terça-feira, 11 de maio de 2010

Uma carta sobre a Ordem dos Professores

“O exercício de uma profissão faz apelos a normas e comportamentos éticos que orientem a prática profissional tanto entre os próprios práticos como entre estes e os outros actores sociais” (António Nóvoa, 1987).

Sem contabilizar grande número de artigos de opinião e cartas publicadas em diversos jornais e postes meus aqui divulgados (tantos que lhes perdi a conta), verifiquei, com agrado, nem sempre ter a solidão como companhia quando prego no deserto da indiferença daqueles que tinham a obrigação de manifestarem a sua opinião sobre a criação de uma Ordem dos Professores e o não fazem (quanto melhor não é esperar que os outros façam por nós!) com a excepção de comentários aqui já publicados a emitirem juízos.

Et pour cause, não posso deixar de referir uma carta publicada no Público (07/05/2010), intitulada Autoritas, do leitor Artur Carvalho que começa por dizer que “os sindicatos e os seus tentáculos partidários sempre se opuseram às Ordem dos Professores” e finaliza com o veemente apelo: “Venha a Ordem [dos Professores] depressa”.

Ordem dos Professores, assunto que tenho debatido exaustivamente, com a convicção de uma crença muito forte, embora com resultados pouco evidentes. Sem a verve de um Eça de Queirós, quando escreve ser “ o riso a mais útil forma de crítica por ser a mais acessível à multidão”, fiz o que julguei estar ao meu alcance quando escrevi, na contracapa do livro da imagem, em argumento apagógico, o seguinte:

“Dada oposição de uns tantos sindicalistas à criação de um Ordem dos Professores, será que os milhares de indivíduos inscritos em ordens profissionais são tão ingénuos a ponto de se não aperceberem dos prejuízos sem conta que essa inscrição acarreta?

Não é admitida qualquer tipo de deserção. O recrutamento é para todos aqueles com inscrição obrigatória em ordens profissionais: abominem os que vos arrastaram para isso; encerrem as portas das vossas associações públicas; queimem os vossos estatutos; rasguem as vossas cédulas profissionais; por fim, responsabilizem a Assembleia da República pela vossa desgraça!

Depois, libertos das grilhetas de uma ‘aviltante’ escravatura, sejam solidários com esses sindicalistas, aliem-se a eles, marchem a seu lado, combatam à sombra de uma única bandeira, embriaguem-se com o cheiro acre da pólvora e lutem até à morte contra um perigoso inimigo comum: as ordens profissionais!”
(“Do Caos à Ordem dos Professores" Rui Baptista, edição do SNPL, Lisboa , 2004).

Mas o assunto é demasiado sério a merecer a pergunta que se impõe. A que título de excepção os professores continuam escravizados a uma desordem profissional quando, já em Julho de 97, no semanário O Independente, se lia que “a estratégia de Marçal Grilo passa por colocar as ordens profissionais na linha de fogo às loucuras do mundo académico”. E logo Marçal Grilo que sabia bem o terreno que pisava pela tutela que tinha então do Ministério da Educação. Como justificar, então, que ainda hoje os professores continuem na retaguarda “da linha de fogo às loucuras do mundo académico”?

Esta uma pergunta a cuja resposta não se podem eximir os actuais responsáveis pela pastas da Educação e do Ensino Superior e quem com eles possa pactuar na situação de termos docentes deficientemente preparados como o Celeste Império teve médicos de pé-descalço. E não se veja nisto qualquer exagero comparativo: o Instituto de Ciências Educativas de Mangualde, por exemplo, atribuiu, anos atrás, em escassos meses, complementos de formação, em variantes para a docência do 2.º ciclo do ensino básico (v.g., Matemática e Ciências da Natureza, dois complementos num mesmo pacote, ou seja pague um e leve dois!) a antigos professores do ensino primário com o curso médio das antigas escolas do magistério primário. Com isso, perderam-se competentes professores do 1.º ciclo do básico para se “ganharem” incompetentes docentes do 2.º ciclo (docência essa desempenhada até então, em exclusividade, por licenciados saídos de universidades com duas licenciaturas distintas).

E, de uma forma “simplex”, tão cara ao Partido Socialista, continua-se, ainda hoje, para gozo estatístico dos ministérios que tutelam a Educação e o Ensino Superior e aproveitamento de arrivistas, a distribuir diplomas de ensino básico, secundário, e de ensino, dito, superior, privado ou mesmo público, como milho atirado às mãos cheias por turistas aos pombos que esvoaçam na veneziana Praça de São Marcos.

De todo este arrazoado pode concluir-se que aos professores não foi necessário abominarem uma ordem profissional (que não possuem, sequer) para marcharem ao lado de sindicalistas, que contribuíram com grande quota parte para todo este descalabro, combatendo à sombra de uma única bandeira em ruidosas manifestações sindicais de palanque montado para discursos inflamados das respectivas chefias, contra um inimigo comum: a antiga ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues.

Neste combate, de que se não discute a justeza da intenção, os catorze sindicatos iniciais da chamada “Plataforma Sindical” tiveram, sem qualquer rotatividade, como porta-voz o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, em que a única vitória foi o justo derrube da acção nefasta da tutela da 5 de Outubro com um modus faciendi aleatório de uma roleta madrasta para os professores mais competentes e jackpot para os bafejados por um critério de escolha de moeda ao ar, como aconteceu no caso da divisão entre professores e professores titulares de triste memória.

E no rescaldo de toda esta guerra de pólvora seca que vemos nós? Em busca do sonho de unicidade sindical, vemos a Fenprof assumir-se como única vencedora deste processo avançando ameaçadora de mangas arregaçadas contra blogues que a criticam, em presunçoso título de artigo de opinião de Mário Nogueira (Público, 03/05/2010): “Esta Fenprof incomoda que se farta!”

Mais do que os blogues que debatem temas de ensino a incomodam que se fartam? Mas numa coisa esta federação tem razão: a Fenprof incomoda que se farta não tanto pelo que faz, diz ou escreve, mais pelo nível com que o faz, o diz, o escreve.

Imagem: Capa do livro "Do Caos à Ordem dos Professores".

2 comentários:

Anónimo disse...

Partilho a certeza de que só através de uma Ordem de Professores se poderia pôr cobro ao processo em curso que tem como objectivo transformar pessoas licenciadas em lesmas num ninho de abelhas, incapazes de mel. "The heavy mortal hopes that toil and pass"? Mesmo que assim seja, a sua tenacidade, Rui Baptista, é digna de assinalar no contexto castrador, imbecil e muito perigoso em que nos encontramos. Gostava de contribuir, mas não sei como. Isto já me parece um beco sem saída, pelo menos pela via pacífica.

Cristina disse...

Não posso estar mais de acordo. Hoje a minha angústia de profissional da educação que sou, "rebentou" num comentário que escrevi no jornal "ionline" sobre o caso da "professora" que posou nua para a revista "Playboy".
A ética e o profissionalismo da profissão docente estão de facto nas ruas da amargura: estatutos enormes e mal concebidos. Falta o bom senso, falta educação - a todos os níveis.
Sou pela Ordem dos Professores há muito tempo. Adoro ensinar e sinto um enorme responsabilidade pelo o que faço e um extrema preocupação e angústia pelo que não consigo fazer. Por onde começar?
Cristina Moniz-Pereira
Profª de Inglês do Ensino Secundário

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