segunda-feira, 31 de maio de 2010

Nascimento da Ciência há 2595 anos!


Nova crónica de António Piedade saída antes no "Diário de Coimbra":

Cidade de Mileto, colónia na Ásia Menor (actual território turco) da antiga e clássica Grécia, que tanto nos moldou, que tanto conhecimento nos legou, num dia solarengo, naquilo que hoje seria o 28.º dia do nosso actual mês de Maio, mas no ano de 585 antes de Cristo (a.C.).

Um cidadão grego, conhecido por Tales (ou Tales de Mileto), que passou à história como primeiro filósofo ocidental, também matemático, de quem temos alguma informação, um dos “Sete Sábios” da Grécia Antiga. Passeava, com o seu discípulo Anaxímenes, ao longo da margem de um curso de água. Discutiam, entre outras coisas, a evolução da Natureza. Tales argumentava que o “elemento” água era o primaz de todas as coisas. Anaxímenes contrapunha que era o ar a “substância” primeva. Discutiam ideias, olhos argutamente atentos às transformações do Universo. Em determinado momento, o caminho começou a ser ensombrado pelo escurecimento do céu. Olhando com dificuldade para o astro-rei, verificaram que algo o estava a escurecer, como se um disco obscurecesse progressivamente o Sol radiante. Pacientes e perseverantes, esperaram o tempo necessário para verificarem que o que é que fosse que estivera a encobrir o Sol acabaria por se afastar, descobrindo o astro radiante.

Tales não procurou neste fenómeno outras causas que não as naturais. Pelo contrário, e partindo do princípio de que cada acontecimento observável era o efeito de uma causa física inteligível, elaborou com os dados que tinha disponíveis uma causa hipotética para aquele acontecimento.

Até aqui, romanceei um pouco.

Mas, de facto, e tanto quanto sabemos, Tales de Mileto foi o primeiro ser humano a explicar o eclipse total do Sol como um fenómeno natural, pois de nenhuma outra coisa se tratava, usando a observação por ele recolhida, de a Lua ser iluminada pela nossa estrela e de a Lua ser responsável pelo seu escurecimento ao “colocar-se à sua frente".

Na realidade, alguns relatos confirmam que este arguto pensador teria “previsto" um eclipse solar do Sol em 585 a.C. Por isto, muito historiadores da filosofia e da ciência consideram este como o momento fundador da a filosofia e da “ciência empírica”.

É o caso do reputado físico estado-unidense Robert Lee Park, divulgador de ciência que se tem dedicado a desmascarar pseudociências e abusivas medicinas ditas alternativas.

Numa das suas últimas crónicas, na sua coluna What’s New”, Park comemora os 2595 anos da “ciência”, chamando à ribalta da actualidade uma pertinente questão: por que não começar a educação de cada criança com o ensino da causalidade? E se os infindáveis porquês que todas as crianças fazem, com a maior das naturalidades e genuinidades, fossem acompanhados por um esforço “adulto” em responder às questões com a certeza de que há uma causa para cada efeito observável?

Sem medo de errar, de mão dada a um método rigoroso e não perigoso, espantemo-nos com o esplendor do mundo em que vivemos, ao soprar a vela desta efeméride no bolo do nosso conhecimento. E depois, batamos palmas por termos conseguido explicar, não só a vela apagada, mas também a Lua a ensombrar o Sol… Sem temer “fins de mundos ensombrados por forças não físicas”, continuemos embarcados na viagem gratificante da ciência. Parabéns intelecto humano!

6 comentários:

Anónimo disse...

"casualidade" ou "causalidade"? E, já agora, que são "genuidades"? JCN

António Piedade disse...

Caro JCN

Obrigado pelos reparos pertinentes e com efeitos causais, como verificou. Já agora e entre outras possíveis lapsos, o que eu queria escrever era genuinidades e não genuidades que, como muito bem fez notar, não encontrei no dicionário.

Cumprimentos


António Piedade

António Piedade disse...

Caro JCN

Muito Obrigado pelos seus reparos, que tiveram efeitos causais. Já agora, o que quis escrever foi genuinidades e não genuidades que, como questionou e bem, não surge no dicionário.

Um abraço

António Piedade

Anónimo disse...

Os meus "reparos", caro Dr. António Piedade, só comprovam a atenção com que leio os seus interessantíssimos artigos sobre as maravilhas do universo. Nada mais do que isso. E, já agora, pergunto: Anaxímenes... será o mesmo que Anaximenes?... JCN

António Piedade disse...

Encontrei, muitas vezes no mesmo texto, fontes universitárias portuguesas, as duas formas!
Estou a referir-me ao 3º filósofo jónico, discípulo indirecto de Tales (como ficcionei no texto pelo facto de aquele ter nascido no ano em que terá ocorrido o eclipse, 585 a.C. - iria pois, quanto muito, ao colo de Tales de Mileto em vez de o acompanhar passeando).
Já agora, o 2º filósofo jónico em falta é Anaximandro. Este sim foi mestre de Anaxímenes e discípulo de Tales de Mileto.

António Piedade

Anónimo disse...

O problema que lhe pus, meu caro Dr. António Piedade, é de natureza meramente ortográfica, não da identificação do sujeito. Quando fiz a cadeira de História da Filosofia Antiga com o Prof. Joaquim de Carvalho, sempre lhe ouvi dizer Anaximenes, que julgo ser a pronúncia mais correcta. JCN

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