quarta-feira, 19 de maio de 2010
Entrevista a alunos do secundário
Minhas respostas a questões que me enviaram alunos de uma escola secundária:
P- Jorge Dias de Deus, no livro “Ciência, Curiosidade e Maldição”, p.134, perguntou: “Se formos buscar uma balança e se pusermos no prato BEM os benefícios que a ciência trouxe ao longo dos seus cerca de cinco florescentes séculos e no prato MAL os malefícios que dela vieram, para que lado se irá inclinar o fiel da balança?” O que responde?
R- Os benefícios da ciência suplantam de longe os malefícios. Esses benefícios são, em primeiro lugar, conhecimento e, em segundo lugar, bem estar proporcionado por esse conhecimento. O conhecimento, qualquer que ele seja, é sempre um benefício: saber muito é sempre melhor do que saber pouco e saber pouco é sempre menor do que não saber. A esmagadora maioria das aplicações da ciência são também benéficas: basta pensar nas aplicações médicas que prolongam a vida humana e a tornam mais confortável. Quando se fala em malefícios da ciência pensa-se geralmente em más utilizações da ciência, em tecnologias que trazem prejuízos à vida humana. Elas existem, são de certa forma inevitáveis e só podemos esperar que haja a vontade permanente de as minorar. Mas convém insistir num ponto: uma coisa é a ciência em si e outra a eventual má utilização que se faz dela. O electromagnetismo não se torna condenável por ter sido inventada a cadeira eléctrica! A ciência não se torna má por a sua utilização ser má. É necessária uma consciência crítica sobre a utilização da ciência. E não apenas da parte do cientista – a ética tem de ser um imperativo no seu trabalho – mas também da parte da sociedade como um todo.
P- A clonagem e a manipulação genética são alguns dos temas que mais problemas éticos levantam hoje em dia. Diga, criticamente, qual a sua opinião acerca da clonagem humana com base na bioética e no conceito de Pessoa.
R- Vejo a clonagem terapêutica, como aliás os cientistas que investigam nessa área, como uma esperança para a Humanidade. Oxalá se venha a conseguir curar ou pelo menos tratar por esse meio doenças hoje incuráveis ou intratáveis. Já é discutível a clonagem reprodutiva, sendo bom que se continuem a debater e a estabelecer os limites legais da biologia e da medicina nessa área. Nem tudo o que se pode fazer deve ser feito, embora seja conhecido da história que haverá sempre alguém que, cedo ou tarde, pisa o risco e ultrapassa os limites que foram definidos pela sociedade. Por vezes essas ultrapassagens redundaram em malefícios, pelo que devemos estar muito vigilantes quanto ao que se passa na fronteira do que é permitido socialmente. Noutras vezes, verdade se diga, tais ultrapassagens conduziram a benefícios. De qualquer modo, a palavra “clonagem” tem uma carga negativa, que vem talvez da ficção científica. Não há que alimentar o receio comunicado por alguns filmes pois é impossível criar um bando de Marilyn Monroes iguaizinhas umas às outras. Felizmente, acrescento eu!
P- Edgar Morin disse: “Seria esquecer que a descoberta de um limite ou de uma carência na nossa consciência constitui já um progresso fundamental e necessário para esta ciência“. Qual é a sua opinião crítica acerca da frase de Morin?
R- Edgar Morin tem sido uma das vozes que tem defendido “ciência com consciência” (título de um dos seus livros). É uma voz útil e necessária tal como são outras vozes que vão no mesmo sentido. Já Rabelais dizia que “ciência sem consciência não passa de ruína de alma”. Eu diria mais: ciência sem consciência não é sequer ciência. Claro que a tomada de uma maior consciência pode representar um progresso da ciência.
P- Desde o seu início que a ciência tem evoluído até ao que é hoje. A ciência associa-se à tecnologia para combater problemas do tipo social (por exemplo, o desemprego) ou do tipo ecológico (por exemplo, a poluição). Mas ela está também a criar enormes problemas a nível mundial. É urgente travá-la! Na sua opinião, estará a população, a nível mundial, disposta a alterar os seus hábitos e comportamentos com base num bem maior?
R- Não penso que seja urgente travar a ciência. Aliás, travar a busca do conhecimento é uma atitude obscurantista, com exemplos na história que sempre deram maus resultados. A ciência não cria problemas à humanidade, mas sim a tecnologia, uma espécie de “filha” crescida da ciência que saiu de casa e, por vezes, se “porta mal”. Que culpa é que a “mãe” tem? A ciência é, ela própria, responsável por esse tipo de abusos? Sim, eu sei que ciência e tecnologia são, muitas vezes, indistinguíveis para a opinião pública. A cultura científica ajuda a fazer a distinção. Para completar a resposta: Convém não esquecer que é a mesma tecnologia, baseada na ciência, que nos permite resolver muitos problemas que nos afectam, incluindo os problemas originados pelos erros que cometemos. Por exemplo, a poluição não se resolve com o abandono puro e simples da química mas sim com um reforço, mais consciente e mais cuidadoso, da ciência química.
P- Desde há milhões de anos que se fala em profecias e superstições sobre o fim do mundo. Qual a sua opinião acerca das teorias do fim do mundo de que se especula?
R- Em geral, são mitos e erros sem qualquer substância. A cultura científica é o melhor antídoto para combater esses disparates, como o fim do mundo em 2012, etc., etc. Nem têm qualquer justificação nem fazem sentido nenhum!
P- Como será, na sua perspectiva, o fim da ciência, da Humanidade e do Universo?
P- O fim da ciência, isto é, do conhecimento, só acontecerá se houver o fim da Humanidade uma vez que, como disse Carl Sagan, “o nosso destino é o conhecimento”. Mesmo assim, o eventual fim do “homo sapiens” pode não ser o fim da ciência pois pode haver, no vasto Universo, outras formas de vida inteligente, que também fazem ciência como nós. O fim da humanidade é possível, pois o homem tem hoje à sua disposição meios de auto-aniquilação. Se não tiver juízo... Estou convencido, porém, que é muito pouco provável. Poderá também acontecer o fim da Humanidade por se acabarem as condições de vida na Terra. Daqui a cinco mil milhões de anos o Sol vai extinguir-se... Quanto ao fim do Universo, ele não faz muito sentido, pois, tanto quanto sabemos hoje, o Universo, que teve um início há cerca de 14 000 milhões de anos, é eterno para a frente...
P- Disse numa entrevista: “A escola é uma das maiores invenções da humanidade.” O que pensa acerca do papel da escola na formação das pessoas e na sua sensibilização para as questões científicas?
R- A escola é, de facto, um grande meio que a humanidade arranjou para assegurar a curto, médio e longo prazo a sua sobrevivência. É pela escola que a humanidade se prolonga, assegurando a continuação do saber e da sua aplicação. E, claro, a ciência, é uma das componentes mais importantes do saber humano. Sem escola, não poderá haver ciência: a escola é uma condição indispensável da ciência.
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4 comentários:
Agora, pergunto eu a Carlos Fiolhais:
E esta escola, a que temos o que é?
Adoro o "Ciência, Curiosidade e Maldição" ^_^ que boa lembrança!
Mas na verdade, os mitos do fim do mundo, tal como qq outro mito, começaram em algum lado com alguma coisa que, posteriormente e com o passar de boca em boca (um "jogo do telefone" gigantesco, como uns leitores seus já se lhe referiram noutro blogue), a mensagem inicial foi-se deteriorando. No entanto, o calendário Maia "termina" em 2012; o que uns vêm como o fim do mundo, outros vêm como um sistema de contagem de tempo, no qual terminaria aí uma espécie de ciclo.
A questão da ciência com consciência também dava pano para mangas eheheh. Logicamente que é imprescindivel a existencia de ética e moral na prática cientifica, mas muitas vezes ninguem imagina à partida os males que pode vir a causar...poderiamos relembrar Eisntein e o nuclear, ou os criadores dos CFCs e da gasolina com chumbo, que na altura foram encaradas como milagres da ciencia...
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