quinta-feira, 5 de abril de 2007
CIÊNCIA, ESCOLA E SOCIEDADE
As tecnologias à nossa volta têm evoluído a um ritmo espantoso: por todo o lado há computadores, telemóveis, etc. É evidente que a escola tem alguma dificuldade em lidar com a evolução científica e tecnológica. As tecnologias da informação estão arrumadas no “guetto” das TIC (que sigla!) e os computadores nas “salas dos computadores”. E parece que tudo isso caiu dos céus aos trambulhões... Por exemplo, não fica claro que actualmente a tecnologia vem da ciência. A física moderna, que é a grande responsável pelas novas tecnologias, aparece nos currículos tarde e a más horas. A escola portuguesa, invadida pelo eduquês, não tem conseguido disseminar de forma ampla e consequente nem a ciência nem o espírito científico que fazem as sociedades modernas.
A escola devia preparar os jovens não tanto para o mundo de hoje, que é já ontem, mas para o mundo de manhã, que é já hoje. Mas, descontadas as notáveis excepções (fruto do esforço de muitos professores, num clima bastante adverso!), a nossa escola não tem sido bem sucedida nesse desígnio: para além da informática avulsa e desligada da ciência, encontram-se no ensino das ciências conceitos e leis sortidas, caídas sabe-se lá donde, em vez da experimentação que é o cerne da atitude científica.
O problema com a aprendizagem das ciências é geral, mas mais evidente nas ciências básicas: Matemática, Física e Química. Indicadores internos negativos são os exames finais do secundário. Mas também os indicadores externos mostram graves deficiências, nomeadamente os testes de literacia científica realizados a adolescentes de um conjunto de países da OCDE.
Isto não vai lá com mais do mesmo, com mais eduquês! A escola devia "casar-se" com a ciência, dando a esta a importância que ela já tem na vida de todos nós. Devia haver mais tempo para a experimentação. Devia também colocar ao serviço das várias ciências – e, de resto, de outras disciplinas, como o português, a filosofia, etc. - o manancial das novas tecnologias, em vez de pensar que estas são um fim em si mesmas. O Ministério da Educação ao introduzir disciplinas obrigatórias de TIC apontou no mau sentido e ainda não emendou a mão. Esse tempo é retirado a disciplinas como a Física e a Química que – pasme-se! – passaram a ser facultativas para os alunos do secundário em cursos de ciências. Com esse e com outros "tiques" do mesmo género está a desperdiçar-se energias e talentos, tanto de alunos como de professores. Quando se está à beira do abismo não se pode dar um passo em frente...
Além de melhorar o ensino das ciências nas escolas, é também necessário aumentar os nossos níveis de cultura científica. Se ciência e escola são indissociáveis, ciência e cultura são-no igualmente. Se há um século o problema das sociedades menos desenvolvidas era a iliteracia, hoje o problema dessas sociedades é a iliteracia científica. Um cidadão de hoje e, ainda mais, um cidadão de amanhã, tem de possuir um conhecimento mínimo do mundo e ter uma ideia do modo como se adquire esse conhecimento. Entre nós o programa "Ciência Viva" tem apontado no bom sentido e só é pena que a escola não siga o seu exemplo. Só de posse da cultura científica é que a sociedade poderá lidar com alguns dos riscos que a atormentam e enfrentar os novos desafios!
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8 comentários:
Infelizmente em algumas escolas portuguesas ainda persiste a ideia estranha de que cultura e ciência são opostos contraditórios. O projecto educativo da minha escola está subordinado à ideia de uma sociedade do conhecimento, o que causou a oposição de alguns membros da assembleia de escola com a argumentação estranha de que se estava a dar demasiada importância à instrução e pouca à cultura. Tenho uma profunda dificuldade em perceber esta dissociação. Como argumenta, o conhecimento científico é absolutamente fundamental para a compreensão do mundo e parece-me um absurdo não perceber o carácter formativo de todo o conhecimento científico, tal como é formativa a leitura de qualquer obra clássica de literatura. Como mostra Carl Sagan em “Um mundo infestado de demónios” ou Dawkins em “Desvendando o arco-íris”, o conhecimento científico é uma arma fundamental de libertação dos obscurantismos, da ignorância supersticiosa em que tantos seres humanos se deixam enredar (tal como vem mostrando ao fazer a denúncia das revistas absurdas que por aí proliferam).
Quanto às TIC, por aquilo que posso observar, muitos alunos necessitam mesmo de uma educação formal em TIC. Mas, tal como aponta o relatório de avaliação de implementação da reforma do ensino secundário, esse ensino deve ser remetido para os anos iniciais do ensino básico. Em contrapartida, esse mesmo relatório advoga maior número de horas lectivas para as disciplinas científicas. Já não me parece consensual a recomendação do aumento do número de horas lectivas para as disciplinas das ciências da natureza e que não haja igual recomendação para as ciências sociais e humanas.
Quanto à afirmação de que as disciplinas científicas passaram a opcionais nos cursos de ciências, não sei bem o que pretende afirmar com isso. No 12º ano sempre foram opcionais, correspondendo, assim, a uma especialização dos interesses e dos percursos académicos dos alunos.
Maria Rodrigues.
"A física moderna, que é a grande responsável pelas novas tecnologias"
Bem, cada um puxa a brasa à sua sardinha. Mas a matemática poderia dizer o mesmo.
Olá, Maria
Penso que identificou correctamente uma das confusões de muito do pensamento pedagógico do ministério: a separação entre ciências e as chamadas humanidades, para não falar das artes. É a velha questão das duas culturas do C. P. Snow.
Entende-se erradamente que a cultura ou a formação global do estudante é algo independente da sua formação em ciências da natureza e matemática, e estas são entendidas exclusivamente como instrumentos tecnológicos e económicos.
O que faz falta é uma concepção integrada das artes, das humanidades, das ciências, da matemática e da filosofia como valores fundamentais que valem por si e em si, sem desprezar todas as suas aplicações, como factores fundamentais da formação integral dos seres humanos.
Eu percebo o comentário do CA, mas parece-me que o comentário acaba por ser deslocado pelo menos em parte.
A título de exemplo posso dizer que tenho tido extrema dificuldade em encontrar livros de exercícios para os novos programas de Física do 12º ano. Já corri à vontade 10 livrarias da grande Lisboa e não encontrei um unico livro de exercícios de física de acordo com o programa que entrou recentemente em vigor ... não será sintomático?
A frase citada pelo CA remete para uma reflexão que é importante fazer com urgência. Qual deve ser o programa das ciências exactas no ensino secundário?
Antes de discutir o ensino da física moderna gostaria de deixar claro que para mim não faz sentido ensinar física moderna sem ensinar os tópicos centrais da física clássica: mecânica, magnetismo e electricidade. Sei que dizer isto não é sexy, mas pelo menos numa coisa acho que estamos todos de acordo o eduquês é uma maré contra a qual é preciso lutar.
Acresce que a física moderna faz de facto parte dos actuais programas do 12º ano de física (falo destes porque são os que conheço melhor) e consta de três tópicos:
* Relatividade restrita de Einstein
* Mecânica Quântica
* Física nuclear
No meu entender a física nuclear não oferece problemas de maior, mas como é possível conciliar o ensino da Relatividade restrita e da mecânica quantica com as reflexões que o Desidério Murcho faz lá em cima relativamente às mudanças dos programas?
O caso da mecânica quantica é talvez o mais sintomático. Investe-se na preparação dos alunos para resolverem um conjunto relativamente restrito de exercícios numéricos (essencialmente efeito fotoeléctrico) e tudo o resto acaba por ser um apanhado da forma como os conceitos principais da mecânica quantica surgiram historicamente. Será boa ideia pedir a professores e alunos que invistam o seu tempo desta forma, ou seria melhor investir esse tempo no aprofundamento dos tópicos centrais da física clássica (mecânica, magnetismo e electricidade)?
O luis disse em cima "extrema dificuldade em encontrar livros de exercícios para os novos programas de Física do 12º ano. Já corri à vontade 10 livrarias da grande Lisboa e não encontrei um unico livro de exercícios de física de acordo com o programa que entrou recentemente em vigor ... não será sintomático?"
realmente é sintomático , da qualidade e vontade dos professores , se não houver um livro de exercicios não se pode fazer exercicios , os alunos passam o ano á espera de um livro , será assim ??
em vez de percorrer 10 livrarias se aproveitasse esse tempo para inventar uns exercicios e tirar umas fotocópias para os alunos não era mais fácil, ou sabemos o que estamos a ensinar ou então estamos dependentes dos livros aparecerem ou não.
Cara Maria Rodrigues
Agradeço o seu comentário. Cito-a:
"Quanto à afirmação de que as disciplinas científicas passaram a opcionais nos cursos de ciências, não sei bem o que pretende afirmar com isso." Acrescentei o nome das
disciplinas de Física e Química.
De facto são opcionais hoje no secundário nos cursos de ciências
quando deviam ser obrigatórias.
Veja, por exemplo, a posição do secretário da Sociedade Portuguesa
de Química
http://www.spq.pt/noticia_desenvolvimento.asp?id=104
Também o Presidente da Sociedade
Portuguesa de Física já se pronunciou contra essa aberração.
Nos países mais desenvolvidas a
Física e a Química são obrigatórias
no secundário para os alunos de
ciências, tal como a Matemática,
por todas essas serem ciências básicas.
Caro CA
Cada um puxa a brasa à sua sardinha e eu puxo a brasa à minha. Mas há muita
gente que não tem a minha sardinha e
puxa a brasa para ela, nomeadamente
os engenheiros que criaram e criam os computadores e que sabem que a física
está por detrás destes. O transístor
é uma invenção da física fundamental
nas chamadas novas tecnologias.
Caro Carlos
A física é fundamental no hardware mas a matemática é fundamental no software. Turing e a teoria da computação, a teoria matemática da comunicação de Shannon e a análise de Fourier são apenas três exemplos da matemática incontornável nas novas tecnologias.
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