segunda-feira, 9 de abril de 2007

FÍSICA E POESIA 2


A pedido de várias famílias regresso ao tema de física e poesia. A poetisa portuguesa Adília Lopes, nascida em 1960, estudou Física na Universidade de Lisboa, embora não tenha concluído o curso (mudou-se para um curso de letras). Ela é uma das vozes mais originais da moderna poesia portuguesa. As opiniões dividem-se: ou se gosta ou se detesta. Ora eu não destesto!


Escolhi o poema "Memórias das Infâncias" porque ele contém não apenas a palavra "entropia", que é da Física, mas também porque ilustra de um modo único a Segunda Lei da Termodinâmica, segundo a qual a entropia aumenta num sistema isolado, isto é, o futuro é diferente do passado, pelo que o tempo não pode ser invertido.



Memórias das Infâncias


Gostávamos muito de doce de framboesa

e deram-nos um prato com mais doce de framboesa

do que era costume

mas

a nossa criada a nossa tia-avó no doce de framboesa

para nosso bem

porque estávamos doentes

esconderam colheres do remédio

que sabia mal

o doce de framboesa não sabia à mesma coisa

e tinha fiapos brancos

isso aconteceu-nos uma vez e chegou

nunca mais demos pulos por ir haver

doce de framboesa à sobremesa

nunca mais demos pulos nenhuns

não podemos dizer

como o remédio da nossa infância sabia mal !

como era doce o doce de framboesa da nossa infância !

ao descobrir a mistura

do doce de framboesa com o remédio

ficámos calados

depois ouvimos falar da entropia

aprendemos que não se separa de graça

o doce de framboesa do remédio misturados

é assim nos livros

é assim nas infâncias

e os livros são como as infâncias

que são como as pombinhas da Catrina

uma é minha

outra é tua

outra é de outra pessoa


In – Adília Lopes –OBRA – O Decote da Dama de Espadas, pag. 107, Ed. Mariposa Azul, Lisboa 2001

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