quarta-feira, 19 de maio de 2010

Quanto mede um meridiano?


Nova crónica de António Piedade, antes saída n' "O Despertar" (texto revisto pelo autor):

Em 1961, Yuri Gagarine, o primeiro ser humano no espaço, contemplou a Terra a bordo da nave Vostok I. Viu, num belo momento como descreveu, que o planeta de onde partira dias antes era maioritariamente azul e… redondo. Gagarin percorreu cerca de 40 mil quilómetros em cerca de uma hora e 48 minutos, dando uma volta completa ao planeta. A orbita que percorreu, descreveu a linha imaginária de um meridiano terrestre.

Desta forma, Yuri confirmava, mais metro menos metro, o cálculo do comprimento da circunferência da terra efectuado cerca de dois mil anos antes pelo matemático e geógrafo grego Eratóstenes de Cirene (actual cidade Líbia de Shahhat).

Eratóstenes, que nasceu em Cirene (c. 276 AC) e morreu em Alexandria (c. 194 AC) - “director” da famosa biblioteca desta cidade - foi o primeiro matemático da antiguidade a calcular a circunferência da Terra (comprimento do meridiano).

Com os pés bem assentes na terra, calculou a circunferência da Terra a partir de uma observação que o intrigou. Constatou que, ao meio-dia do dia 21 de Junho (solstício de verão), os raios do Sol eram perpendiculares à superfície, iluminando totalmente o fundo de um poço em Siena (actual cidade egípcia de Assuã ou Assuão). Mas verificou que o mesmo não se observava, à mesmo hora e mesmo dia, na cidade de Alexandria. A partir desta observação, e pressupondo que a Terra era esférica (o que Gagarine viu), que os raios do Sol que iluminavam as duas cidades eram paralelos, Eratóstenes planeou a seguinte experiência: medir o ângulo da sombra formada por estacas com o mesmo tamanho, naquelas duas cidades, no mesmo dia 21 de Junho, ao meio dia. Em Siena a sombra foi nula. Em Alexandria registou um ângulo de 7,2. Concluiu assim que o comprimento de um arco com 7,2 graus era igual à distância entre aqueles dois lugares. Dividiu este valor por 360, que é, como Eratóstenes sabia, o ângulo interno de qualquer circunferência, e obteve um valor igual a 50. Assim, deduziu que o comprimento do meridiano terrestre era igual a 50 vezes a distância de Siena a Alexandria. A partir de ajuda que solicitou ao rei local, mediu a distância entre as duas cidades: 5 mil estádios (medida grega igual a 125 passos). Deste modo, chegou ao valor de 250 mil estádios para o comprimento da circunferência da Terra. Ora, dependendo do valor que atribuamos a um “estádio grego” (pelo que encontrei não não há consenso sobre o assunto), isso equivale a um valor entre 39 700 km e 46 600 km.

Hoje sabemos que o valor de um meridiano terrestre é aproximadamente igual a 40 003 km. É espantosa a aproximação conseguida por Eratóstenes. Repare que ele só utilizou conhecimento matemático e perspicácia para o fazer. O mesmo conhecimento matemático (alguma trigonometria e geometria) é, ainda hoje, suficiente para calcular a posição de um veículo, por GPS, e medir distâncias, apesar da necessidade de “alguma” tecnologia com que Eratóstenes não terá sonhado…

António Piedade

16 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Quando, no início deste ano, expliquei isto mesmo aos meus alunos de 10º Ano, na disciplina de Biolgia/Geologia, por achar pertinente, apesar de extra-programa, os que perceberam ficaram fascinados. Não podiam imaginar que fosse tão fácil...

Helena Damião disse...

Caro José Batista da Ascenção
E... podemos perguntar: como é possível os nossos alunos terem finalizado o ensino básico sem terem tido acesso a este conhecimento fundamental a vários títulos (da informação propriamente dita, do valor da cultura clássica, da relação que ela estabelece com o presente, da inteligência humana...)!?
Mais cedo ou mais tarde, temos de nos interrogar, como sociedade, para que é que queremos que as nossas crianças e jovens estejam numa escola a tempo inteiro, doze anos a partir de agora.
Helena Damião

José Batista da Ascenção disse...

Caríssima Professora Helena Damião:

Nem calcula como é para mim um bálsamo ler o que escreve e atentar nas perguntas que tão bem sabe colocar. Facto comum aos restantes autores do blogue e a diversos comentaristas.
Por isso aqui venho tantas vezes. Este sítio alimenta a réstia de esperança que não quero deixar morrer em mim. E se às vezes "grito" não é apenas (nem principalmente) porque me dói, mas, principalmente, por sentir que há gente muito boa a dar ouvidos e importância às manifestações ("gritos") da realidade.
Muito obrigado.

João de Castro Nunes disse...

E pensar a gente... que Fernão de Magalhães perdeu a vida para "demonstrar" o que, com duas simples estacas, Eratóstenes já tinha "descoberto" mil e quinhentos anos antes! Ele há coisas! JCN

Anónimo disse...

Eu conhecia esta história de a ouvir na escola mas não sabia os pormenores. Vale sempre a pena contar isto, é uma história muito interessante.
Não percebo nada de astronomia mas ao ler o texto percebi que há erros nesta história, deviam ter tido mais cuidado ao escrever isto.
Primeiro erro, que é grave e que devia ser corrigido, porque senão aparece-vos um aluno como eu e envergonha-vos:
O cálculo de se dividir 360 por 7,2 só faz sentido se uma cidade estiver ao norte da outra, ou seja, se estiverem no mesmo meridiano, que é mesmo disso que trata o texto e que até se inclui a palavra no título. Porque se uma cidade não estiver a norte da outra este cálculo não está certo, tem que se corrigir com a longitude do lugar, porque há muitas cidades onde a sombra faz 7,2 graus mas estão a diferentes distâncias de Alexandria.
O segundo erro descobri-o porque apesar de saber pouco de geografia sei perfeitamente onde é a Grécia e sei que é impossível que na Grécia haja alguma cidade em que o Sol ilumine o fundo de um poço!! Porquê? Porque há valores que nunca me esqueço e sei que a Terra está inclinada, relativamente ao Sol, uns cerca de 23 graus, e que é esse valor que determina a latitude do Trópico de Caranguejo, que é um paralelo onde no dia 21 de Junho, em qualquer parte desse paralelo, o Sol ilumina o fundo de qualquer poço, basta pensar um bocadinho para se perceber isso.
Por isso, fui ver onde ficava Cirene, desconfiado, e descobri que Cirene fica na Líbia, quase no mesmo paralelo que Alexandria, e por isso está errado, não pode ser Cirene. Fui ver os velhos mapas da Grécia antiga e realmente Cirene pertenceu à Grécia antiga.
Finalmente, fiz uma busca na wiki inglesa e diz lá que o Eratóstenes fez os cálculos a partir de Assuão, Aswan em inglês, e que em grego antigo era Syene, não sei se é daqui que vem a confusão, não me parece. Mas Assuão tem a latitude de 24 graus, por isso tem lógica que seja esta a cidade do Eratóstenes e do poço, mais grau menos grau é só um bocadinho de Sol que não se vê no fundo do poço.
Mando-vos um mapa da Grécia antiga onde podem ver Cyrene, Alexandria e Syene. Realmente Syene (Assuão) está a sul de Alexandria mas não no mesmo meridiano, ainda há alguma diferença, mas para aquele tempo, e para quem tinha que medir as distâncias a pé, esta diferença não importaria muito, digo eu!
Mapa:

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b0/Diadochen1.png

Não acho que o nome da cidade tenha grande importância neste na história do cálculo, mas acho que deviam explicar às pessoas que é importante, essencial, que as duas cidades estejam no mesmo meridiano para que um cálculo tão simples esteja correcto.

Para a Helena: você tem alguma desculpa por não ter detectado os erros neste post porque é da área das letras. Mas também é um bocado ridículo que dê tanto valor à cultura clássica e ter que seu eu (fraco aluno e nada especialista nas clássicas) a topar que Cirene não podia ser a cidade onde o Eratóstenes fez as medições.
Neste mundo, além de tocar piano e falar francês ser de bom tom, melhor que isso é ter espírito crítico!
Corrijam lá o post e eu perdo-o-vos!!
luis

João de Castro Nunes disse...

Que belo naco... de sardónica ironia! JCN

Anónimo disse...

Eu podia jurar que já estava lá escrito "Cirene (actual Assuã, no Egipto)" desde o início.

João de Castro Nunes disse...

Entre nós... a "cultura clássica" escondeu-se debaixo de que saias?!... JCN

António Piedade disse...

Obrigado a todos pelos comentários.

De facto a situação histórico/geográfica sobre Assuã está no texto que enviei. Mas é excelente que me corrijam e que me avaliem. Só assim posso fazer melhor.
O Luís tem razão quando diz que a referência à posição geográfica relativa entre os dois pontos que Erastótenes utilizou para as suas medições é muito importante e deveria ter sido mencionada no texto original. Erro meu. E de facto, sabe, as duas cidades, Alexandria e Assuã(ou Assuão) até nem se situam exactamente sobre a linha meridional. Será que Erastótenes, com o conhecimento de então, poderia ter determinado isso?
Depois a confusão com a designação clássica da actual Assuã e sua ligação com Cirene: Nenhuma. Lapso meu. Erastótenes nasceu em Cirene, cidade e colónia Grega do norte de África, hoje Shahhat, Líbia.
Como disse, e bem, ele fez os cálculos a partir de Siena hoje cidade egípcia de Assuã, e não de Cirene.
Ao menos, a confusão que espoletei, permitiu esta discussão que revela: a importância do espírito critico mesmo que acutilante; permitiu distinguir entre paralelo e meridiano e qual a utilidade de cada um para o problema em causa; permitiu mais uma vez mostrar a importância do dialogo interdisciplinar na descoberta e na aquisição de conhecimentos. Estou-vos muito grato.

Cumprimentos,

António Piedade

Anónimo disse...

António, não sei bem como o Eratóstenes fez as coisas, não sei bem como é que ele sabia que Alexandria era a norte de Assuã. Mas ele era uma pessoa brutalmente inteligente, sabia perfeitamente o que estava a fazer e sabia que tinha que andar para norte, sabia que a Terra é uma esfera. Podia ter uma coisa simples, que deve ser fácil porque o Egipto é mais ou menos plano (acho!), que seria caminhar para norte por indicação da sombra ao meio-dia.
Além destas coisas, também seria interessante contar que ele mediu as distãncias da Terra à Lua e ao Sol, e os seus tamanhos, imagino que usou triângulação.
Há um mapa do Ptolomeu, que é posterior a Eratóstenes, que tem detalhes do Mundo impressionantes:

http://en.wikipedia.org/wiki/File:PtolemyWorldMap.jpg

Parece que o problema deste mapa é que na altura er mais ou menos fácil converter distâncias em ângulos, para latitudes, mas tinham problemas com fazer o mesmo para as longitudes (imagino que o problema seria não terem bons relógios, senão com as sombras, os ângulos, e um relógio, resolviam a coisa).
isso está explicado neste artigo da wiki:

http://en.wikipedia.org/wiki/Geographia

Vê lá se corriges o artigo porque senão os leitores que não leiam os comentários vão cair em erro.
Eu gosto de mandar as minhas bocas de maneira pesada mas é só na brincadeira, sou bô rapaz, não te preocupes!
luis

Anónimo disse...

Quem são "todos"?!... Pode saber-se? JCN

Anónimo disse...

Não teria sido mais prático, para Eratóstenes, meter os pés ao caminho e, com uma fita métrica, verificar, sem margem para erro, o "comprimento do meridiano terrestre"?!...

P.S. - Eratóstenes ou Erastótones? Não estamos em terra de humanistas ou será que, desta espécie, apenas restam "icnofósseis"? JCN

Ana disse...

É verdade que só podemos melhorar e crescer se nos disserem onde é que estamos a errar, quando erramos. Mas insisto que há formas e formas de apontar esses erros, e que corrigendas jocosas, irónicas ou cáusticas não costumam ser creditadas...pelo menos por mim... :p
Mas, também há formas muito elegantes e humildes de os aceitar e corrigir, como fez o António Piedade. Também eu já aprendi qualquer coisa ^_^ ...

Se é verdade que todos aprendemos com os nossos erros, que errar é humano e que as dúvidas existem em quem se debruça sobre as matérias, porque é que a reacção mais comum aos erros e
às dúvidas é o típico "esse erro é inadmissível" ou "essa dúvida é estúpida e vocês é um(a) ruminante"?... acaso os apontadores das dúvidas e erros serão perfeitos e não-condicionados pelas suas próprias limitações, sejam elas quais forem (com isto quero dizer, por exemplo, que há certas dúvidas que podem surgir, sei lá, por o aluno ser cego? ou surdo? estar cansado nesse dia? não ter almoçado? estar doente? etc, etc, etc)?

Ana disse...

Já agora, peço desculpa por estar sempre a imiscuir-me entre aqueles que são, decerto, dos melhores entre os seus pares. Só que...todos temos críticas e opiniões, valha o que isso valer. E todos queremos trocar ideias.

Anónimo disse...

Vani, tens todo o direito de ter opiniões, desde que sejam fundamentadas. Outra coisa são gostos, que podes confundir com opiniões. Por exemplo, há diferentes gostos para sentidos de humor diferentes. Eu apostava que há piadas que te fazem rir às quais eu não acho piada, e vice-versa.
Outra coisa: falas demais, estás sempre a dar a tua opinião mesmo quando não ta pedem, como aqui, e isso é falta de educação. Se o António se tivesse ofendido tinha que me dizer a mim e tinha que ser ele a defender-se, não és tu que tens que meter a colher armada em superherói. O mesmo para a Helena. Claro que chamei ridícula à opinião da Helena, sei muito bem disso, apesar de não ter absolutamente nada contra ela nem ser do tipo que julgas, que estou sempre no corte. Aliás só tenho coisas a favor desta gente que faz aqui um bom trabalho, que podia ser melhor, mas que é bem melhor do que nada. Errar toda a gente erra, só que quando certas pessoas dizem certas coisas num certo tom eu também gosto de gozar com isso.
Mais uma coisa, eu não nada dessas merdas de ser o melhor dos meus pares, nem tenho pares nem nada, sou um gajo como outro qualquer, não tenho grande cultura nem sei muito destas coisas clássicas. Sou um gajo banalíssimo.
Tu falas demais, e já outro dia te disse que ás vezes dizes banalidades escusadas, quando me estavas a querer ensinar que a música são ondas mecânicas, etc. Eu não te disse isso por mal, mas isso é uma coisa mesmo corriqueira para quem sabe o mínimo de ciência, por isso vê lá se pensas melhor antes de abrir a boca.
sabes, parece que não tens quem te ligue e que vens para aqui para a conversa, até parece que andas à procura de namorado. É isso? Jugo que deves ser uma gaja fixe, boa pessoa, com jeito para as crianças, carinhosa, muito meiguinha, tanto que até ficas chocada com as mais pequenas piadas. E também gostas de falar, de estar sempre a meter o bedelho em tudo e por isso em casa irias fazer conversa. Mas eu não sei te tinha paciência para te aturar, duvido um bocado. Estou tão pouco curioso que ainda nem fui ver o teu blogue, vê lá. Mas és boa? Se fores uma matulona jeitosa eu sou capaz de mudar de opinião sobre ti. Será que és? Queres mandar-me a foto?
Estou a brincar contigo. É só para mudar um bocado de tom, porque neste blogue toda a gente tem o mesmo tom, um tom muito chato, muito sério, muita pompa, tázaver, e depois tem que ser um cromo como eu a apontar os erros, já viste? Só me rio. Olha, descontrai, vai beber um copo e relaxa. Xau, beijo.
luis

António Piedade disse...

O texto será corrigido muito em breve. Obrigado pelos comentários.

António Piedade

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