segunda-feira, 17 de maio de 2010

Portugal feito num oito

Texto de João Boavida antes publicado no diário As Beiras.

Certos estudos prevêem que dentro de alguns anos oitenta por cento da população portuguesa esteja concentrada nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. É fácil que tal venha a acontecer, embora difícil seja imaginar o País nestas condições. Alguém é capaz sem um aperto no coração? É portanto vital definir estratégias de desenvolvimento que ataquem esta atrofia galopante de Portugal à custa de acumulação caótica nestas duas cidades. Com a desordem social, económica e urbanística que já se sabe.
Face a certas políticas, temos a sensação de que a ideia é dividir o país em dois, Norte e Sul; ou antes, Lisboa e Porto e suas áreas envolventes. Mas um país assim não é Portugal de risco ao meio, como alguns dizem, mas o País feito num oito. Um corpo estrangulado pela cintura, enquanto o tronco e pernas morrem com tanta gordura acumulada. De trombose em cima e de elefantíase em baixo, talvez. Uma estratégia política e económica do Centro de Portugal é, pois, indispensável. É um imperativo nacional. A aposta política, até agora, parece ter sido criar por aqui rivalidades sem base e incentivá-las com medidas políticas avulsas, mas cirúrgicas. Para reinar, mesmo que à custa de uma pulverização mortífera.

Compete-nos a nós fazer pela vida, claro. Começando por ter ideias inteligentes. É preciso perceber que o único caminho possível é criar aqui uma estratégia de unidade que dê a todo o Centro do País peso político, valor económico, massa crítica, capacidade produtora e exportadora, isto é, força para atrair capitais, cérebros, ideias, projectos e turistas. Unir estrategicamente tudo o que seja possível, criar dinâmicas de criação, produção, venda, aproveitando e multiplicando possibilidades. Estamos a falar de coisas concretas. Todos conhecemos aqui empresas com grande concentração de competências específicas e de elevado nível tecnológico, cultural e criativo. Doutras, que existem, nem sabemos. Temos aqui um cluster da saúde extraordinário; como não haverá igual na Europa. Não deve isto gerar estratégias políticas para uma economia em rede, valor acrescentado e dinâmicas de produção e exportação? Temos condições turísticas, pela variedade e por alguns pólos de grande qualidade. Isto não obriga a uma visão unitária de investimento, qualificação, promoção e exploração?

Alguém de cima precisa de orientar e dar força política, e não de tirar. É urgente submeter a mediocridade dominante e a táctica do golpe e da rasteira à inteligência de uma concepção global que multiplique em vez de diminuir e enfraquecer. O poder central tem de fazer este trabalho, em vez de andar a jogar à cabra-cega como um garoto entre garotos. Mas o Centro tem também de fazer a sua parte. Muitos dos nossos políticos têm de crescer.

João Boavida

10 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Sugestão: se se virem aflitos, com falta de ideias, perguntem ao... Sócrates! Um homem que fez exames como ele, de modo tão expedito, que obteve graus académicos em dia de "ir ver a Deus" e que projectou casas do modo que conhecemos, cuja paternidade fez questão de reclamar, para além de todos os outros créditos na governação do país, especialmente em matéria de aeroportos, pontes, auto-estradas e comboios de alta velocidade, para não falar em questões de orçamento e finanças, sabe seguramente de tudo e muito mais. É um portento, que provavelmente nem merecemos.
Há muito que devíamos estar a construir-lhe uma estátua do tamanho do país. Que ele não merece menos!

Anónimo disse...

Se está feito num oito, não deve ter conserto: ferro velho com ele! Talvez o Godinho o compre... a preço de saldo, como aconteceu com os destroços das legiões de Varo. E porque não? JCN

guna disse...

Ao longo de 2009, o Porto perdeu cerca de 16 habitantes por dia. Lisboa vai ser Portugal e o resto paisagem. Um recém formado, cada vez mais, tem duas opções: ou emigra para Lisboa ou para fora.

Anónimo disse...

Lá fora... será sempre um forasteiro! JCN

Anónimo disse...

"Cescer" ainda mais?!... Valha-nos Deus! JCN

Anónimo disse...

O país comporta-se como uma galaxia, há um buraco negro no centro (Lx). O buraco quanto mais absorve, mais denso fica, e mais absorve... já não consegue sobreviver sem comer mais, já depende de isso.
Quanto à emigração, caro JCN, eu não me arrependo. Foi muito melhor que ir para a cidade que odeio, e que vaidosa, se orgulha em mostrar todos os defeitos que abomino.
Eu só quero ver lisboa a arder!
João Silva

Leonel Morgado disse...

A solução é ter centros de poder políticos espalhados pelo país. Sim, político, porque cada "centro de estudos", cada "entidade reguladora", cada "gabinete de avaliação" emprega pessoas que depois ajudam a fazer massa crítica para sustentar cafés, restaurantes, creches, lojas, etc... com massa crítica, justifica-se arriscar criar uma empresa, pois há também (ou há-de haver, em tempo) mão-de-obra.

Também porque os investimentos mastodônticos que são necessários nas megápoles podem ser muito mais eficazes em cidades menores. Com o custo de mais uma ponte sobre o Tejo, quantas pontes menores se fazem em cidades pequenas? Quantas vias circulares, quantos cruzamentos desnivelados, quantos metros de superfície ou sistemas de transportes públicos com horários mais frequentes (e, logo, mais usáveis)?
Para isso, infelizmente, é necessário espalhar os decisores, porque enquanto estiverem em Lisboa... tudo criam em Lisboa ou proximidades. Quando a FCT foi para o Tagus Park (em Oeiras!) saíndo de Lisboa, houve quem dissesse "é a descentralização" (sim, incrível!). E, claro, as empresas vão atrás das pessoas, atrás de decisores, atrás de mão-de-obra.

Faça-se a regionalização com eleitos regionais, que respondam aos votantes, não aos líderes partidários, para que haja vozes exigentes fora de Lisboa. Façam-se os círculos uninominais, pelo mesmo motivo. Acabem-se com as 5 universidades concentradas em, Lisboa, mantenha-se só uma, espalhem-se as outras pelo país ou reforcem-se as que já existem, e assim fortaleça-se a existência de saber, influência e autonomia de discurso fora de Lisboa. E finalmente, espalhem-se, sim, espalhem-se os ministérios pelo país, faça-se o conselho de ministros em Vila de Rei. Dir-me-ão que esta última foi tentada em tempos. Não foi. Manter o governo em Lisboa e meter uma secretaria de estado ou duas fora não é viável. Efeitos gravíticos...

Anónimo disse...

Vossemecê, sr. Andabata, deve ter tido... um pesadelo! JCN

António Daniel disse...

A ideia do oito serviu para mostrar o aperto do centro. O problema não é só do centro, é de todo o país.

Anónimo disse...

Tem muitíssima razão, sr. António Daniel: o país, além de ter a forma de um oito, com o centro a apertar constantemente o cinto (ainda se fosse o da Jarreteira!...), também está feito num oito... metaforicamente falando. Há concelhos, como o de Arganil, que estão feitos em três oitos (888). JCN

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