quarta-feira, 12 de maio de 2010

O BINÓMIO DE NEWTON. VERDADE E SOCIEDADE

Post convidado de Guilherme Valente, editor da Gradiva:

Sou amigo de Guilherme Valente,
mas sou mais amigo da verdade.

Guilherme Valente

O que Aristóteles disse foi: «Sou amigo de Platão, mas sou mais amigo da verdade.» A variação que introduzi na epígrafe pretende traduzir uma necessidade e uma exigência e suscitar coragem, que me parecem cada vez mais imperativas nestes tempos da moda pós-moderna e relativista que vivemos.

E escrevi o que hoje é óbvio. De facto, a exigência de verdade, que devemos cultivar, tem de começar por incidir sobre nós próprios, sobre as nossas próprias convicções. E temos de ter coragem para assumir a verdade a que pensamos ir chegando. Um dos ideais da cultura clássica grega exprimia-se na exortação: «Sê (em cada momento) tu próprio.» Isto é, assume o que és realmente, não traias o que realmente pensas e sentes. Noutros contextos históricos houve gente que para ser igual a si própria precisou de muito mais coragem do que agora precisaríamos. Convém acrescentar ainda, claro, citando Confúcio, que só não mudam os burros ou... a pessoa mais inteligente do mundo.

Esta exigência de verdade, que deve começar relativamente às nossas próprias ideias, é o cerne da investigação na física e na matemática, nas ciências dignas desse nome. É a essência da cultura científica (é neste sentido que costuma dizer-se que o cientista procura o erro). Por isso me pareceu tão decisivo promover a cultura científica num país como o nosso, em cuja história o método da ciência, a sua exigência de objectividade, de rigor, de verdade, tão pouco se fizeram sentir.

Numa bela fórmula, Carl Sagan definiu o espírito científico como a atitude de máxima abertura perante todas as ideias, velhas ou novas, e de máximo rigor crítico na análise de todas elas. Antes de mais — está implícito, mas sublinho-o — das nossas próprias ideias.

É esta a atitude que o cientista a sério pratica e exercita, em primeiro lugar relativamente ao seu próprio trabalho, às suas próprias intuições e teorias. Só com esse espírito, que é um método, fará avançar a ciência, aproximará mais da verdade o património inestimável do conhecimento universal. Pelo menos da verdade no mundo natural, mas recordo que S. Tomás de Aquino considerava o conhecimento da Natureza um contributo para a compreensão da revelação divina. E João Paulo II, na encíclica A Fé e a Razão, escreveu que «quanto mais o homem conhece a realidade e o mundo (…) nele se torna cada vez mais premente a questão do sentido das coisas e da sua própria existência».

E é também esta, claro, a atitude que cada cientista tem de exercitar relativamente ao trabalho dos outros cientistas. Infelizmente nem sempre assim acontece, como se sabe, porque uma coisa é a ciência, outra são os cientistas, do mesmo modo que uma coisa é a religião, outra os religiosos.

A resistência a grandes avanços na ciência não vem dos leigos, vem, por vezes, da surpresa e ruptura da novidade (quantos anos demorou Einstein a ver verificada e confirmada a sua teoria?), ou de interesses aos quais novas aplicações prejudicam. Mas a força da verdade e a paixão da descoberta acabam sempre por se impor. Porque o desejo de conhecimento está na Natureza e é o destino dos seres humanos.

O abade Pierre, uma das grandes figuras liberais da Revolução Francesa, dizia: «Promovam a ciência e estarão a promover a liberdade.» A ciência, por se alimentar da verdade, precisa de liberdade. E por sua vez alimenta-a.

Essa atitude autocrítica e crítica, essa atitude de verdade que é condição da ciência, não deverá ser generalizada, não deverá informar toda a sociedade? Não deve ser esse, por exemplo, o exercício permanente dos políticos, nas suas decisões e na sua relação com os cidadãos? Não deve ser essa a atitude de todos nós?

É que, além de uma superior dimensão ética e moral, a verdade tem ainda uma mais que evidente dimensão, um mais que evidente valor e efeito sociais. Ela é também condição da confiança. A ciência, a democracia e o desenvolvimento emergiram e floresceram juntos na história.

O amor à verdade, a prática da verdade, não são, assim, apenas indicadores do carácter, da saúde moral, de uma sociedade e de um país. São também um indicador da sua prosperidade.

Guilherme Valente

3 comentários:

margarida disse...

Palavras inspiradoras que serenam face à turbulência dos mundos.
Exterior e o contrário.
Obrigada.

CA disse...

Belas palavras, a expressar ideias ainda mais belas, nas quais também me revejo. Mas continua em mim a preocupação da dificuldade em transmitir esta filosofia cientifica ao público geral, que não tem uma experiência própria de "mãos na ciência".
Bem haja.
Carlos

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Bom dia!


Bem querer aquece a alma,
eis que:


Ser justo, necessário;
ter justiça, necessidade.

Quer jus a causa,
per juízo, mora.

Ler a justa medida,
crer ajusta sentença.

Ver em justo caibe,
escrever apenas caibe.

CARTA A UM JOVEM DECENTE

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