quinta-feira, 13 de maio de 2010

"Eu, Rosie"

Os entendidos devem saber qual a razão por que certos textos se apegam ao leitor, ficam na sua memória, o conduzem ao autor e o fazem querer conhecer outros textos escritos pela mesma mão. Pessoalmente, foi o poema que abaixo transcrevo que me conduziu a Reinaldo Ferreira (1922-1959).

Este poeta que foi, em vida, um poeta desconhecido, teve amigos que, depois de morrer, lhe reuniram parte da obra e, nos anos de 1960, a deram à estampa, resultando o livro Poemas. José Régio, que o prefaciou, escreveu que "pela sua densidade substancial e a sua beleza formal já entrou como peça de rara qualidade no tesoiro da nossa poesia".

"Eu, Rosie, eu se falasse eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh...
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une - é estar ausentes."

26 comentários:

Anónimo disse...

Critérios... são critérios, mesmo vindo de José Régio. JCN

Anónimo disse...

Aos Domingos, iremos ao jardim.
Entediados, em grupos familiares,
Aos pares,
Dando-nos ares
De pessoas invulgares,
Aos Domingos iremos ao jardim.
Diremos nos encontros casuais
Com outros clãs iguais,
Banalidades rituais
Fundamentais.
Autómatos afins,
Misto de serafins
Sociais
E de standardizados mandarins,
Teremos preconceitos e pruridos,
Produtos recebidos na herança
De certos caracteres adquiridos.
Falaremos do tempo,
Do que foi, do que já houve...
E sendo já então
Por tradição
E formação
Antiburgueses
- Solidamente antiburgueses-,
Inquietos falaremos
Da tormenta que passa
E seus desvarios.

Seremos aos domingos, no jardim,
Reaccionários

Reinaldo Ferreira

Anónimo disse...

Ausentes e distantes, mesmo quando sentados perto. E ainda que comam ambos as mesmas cerejas e amoras o paladar é muito diferente.

Fernanda Colaço

joão boaventura disse...

Fernanda Colaço

O seu comentário compagina com um caso que a memória recorda sobre Bernard Shaw.

Após a sua morte a mulher com quem convivia, resolveu publicar uma biografia perante a qual os críticos chegaram à conclusão de que a autora apenas tinha vivido com Bernard Shaw em dois lado "na cama e na mesa", sem qualquer comunhão espiritual com o facundo irlandês.

Fica assim confirmado que o estar presente pode coincidir com o estar ausente.

joão boaventura disse...

Quem estiver interessado na biografia do autor e na leitura dos seus versos, basta teclar aqui, ou aqui.

João de Castro Nunes disse...

Insisto que o paladar não está na fruta, mas na língua! Inquestionvelmente. Uma coisa é o gosto... e outra o paladar. Certo? JCN

João de Castro Nunes disse...

Acho que o poema dos "Domingos" ganharia, se no final, para efeitos de rima, que o autor aliás não menospreza, antes pelo contrário, substituíssemos "desvarios" e "reaccionários" por, respectivamente, "desvairos" e "reaccionairos". Leves repairos! JCN

joão boaventura disse...

Tentei abrir o primeiro documento que citei e deu erro.

Na pesquisa verifiquei a falta de um l no html.

As minhas desculpas e a correcção devida. Ei-la:

Quem estiver interessado na biografia do autor e na leitura dos seus versos, basta teclar aqui.

Anónimo disse...

DIAFANEIDADE

A poesia quando é Poesia
é mais profunda que a filosofia
e mesmo até do que a teologia,
porquanto é simplesmente poesia.

Não tem fronteiras nem limitações,
carece de espartilhos e grilhões,
dá-se e floresce em todas as nações
onde haja sensitivos corações.

Na música tão-só tem paridade,
entre ambas existindo afinidade,
devido à sua diafaneidade,
como ontem disse Sua Santidade.

A poesia quando tem craveira
não tem qualquer espécie de barreira!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

DIFERENÇAS

Há quem não faça a mais pequena ideia
do que é a poesia: infelizmente
desta ordem, deste género de gente
a nossa praça está bastante cheia.

Não sabem distinguir um violino
de um cavaquinho ou badalar de sino!

JCN

Anónimo disse...

Poesia não são versos:
são sentimentos diversos!

Não se escreve com caneta,
nem com tinta azul ou preta:

brota da alma por acção
do pulsar do coração!

JCN

Rui Baptista disse...

Apenas duas pequenas achegas:

Reinado Ferreira era filho de um afamado jornalista do Porto, com o mesmo nome, e que assinava as suas peças com o pseudónimo de "Repórter X".

Embora sem a chancela da convivência, conheci este poeta, com obra publicada a título póstumo, em esporádicos encontros de café em Lourenço Marques.

Um profundo conhecedor e divulgador da sua obra é Eugénio Lisboa, com longa vivência profissional e cultural moçambicanas, crítico literário, colaborador assíduo do "Jornal de Letras" e professor do Departamento de Línguas e Cultura da Universidade de Aveiro.

Anónimo disse...

Meu caro Dr. Rui Baptista: onde quer "chegar" com as suas "achegas"?!... JCN

Anónimo disse...

POETICA VIS

Antes de tudo o mais, a Poesia
na sua mais autêntica versão
é musicalidade, é harmonia
que nada tem a ver com a razão.


É jogo de palavras, fantasia,
a mais perfeita forma de expressão,
rivalizando com a sinfonia
em termos ou matéria de evasão.

É pelos seus degraus que chego a Deus
e pelos seus impulsos emotivos
que atinjo espaços para além dos céus.

Não lhe faltam pretextos e motivos
para com sua portentosa essência
romper os contrafortes da evidência!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Rui Baptista disse...

Meu Caro JCN:

Quis chegar onde cheguei.

Cordialmente,
Rui Baptista

Anónimo disse...

Terá "chegado",,, lá? JCN

Anónimo disse...

Meu caro Dr. Rui Baptista:
Permita que lhe recorde que a boa ementa... não faz o bom cozinheiro! JCN

Verônica Böhme disse...

Acabei de escrever em meu livro sobre as descobertas do século XX e como sou física, logo coloquei a física quântica, e seu conceito, e vim procurar outras descobertas como na biologia que não tenho muito ciência e aí encontro esse local que logo fala da física em 3 momentos. Fiquei super feliz...rs...rs. Também sou poeta e sempre gostei de filosofia. Verônica Böhme
www.veronicabohme.com.br

Anónimo disse...

Cara senhora: nada impede o poeta... de gostar de filosofia, que só o enriquece! Ainda bem que V.Exª cultiva com sucesso ambas as modalidades. JCN

Rui Baptista disse...

Meu caro JCN (comentário, 17 Maio, 14:31):

É um prazer trocar impressões consigo pela finura e subtileza dos seus comentários.

Sem querer desmerecer o que escreveu, "permita que lhe recorde que a boa ementa...não faz o bom cozinheiro", permita-me, por meu lado, que lhe diga que nestas coisas de cozinhados o que faz o bom "gourmet" é o paladar...

E, já agora, que lhe confesse que para mim (cá está, uma questão de gosto!)o poema "Eu, Rosie" não é dos mais bem conseguidos da obra valiosa de Reinaldo Ferreira. Obra que muito aprecio e igualmente um verso deste poema "Um voo rumo a nada", por mim citado em vários textos.

Cumprimentos cordiais,
Rui Baptista

Anónimo disse...

Reinalfo Derreira... deu pano para mangas: quem diria! JCN

Anónimo disse...

Corrijo a imperdoável troca de consoantes no nome do Poeta de "Eu, Rosie", que não menos admiro que o Dr. Rui Baptista: Reinaldo Ferreira. Só se questiona... o que nos impressiona. Já tive a tentação de, ao meu jeito, plagiar o "Aos Domingos". E ... porque não?
Devolvo-lhe, meu caro Dr. Rui Baptista, a gentileza das suas referências, que não deixam de soar a finíssima ironia, que é o sorrir dos deuses. Aos meus Poetas preferidos, depois de mim, já acrescentei o nome do autor do "Um voo rumo ao nada", que não é o meu caso, graças a Deus. JCN

Anónimo disse...

"Quem não tem paladar... não tem caracter", dizia Aquilino Ribeiro ante um belo acepipe. Para tudo... é preciso paladar. Como pode apreciar a poesia... quem tem uma alma insípida e um coração de palha?! JCN

Anónimo disse...

DESABAFO

Ninguém tem obrigação
de gostar de poesia;
há quem prefira a canção
à mais pura sinfonia:

tudo no fundo é questão
de paladar ou mania!

JCN

Anónimo disse...

Corrijo a gralha "mania" por "magia". A diferença que faz uma simples troca de consoante! JCN

Arnaldo Resende disse...

E esse repórter X, escreveu no Século reportagens na então União Soviética, sem sair de Lisboa.Vivia com dificuldades e tomava ópio para se aguentar horas sem dormir e escrever. No dia do assassinato do Sidónio Pais, chegou tarde ao jornal e , confrontado com isso, foi-lhe perguntado: - "Se calhar nem sabe do Sidónio?"
Ele, que não sabia de nada, respondeu:Então não sei, venho de lá agora mesmo!
-"Então quais foram as últimas palavras que Sidónio proferiu, antes de morrer?"
-"Foram: Viva Portugal!"

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