Sou amigo de Guilherme Valente,
mas sou mais amigo da verdade.
mas sou mais amigo da verdade.
Guilherme Valente
O que Aristóteles disse foi: «Sou amigo de Platão, mas sou mais amigo da verdade.» A variação que introduzi na epígrafe pretende traduzir uma necessidade e uma exigência e suscitar coragem, que me parecem cada vez mais imperativas nestes tempos da moda pós-moderna e relativista que vivemos.
E escrevi o que hoje é óbvio. De facto, a exigência de verdade, que devemos cultivar, tem de começar por incidir sobre nós próprios, sobre as nossas próprias convicções. E temos de ter coragem para assumir a verdade a que pensamos ir chegando. Um dos ideais da cultura clássica grega exprimia-se na exortação: «Sê (em cada momento) tu próprio.» Isto é, assume o que és realmente, não traias o que realmente pensas e sentes. Noutros contextos históricos houve gente que para ser igual a si própria precisou de muito mais coragem do que agora precisaríamos. Convém acrescentar ainda, claro, citando Confúcio, que só não mudam os burros ou... a pessoa mais inteligente do mundo.
Esta exigência de verdade, que deve começar relativamente às nossas próprias ideias, é o cerne da investigação na física e na matemática, nas ciências dignas desse nome. É a essência da cultura científica (é neste sentido que costuma dizer-se que o cientista procura o erro). Por isso me pareceu tão decisivo promover a cultura científica num país como o nosso, em cuja história o método da ciência, a sua exigência de objectividade, de rigor, de verdade, tão pouco se fizeram sentir.
Numa bela fórmula, Carl Sagan definiu o espírito científico como a atitude de máxima abertura perante todas as ideias, velhas ou novas, e de máximo rigor crítico na análise de todas elas. Antes de mais — está implícito, mas sublinho-o — das nossas próprias ideias.
É esta a atitude que o cientista a sério pratica e exercita, em primeiro lugar relativamente ao seu próprio trabalho, às suas próprias intuições e teorias. Só com esse espírito, que é um método, fará avançar a ciência, aproximará mais da verdade o património inestimável do conhecimento universal. Pelo menos da verdade no mundo natural, mas recordo que S. Tomás de Aquino considerava o conhecimento da Natureza um contributo para a compreensão da revelação divina. E João Paulo II, na encíclica A Fé e a Razão, escreveu que «quanto mais o homem conhece a realidade e o mundo (…) nele se torna cada vez mais premente a questão do sentido das coisas e da sua própria existência».
E é também esta, claro, a atitude que cada cientista tem de exercitar relativamente ao trabalho dos outros cientistas. Infelizmente nem sempre assim acontece, como se sabe, porque uma coisa é a ciência, outra são os cientistas, do mesmo modo que uma coisa é a religião, outra os religiosos.
A resistência a grandes avanços na ciência não vem dos leigos, vem, por vezes, da surpresa e ruptura da novidade (quantos anos demorou Einstein a ver verificada e confirmada a sua teoria?), ou de interesses aos quais novas aplicações prejudicam. Mas a força da verdade e a paixão da descoberta acabam sempre por se impor. Porque o desejo de conhecimento está na Natureza e é o destino dos seres humanos.
O abade Pierre, uma das grandes figuras liberais da Revolução Francesa, dizia: «Promovam a ciência e estarão a promover a liberdade.» A ciência, por se alimentar da verdade, precisa de liberdade. E por sua vez alimenta-a.
Essa atitude autocrítica e crítica, essa atitude de verdade que é condição da ciência, não deverá ser generalizada, não deverá informar toda a sociedade? Não deve ser esse, por exemplo, o exercício permanente dos políticos, nas suas decisões e na sua relação com os cidadãos? Não deve ser essa a atitude de todos nós?
É que, além de uma superior dimensão ética e moral, a verdade tem ainda uma mais que evidente dimensão, um mais que evidente valor e efeito sociais. Ela é também condição da confiança. A ciência, a democracia e o desenvolvimento emergiram e floresceram juntos na história.
O amor à verdade, a prática da verdade, não são, assim, apenas indicadores do carácter, da saúde moral, de uma sociedade e de um país. São também um indicador da sua prosperidade.
Guilherme Valente
3 comentários:
Palavras inspiradoras que serenam face à turbulência dos mundos.
Exterior e o contrário.
Obrigada.
Belas palavras, a expressar ideias ainda mais belas, nas quais também me revejo. Mas continua em mim a preocupação da dificuldade em transmitir esta filosofia cientifica ao público geral, que não tem uma experiência própria de "mãos na ciência".
Bem haja.
Carlos
Bom dia!
Bem querer aquece a alma,
eis que:
Ser justo, necessário;
ter justiça, necessidade.
Quer jus a causa,
per juízo, mora.
Ler a justa medida,
crer ajusta sentença.
Ver em justo caibe,
escrever apenas caibe.
Enviar um comentário