considerar arbitrária a divisão entre «fé como confiança» e «fé proposional», centrando exclusivamente a atenção sobre a segunda. S. Tomás não corrobora essa divisão e eu acho-a muito pobre, porque não corresponde àquilo que é determinante na fé. Certamente não faz o mesmo no campo da Estética ou outros campos que, tal como a fé, são do campo da experiência humana. Ora, a fé não é um mero conjunto de proposições, mas uma experiência. Não é legítimo mutilar um fenómeno humano desta envergadura, fazendo dele uma caricatura para depois tratar a parte pelo todo. Claro, desta forma é mais fácil «desfazer-se» dele, mas não me parece muito correcto. Curiosamente, nessa noção de «fé proposicional» o fideísmo acaba por funcionar algo como «couves à merenda». Ora, é possível em filosofia tratar do tema da fé sem estas separações artificiais (melhor, exclusões), e, portanto, com maior rigor.
A justificação dada por si de que é a «fé proposicional» a que é tipicamente estudada em filosofia não me parece responder cabalmente à minha objecção. Basta pensar que há filósofos que estudam a fé de uma forma muito mais global e certeira. Por outro lado, como bem sabe, em filosofia há sempre lugar para a revisão. Durante cerca de 25 séculos a filosofia viveu na dicotomia entre sentir e inteligir… Nos últimos tempos tem-se tentado sair deste dualismo não devidamente justificado. Portanto, não vejo por que razão o filósofo tem que «mutilar» o fenómeno da fé com o pretexto de o estudar, tomando a parte pelo todo e fazendo depois generalizações falseadoras.
2) Talvez eu não me tenha explicado bem (?), mas parece-me um absurdo que depois de todos os comentários que fiz neste «blogue» eu fosse retratado como fideísta. Não o sou e explico o que escrevi antes. Escrevi: «Eu posso rejeitar todas as «cinco vias» ou outros argumentos da existência de Deus sem que isso abale a minha fé e sem que caia no fideísmo». Note bem: se um crente rejeitar as «cinco vias» como provas racionais da existência de Deus, isso não implica automaticamente o fideísmo! Relembro a correcção que fiz ao «post» relativamente ao fideísmo. Eu disse que posso rejeitar as «cinco vias» ou outros argumentos sem cair no fideísmo. Não disse «todos os outros argumentos» ou que a razão não tem qualquer papel no acesso à verdade. Isso, sim, seria fideísmo. E, de facto, já indiquei um modo racional de abordar o problema de Deus quando falei do fundamento. A própria definição de fé que apresentei aqui (que não foi inventada por mim, evidentemente) inclui a racionalidade, nada tem de fideísmo (e volto a lembrar que não existe fideísmo moderado).
De facto, as cinco vias não provam cabalmente nada, porque, mesmo que as usemos, no final temos de provar que aquilo a que chegamos é Deus. Contudo, isto não significa que eu as despreze. De facto, não as desprezo, apenas não creio que elas levem por si só à fé que S. Tomás vivia. Ou seja, o salto da fé é sempre necessário. Não são, pois, «provas» em sentido próprio. Mas só me faltava agora ser etiquetado de fideísta! Como disse anteriormente, o fideísmo surge como reacção aos excessos do racionalismo (não é simétrico ao ateísmo, pois simétrico ao ateísmo é o teísmo e/ou o deísmo).
Em todo o caso, creio que se abusa destas etiquetas e às vezes fico com uma péssima impressão de certos filósofos ateus, que tratam dos assuntos de fé não apenas com desprezo, mas sobretudo com uma argumentação paupérrima, de descuidada conversa de café, com um desconhecimento quase total daquilo de que falam. O caso do texto de Grayling é bem evidente. [Eu tinha notado que é um texto de apoio, mas este texto não apoia nada; creio haver textos críticos bem melhores que este, porque este não é sério.]
3) Há um outro tema que me parece importante, embora «adjuvante». Embora a filosofia da religião não seja exactamente o mesmo que a fenomenologia das religiões e, obviamente, não se confunda com a teologia, parece-me que a definição de fé com que o Desidério trabalha, além de não ir ao centro da questão, não dá conta de fenómenos fundamentais como a questão da conversão. A conversão não é a mera adopção inesperada de umas tantas proposições. Nem tem nada a ver com negar a razão. A fé é primariamente experiência, e a conversão é sempre uma experiência de enorme densidade na fé, tanto ou mais experiência que a experiência estética… Usar uma definição de fé que não dê conta deste importante fenómeno é mais uma mostra da sua debilidade.
4) Continuo a não encontrar essa trilogia crença-fé-conhecimento ou a noção de «forte convicção» em S. Tomás. Poderia dar-me alguma citação ou referências concretas? Muito obrigado!
Alef
Caro Desidério,
«o gráfico está correcto, porque a ideia de S. Tomás é que há duas formas distintas de aceder à verdade: pela fé e pelo conhecimento.»
Primeiro, o gráfico não está caracterizar a concepção de ST mas sim a concepção do autor do texto. Eis a parte do texto original que o prova:
«as seguintes proposições, representadas também no gráfico, esclarecem o conceito de fé, relacionando-a com a crença e o conhecimento»
De notar que a expressão “conceito de fé” nem não se refere ao conceito de ST nem é anafórica com relação a esse conceito. Portanto, não vale a pena pôr paninhos quentes e tentar salvar o texto desta forma.
Segundo, dizes:
«O gráfico representa tudo isto:
1) Mera crença, verdadeira ou falsa, sem fé nem conhecimento.»
Já expliquei e repito, e tu sabes melhor do que eu, que não há crença que seja “mera crença”, isto é, que não seja justificada ou injustificada. E, a limite, não há proposições que sejam outra coisa que verdadeiras ou falsas. Assim temos:
Fé é CFnãoJust ou CVnãoJust
Conhecimento é CVJust
Não há uma terceira hipótese relativamente à caracterização de crenças. E mesmo que o gráfico quisesse expor graus de convicção, ou valores de verdade, independentemente do seu estatuto justificativo, onde está isso no gráfico? O gráfico está errado, e não é pouco. Além de simplório é simplista. Nem sequer explica convenientemente as três teses que se propõe explicar (que o antecedem no texto), quanto mais o resto.
Abraço
Luís E Rodrigues
O gráfico não me parece problemático, ou seja, não me parece que C(V ou F)não J e CVJ esgotem o campo das crenças possíveis. Existem ainda - o que determina a maior extensão do círculo das Crenças - crenças falsas justificadas (por exemplo, a teoria ptolomaica dos epiciclos).
Crenças falsas justificadas é coisa que não há, pois se a crença é falsa não pode estar justificada. Não confundir crença falsa justificada com proposições acreditadas falsas para as quais o agente tem uma espécie de justificação, que é o seu exemplo da teoria ptolomaica dos epiciclos, e é algo completamente diferente. Dai que o gráfico está mal sim senhor.
Claro que se pode dizer que há crenças (atitudes) que não têm como alvo uma proposição e tal e tal..., mas isso é outra conversa que não estava a ser considerada no artigo.
Pode talvez ainda haver CVnãoJ, mas é dividoso dizer que uma crença é verdadeira e que não está justificada, pois implica um posicionamento cognitivo estranho por parte do agente da crença e uma dose enorme de sorte, isto já para não falar que é difícil perceber se alguém pode alguma vez ter uma CV não justificada sem o saber e portanto sem estar justificada. Mas isto são outros "quinhentos".
Luís
1- Posso, por exemplo, crer que não tenho hepatite, antes de saber o resultado do teste clínico que justificará a minha crença, admitindo que ela é verdadeira - tenho portanto, nessa circunstância, uma CV não J.
2- Recorrendo agora a um exemplo mais corriqueiro do que o dos epiciclos: os homens acreditaram durante milénios que a terra era o centro fixo do universo, com base na justificação bastante plausível de que não sentiam o movimento terrestre e de que "viam" o movimento do sol e dos planetas em torno da terra - claramente uma CFJ.
As justificações não precisam de ser verdadeiras para serem "boas", basta que sejam plausíveis, ou seja, apoiem credivelmente uma dada crença, seja ela verdadeira ou falsa. Voltando à teoria dos epiciclos: ela era uma teoria falsa que justificava com alguma plausibilidade todo um sistema de crenças que hoje sabemos ser falso.
É claro que não pode haver CFJ, ou sequer CF, na 1ª pessoa - ninguém acredita que é falso aquilo em que acredita! Mas isso é outra história.
Ponto 1 – Num qualquer momento T em que não está justificada, a crença de que tem hepatite não é verdadeira nem falsa. Em sentido estrito, o que é verdadeiro ou falso em T é a proposição “Eu tenho hepatite”. Só depois de estar devidamente justificada é que se pode dizer que a crença é verdadeira, embora fosse mais sensato dizer que a crença se adequa à verdade da proposição, o que não é bem a mesma coisa. (Isto também vale se se adoptar uma perspectiva externalista da justificação, mas não vou entrar agora no tópico).
O importante é que CV não-J é um tipo de crença que está incluído no círculo que no gráfico representa a fé. Assim é, porque o artigo diz que fé é crença não-J. Portanto, como CV não-J pertence ao conjunto das crenças não justificadas, não há hipótese de esse tipo de crença estar no resto do gráfico, formando assim o putativo círculo exterior de crenças – que, segundo o texto, têm esta formidável, mas impossível, julgo eu, propriedade nem de estarem justificadas nem de não estarem.
Ponto 2
«As justificações não precisam de ser verdadeiras para serem "boas", basta que sejam plausíveis, ou seja, apoiem credivelmente uma dada crença, seja ela verdadeira ou falsa. Voltando à teoria dos epiciclos: ela era uma teoria falsa que justificava com alguma plausibilidade todo um sistema de crenças que hoje sabemos ser falso»
Vamos lá ver se percebemos isto de uma vez por todas. Uma crença estar justificada, caso em que a justificação garante a verdade da proposição acreditada, é diferente de se ter uma justificação insuficiente para uma crença, caso em que a putativa justificação não garante a verdade da proposição acreditada. Se uma proposição SEMPRE FOI, È, e SEMPRE SERÁ FALSA (o caso das teorias que apresenta), como é possível uma crença nessa proposição ter estado, estar, ou vir alguma vez a estar justificada? Não é possível. Uma CFJ é uma estupidez conceptual, já Platão o sabia quando dizia que não se podiam saber falsidades. Se uma crença estiver justificada não pode ser falsa, e conversamente. É tão simples quanto isso.
Não há cá mais ou menos justificação, justificação plausível ou implausível, etc. Há justificação ou não justificação. Justificação é um termo de valor. Se as razões que constituem a justificação são iguais ou maiores a 1, e se 1 é o mínimo exigível para a proposição acreditada estar ou ser garantida como verdadeira, então a proposição acreditada é verdadeira e crença está justificada. Se o valor é inferior a 1, a crença não está justificada, a proposição é falsa, e é um erro conceptual e epistémico dizer que o está.
Pode talvez objectar-se (antecipando) que uma crença X pode não estar justificada no momento T por não estar disponível para S, ou S(s), em T uma justificação, J, para garantir a verdade da proposição, P, acreditada. Pode então dizer-se que J para confirmar a verdade de P e justificar X surge depois num momento T*, por exemplo. Mas isto vai dar ao mesmo, pois se a proposição acreditada por X em T for irrecuperavelmente falsa, como o são certas teorias científicas que foram refutadas por serem falsas, S nunca terá tido nem nunca virá a ter uma justificação para P, nem em T nem em T(+ infinito....). Logo, a crença falsa X de S em T será sempre não justificada, i.e., nunca haverá J para justificar X.
Um exemplo. Tome-se a seguinte fórmula falsa da aritmética, 2+2=5, e dê-se essa fórmula ao agente, S, racional e capaz de obter conhecimento. S acredita que a fórmula é verdadeira porque os deuses assim o disseram (as pseudo justificações podem até ser qualquer coisa mais plausível, do género, o “5” denota o “4”, por exemplo), a justificação de S para a verdade da fórmula, embora não saiba fazer contas. Vê-se então que S não está, nem nunca estará, justificado em acreditar em 2+2=5, pois acredita numa falsidade, e falsidades não podem estar justificadas.
Isto vale não apenas para proposições necessárias mas também para proposições contingentes. Se uma teoria é falsa no mundo actual, ela não pode ser agora falsa e depois verdadeira. Ela pode é ser *considerada* falsa num determinado momento e depois descobrir-se que afinal era verdadeira, ou conversamente. Mas as teorias são ou não falsas, e se o forem não podem estar justificadas. Crenças falsas justificadas, no sentido que a Elisa dá, são meras crenças falsas injustificadas. Não há quimeras.
Caro Luís e Elisa,
A Elisa tem toda a razão no que diz. Aliás, hoje em dia todos os filósofos aceitam a existência de crenças falsas justificadas. Na verdade, acho que sempre aceitaram tal coisa, mesmo Platão. Afinal, se a justificação fosse suficiente para garantir a verdade, a definição clássica de Platão, não seria tripartida mas sim bipartida. Ou seja, bastaria ter crença justificada para ter conhecimento. Mas Platão bem viu que também precisamos da verdade, pois como a Elisa disse e bem, podemos ter crenças falsas justificadas. E isto é algo completamente pacífico. O exemplo da Elisa mostra isso claramente. Julgo que a confusão do Luís é o facto de confundir justificações epistémicas (o apoio racional que temos para a creditar em algo) com aquilo que se poderia chamar de justificações metafísicas (o que torna uma proposição V). A justificação epistémica não garante a verdade daquilo que se acredita.
Outra coisa que é hoje em dia pacífica (mas neste caso, nem sempre o foi) e que o Luís ao longo dos vários comentários parece não compreender é a ideia de que podemos ter uma crença justificada sem saber articular a justificação. Por exemplo, uma criança sabe que o leite está na mesa, mas é incapaz de justificar a sua crença. Contudo, ela está justificada com base na sua percepção do leite.
O Luís diz: “Volto a dizer que isto é FALSO! S pode acreditar em P, P ser verdadeira, e S ter a justificação correcta para crer em P (o que é conhecimento, pela definição apresentada no artigo), e não saber que a tem. Apesar disto, S pode acreditar que P é verdadeira, repito, sem ter disponível a justificação que tem para P (o que é um acto de crença não justificada, isto é, de fé).”
Aqui está um exemplo da confusão recorrente nos comentários do Luís. Esta passagem não faz grande sentido, Luís, pois daqui segue-se que uma pessoa está e não está justificada a acreditar em p. Se a pessoa está justifica é porque, obviamente, tem a justificação. O que se passa é que uma pessoa pode estar justificada sem saber explicar ou articular a sua justificação. Na verdade, isso é o que acontece na maior parte dos casos. Tyler Burge (1993)“Content Preservation” in The Philosophical Review, apresenta o tratamento clássico dessa distinção, apesar de esta já aparecer implícita em muitos epistemólogos antes dele. Mas basta pensar um bocado para ver que é assim. Nós estamos justificados a creditar que dois mais dois são quatro, mas quase ninguém é capaz de articular a justificação que apoia essa crença.
Cara Célia
Pacífico? Em filosofia? Não estou a ver. Muito menos sobre estes assuntos. Há realmente um mito de que não há CFJs, mas os mitos existem para serem quebrados, para mais quando não fazem qualquer sentido.
Mas vamos o que interessa.
É falso que Platão aceitava CFJs. Se fosse esse o caso, ele concordaria certamente que todos os sofistas da sua época teriam crenças justificadas. Mas certamente que Platão não concordava com isso. É preciso dizer mais?
«Afinal, se a justificação fosse suficiente para garantir a verdade, a definição clássica de Platão, não seria tripartida mas sim bipartida. Ou seja, bastaria ter crença justificada para ter conhecimento. Mas Platão bem viu que também precisamos da verdade,»
Viu bem porquê? Há quem coloque a hipótese de, quando vistas do ponto de vista epistémico, a verdade e a justificação serem redundantes. Qual é o problema? Se S estar justificado em P garante a S que P é o caso, qual é o problema? Podem guisar a verdade e comê-la com batatinhas, pois, se for assim, verdade é um conceito inócuo.
«pois como a Elisa disse e bem, podemos ter crenças falsas justificadas.»
Não podemos nada ter CFJs. Podemos é ter CF não-just ou CF pseudo justificadas. Já expliquei porquê.
«A justificação epistémica não garante a verdade daquilo que se acredita»
A justificação epistémica tem uma função de valor. Já expliquei isso. Se adoptarmos uma concepção de conhecimento (por exemplo, Williamson 2001) em que a justificação seja uma função para valores, o que me parece correcto, a justificação epistémica tem de garantir a verdade daquilo em que se acredita, pois só é justificação se for igual ou superior a um determinado valor.
«Outra coisa que é hoje em dia pacífica (mas neste caso, nem sempre o foi) e que o Luís ao longo dos vários comentários parece não compreender é a ideia de que podemos ter uma crença justificada sem saber articular a justificação.»
Isso então é que não é mesmo nada pacífico. Alguns defensores do internalismo (Por exemplo, Bonjour) com respeito à justificação, ie, quem defende que o acesso consciente àquilo que justifica uma crença é necessário para o agente estar justificado em acreditar no que acredita, não aceitam de todo essa ideia de que não é necessário saber articular a justificação para estar justificado.
«Por exemplo, uma criança sabe que o leite está na mesa, mas é incapaz de justificar a sua crença. Contudo, ela está justificada com base na sua percepção do leite»
Não está justificada coisa nenhuma. Usando o mesmo raciocínio, que usa a perspectiva ignorante da 1ª pessoa da criança, a criança vê um copo cheio de um pó branco misturado com água, que dá à criança uma percepção igual ou indistinguível da do leite, e ela está justificada em acreditar que está leite na mesa, isto porque a sua percepção lhe indica isso. Com franqueza.
Alguns epistemólogos consideram hoje em dia a responsabilidade epistémica uma condição necessária para se saber algo. Ninguém, com juízo, aceita pseudo-conhecimento assente em palpites sortudos ou infantis.
«O Luís diz: “Volto a dizer que isto é FALSO! S pode acreditar em P, P ser verdadeira, e S ter a justificação correcta para crer em P (o que é conhecimento, pela definição apresentada no artigo), e não saber que a tem. Apesar disto, S pode acreditar que P é verdadeira, repito, sem ter disponível a justificação que tem para P (o que é um acto de crença não justificada, isto é, de fé).”
Aqui está um exemplo da confusão recorrente nos comentários do Luís. Esta passagem não faz grande sentido, Luís, pois daqui segue-se que uma pessoa está e não está justificada a acreditar em p.»
Não se segue nada, Célia. Leia por favor com atenção e veja o que está dito. Um exemplo do que está dito:
i) S acredita que ganhou o euromilhões;
ii) ii) é verdade que S ganhou o euromilhões, pois S tem em casa o talão com os números vencedores;
iii) iii) S passa em frente de uma TV e vê a combinação vencedora.
Certo? S acredita que P (i), P é o caso (ii), e S tem a justificação – correcta – para a sua crença em P (iii). Mas S não sabe que P porque, suponha-se S não se lembra da chave que está no bilhete que tem em casa, e, não podendo compará-la com a que viu na TV, nada feito. Certo?
Agora, o que eu queria dizer na passagem que Célia citou é que, a aceitar-se as definições dadas no artigo (sobre a fé), há casos de fronteira em que não é possível decidir – só com base nas definições dadas – se estamos perante conhecimento ou fé. E mantenho, pois nada do que me disseram até prova o contrário.
«O que se passa é que uma pessoa pode estar justificada sem saber explicar ou articular a sua justificação.»
Voltamos ao mesmo. Isto é falso pelas razões que apontei acima. Isto só é plausível se aceitarmos o externalimso, o fiabilismo e muita outra maquinaria que tem inúmeros problemas e sobre a qual há normalmente muitas objecções. Se quiser, podemos discutir isso.
«Na verdade, isso é o que acontece na maior parte dos casos.»
Esses são casos em que não se pode aceitar que o agente da crença está justificado, pelas razões apontadas.
«Mas basta pensar um bocado para ver que é assim. Nós estamos justificados a creditar que dois mais dois são quatro, mas quase ninguém é capaz de articular a justificação que apoia essa crença.»
Brincamos? Ninguém é capaz de articular a justificação? Quer ver: 2+2=4 é uma verdade (necessária) da aritmética. Quer melhor? Mas se tem dúvidas, pergunte a um calceteiro que ele faz-lhe uma demonstração: põe duas pedras ao lado de outras duas e diz: “Vê? Dois mais dois são quatro”. A justificação dele ainda é melhor que minha. O que ele não teria era justificação para dizer-lhe “vê? Dois mais dois são cinco”, pela simples razão que a sua crença seria falsa e não há crenças falsas justificadas – repito o que disse à Elisa: são quimeras.
A fé não pode ser compartimentada na dimensão cognitiva que perpassa os textos, sem bem que há laivos (mesmo em posições opostas) da sua estruturação, significação para o homem, e alcance.
Creio que o cerne da questão, no que à fé concerne como experiência total do homem, aponta para o seguinte:
1. a fé alimenta-se da necessidade de justificação no homem (de que a ciência é epítome, mas certamente não epílogo).
2. essa necessidadé é tão forte, refinada, e ao mesmo tempo defraudada (e é assim que a ciência evolui) que produz a "forte convicção" de que a Verdade está lá, à espera, sem que estes de cá (os homens do epílogo científico) a possam divisar.
3. este poder enorme está contido, reservado, é prerrogativa dos homens de fé, mas é a ciência que, ultimamente, tendo em conta a longa história do homem, tem alimentado a Verdade da ausência definitiva da verdade (pois como Popper diria, se estivesse aqui, uma coisa é comprovar uma teoria outra confirmá-la, ou seja, uma coisa é saber qual o padrão da verdade científica - correspondência do enunciado aos factos -, outra da existência de critérios inteiramente seguros para descobrir se em todas as situações o enunciado corresponde efectivamente aos factos (dá mesmo para dizer: "enquanto o homem falhar, a Verdade que contempla as verdades triunfará").
Mas quem triunfa? O homem que se torna espectador de si mesmo, e mesmo assim espera, um dia, poder fingir do Deus-Criador e ser espectador-criador deste espectador de si que é hoje? Talvez. Por isso, e dando um salto de gigante, que se faz tarde, o mundo virtual é tão apetecível. Pela primeira vez na história o homem pode contemplar a sua criação, sem que esta tenha a mínima noção da existência do Criador. O mundo virtual futuro é o derradeiro panegírico à nossa existência na hesitação, no desconhecimento e apalpação da verdade. Só que em vez da fé, o homem resolve puxar dos galões, fazer de Deus. Onde isto nos levará? Só Deus sabe...
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