domingo, 2 de maio de 2010

Ainda "O Manifesto para a Educação da República" (I)

“A principal esperança de uma Nação reside na educação apropriada da sua juventude”
(Erasmo de Roterdão, 1469-1536).

Neste blogue, Carlos Fiolhais reproduziu o texto do “Manifesto para a Educação da República”, recordado por Guilherme Valente, um dos seus destacados mentores, na intervenção televisiva no “Plano Inclinado”, na noite do passado sábado.

Em igual altura, Helena Damião, em post intitulado “Reacção Sindical ao Manifesto”, critica a Fenprof no ataque aquilo que esta designa como ensino elitista (como se o ensino se devesse destinar, apenas, a massificar a ignorância), transcrevendo integralmente a posição pública assumida por esta federação docente que termina num oferecimento de colaboração com os autores do referido manifesto, mas que soa a falso por tudo (ou quase tudo), quanto aí é recriminado, ter merecido o aplauso e o evidente desvelo sindical.

Pela importância deste manifesto, uma pedrada no charco em que se debatia (e debate) o ensino nacional, numa série de conferências realizadas pelo Sindicato Nacional dos Professores Licenciados na cidade do Porto, abordei esta temática que intitulei “O Manifesto para a Educação da República e a Formação dos Professores”. Dada a extensão do texto, divido-o em duas partes, transcrevendo, por ora, a primeira parte:

“Que melhor moldura para a discussão da actual política educativa portuguesa que esta Cidade Invicta, berço de Ramalho Ortigão que, de parceria com Eça, farpeou a instrução pública do seu tempo por considerar que a Tolice Humana tinha cabeça de Touro?

Volvido mais de um século, corria o ano de 1996, perante a teimosia do governo em alargar às escolas superiores de educação a preparação de docentes do 3.º ciclo [era então secretária de Estado da Educação, Ana Benavente], fizeram-se ouvir, em uníssono, vozes discordantes vindas dos mais diversos quadrantes.

Em iniciativa pioneira, no mês de Junho desse ano,
o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados levou a efeito uma sessão no Teatro Paulo Quintela da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, cumprindo, desta forma, a sua fidelidade a princípios defendidos por Pierre Bordieu: 'Só uma política inspirada pela preocupação de atrair e promover os melhores, esses homens e mulheres de qualidade que todos os sistemas de educação sempre celebraram, se poderá fazer do ofício de educar a juventude o que ele deveria ser: o 1.º de todos os ofícios'.

Dois dias depois, dada a sua relevância, a toda a largura da 1.ª página, o Diário de Coimbra dava conta desta iniciativa e do seu objectivo em alertar para uma política de escandaloso facilitismo na formação de professores do ensino básico, através das escolas superiores de educação, com distribuição de bacharelatos e licenciaturas a granel; e, por arrastamento, em verdadeiro bodo aos pobres, de diplomas aos alunos do 1.º ao 9.º anos de escolaridade.

Sobre o assunto, meses depois, o
Senado da Universidade de Coimbra não se guardou de declarar, urbi et orbi, que 'as propostas do governo subverteriam as missões e objectivos dos Institutos Politécnicos e das Universidades e se traduziriam numa inaceitável degradação do ensino'. Igualmente discordante se manifestou o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.

Noticiada, amplamente e com o maior destaque, pelo Público, do primeiro dia de Novembro, realizou-se, na véspera, uma das mais concorridas Assembleias Magnas da Academia de Coimbra tendo como pano de fundo esta questão.

Respigo da notícia: 'Inédita, em Assembleias Magnas, foi a intervenção de um sindicalista Rui Baptista, presidente da assembleia geral do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, que se solidarizou com as causas dos universitários e alertou para o facto de, hoje em dia, ‘toda a gente’ querer ir leccionar para o 3.º ciclo e o 1.º ciclo estar a ficar sem professores'. Abro um parêntese para esclarecer que fui devidamente autorizado a participar e a intervir nessa assembleia na minha qualidade de docente de uma das suas faculdades, embora, naturalmente, sem direito a voto.

O facto de ficarem por preencher vagas na docência do 1.ºciclo devia ter sido previsto e evitado pelos políticos que não param de enaltecer a importância da aprendizagem das primeiras letras, em inflamados discursos da boca para fora. Aqueles mesmos políticos que legislaram no sentido de desvincular as escolas superiores de educação da função exclusiva para que foram criadas inicialmente. Ou seja, a atribuição, apenas de um bacharelato na formação dos professores deste grau de ensino até aí a cargo de esforçadas escolas de ensino médio, com a denominação de escolas do magistério primário.

Todavia, por mais incrível que pareça, continua a assistir-se a um declarado retrocesso, ou involução, na formação de agentes de ensino do 2.º ciclo do ensino básico em promíscua parceria com fornadas de professores saídos da Universidade em número suficiente para as necessidades de um país já a braços com uma visível diminuição da natalidade. Todas estas respeitáveis tomadas de posição caíram em saco roto da tutela da Educação e em orelhas moucas dos seus responsáveis mais directos.

Este desequilíbrio, entre procura/oferta, é já responsável pela elevada taxa de desemprego existente na profissão docente e conduzirá, 'à la longue', ou mesmo a curto prazo, ao possível encerramento de faculdades por esta situação afectar mais os universitários que entram nos respectivos cursos com notas mais altas e saem, pela própria exigência do ensino aí ministrado, mais tarde e com classificações mais baixas de diploma do que os alunos do ensino politécnico com destino ao magistério".

(Continua)

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