“Conhece alguém as fronteiras da sua alma para que possa dizer – eu sou eu?” (Fernando Pessoa, 1888-1935).
“Então e a alma?”- questão levantada por Brigitte, aluna de uma escola primária francesa, ao médico francês Jean Bernard.
“Então e a alma?”- questão levantada por Brigitte, aluna de uma escola primária francesa, ao médico francês Jean Bernard.
Esta angustiante pergunta, transcrita numa das páginas de um pequeno mas notável livro do presidente da Academia de Ciências de França, Jean Bernard ("Europa-América, 1988), quando explicava a Brigitte e às suas pequenas colegas o funcionamento do sistema nervoso, serviu de sugestivo título ao seu autor.
Perpassa pelas suas 176 páginas, que releio como o mesmo prazer com que o fiz anos atrás, uma extraordinária simplicidade de escrita que só o pensamento linear e bem fundamentado dos cientistas com as ideias bem digeridas na matéria que dominam consegue transmitir.
Da sua apaixonante leitura, colhi a informação de um luminar da hematologia mundial (director do Instituto de Investigação sobre as Leucemias e as Doenças do Sangue em que foram feitas as primeiras curas de leucemias agudas) sobre a necessidade de um respaldo abrangente e ecléctico da Filosofia e da própria Religião na abordagem de assuntos de natureza científica.
Segundo, I.M. Bochenski (La Philosophie Contemporaine en Europe) “o pensamento do filósofo tem o efeito do dinamite (…) aquilo que os filósofos anunciam hoje será a crença de amanhã”. Visão diferente tem o nosso festejado filósofo Delfim dos Santos (1907-1966): “No pensamento de cada filósofo há algo de vivo e algo de morto e o morto é quase sempre o científico”. Por seu turno, o autor do livro, Jean Bernard, diz-nos que “os filósofos clássicos foram durante muito tempo os únicos a ocupar o terreno: brilhantes, firmes certos da verdade, recusando a crítica, aproximativos, utilizando as palavras essenciais com sentidos diferentes”. E logo acrescenta: “Os filósofos modernos, muito mais abertos, aceitam o diálogo”.
Por vezes, em resposta à questão que elaboro sobre o que se entende por pensamento, deparo-me com o silêncio de uns tantos interlocutores ou a facúndia sem nexo de outros tantos. Contemplando e ampliando a tese cefalocentrista, que remonta a tempos de Platão e Hipócrates, segundo a qual “o pensamento tem a sua sede no cérebro do homem”, respondo ser o complexo funcionamento da máquina humana e não só do cérebro, pois, segundo Ernest Kretshemer, “o homem pensa com o corpo todo”.
Opinião que deve merecer o descrédito de adeptos do vitalismo (como se o cérebro como qualquer outro órgão do corpo humano não fosse matéria corpórea) que se recusam a ver no homem um animal, a exemplo do literato François- René Chateaubriand (1768-1848), quando escreve com fervor religioso: “Se nos é permitido dizer, é, parece-nos, uma grande pena encontrar o Homem mamífero classificado, depois do sistema de Lineu, com os macacos, os morcegos e os pássaros”.
E, logo, para evitar uma possível subordinação a um ateísmo, que não perfilho, digo que a expressão literária de pensamento (tida por Alexandre Herculano de inspiração divina: “Foi depois disto que este nome e esta imagem [de Leonor] me apareceram como um pensamento do céu”), assume, por vezes, o significado de alma, ao invés da significância de processo de raciocínio lógico, através de uma actividade psíquica consciente e organizada.
Para consubstanciar o conceito de pensamento, acrescento que o perspectivo em termos de Ciência e não de Teologia, até porque “para aqueles que crêem nenhuma explicação é necessária; para aqueles que não crêem nenhuma explicação é possível”, como nos transmitiu Santo Inácio de Loiola. Já o padre João Resina, sócio efectivo da Academia de Ciências de Lisboa, na sua dupla formação científica (licenciado em Engenharia Química pelo IST em 1953, e professor jubilado de Física dessa mesma escola) e teológica (ordenado padre em 1959 e doutorado em Filosofia pela Universidade Católica de Lovaina), escreve: “A Religião não recebe nada da Ciência, esta é uma compreensão exigente e sóbria do mundo que nada tem a ver com valores que implicam opções ‘ na solidão da liberdade’; a Ciência revela-nos possibilidades insuspeitadas de nós próprios”. Consequentemente, em meu entender, ciência e religião não são susceptíveis de seguirem um caminho interdisciplinar: aquela vive de dogmas; esta de hipóteses.
Aliás, no próprio domínio das ciências, em estranho paradoxo, cada vez se fala e defende mais a interdisciplinaridade, mas, na prática do dia-a-dia , ela é entendida como uma espécie de utopia. Para Edgar Morin, esse gigante do pensamento moderno, a interdisciplinaridade não tem o viço das árvores frondosas por ausência de raízes fortes. Escreve ele:
“Sabemos cada vez mais que as disciplinas se fecham e não comunicam umas com as outras. Os fenómenos são cada vez mais fragmentados e não se consegue conceber a sua unidade .É por isso que cada vez mais se diz façamos interdisciplinaridade, mas ela controla tanto as disciplinas como a ONU as nações. Cada disciplina pretende primeiro fazer reconhecer a sua soberania territorial e, às custas de algumas magras trocas, as fronteiras confirmam-se em vez de se desmoronarem”.
Contra a torre de marfim do conhecimento pronuncia-se, de igual modo, o filósofo Georges Gusdorf (1912-2000), antigo professor da Universidade de Estrasburgo, quando escreve:
“A unidade do saber, nunca dada, propõe-se como uma tarefa a empreender. Como uma tarefa impossível, talvez, e desencorajante de qualquer modo. Mas esta tarefa define a mais alta exigência da cultura. Desde então, a atitude do especialista, quer seja matemático ou botânico, filólogo ou historiador, que se debruce ciumentamente sobre o estrito comportamento da sua própria competência, deve ser considerado como uma demissão. Qualquer dissociação do conhecimento é uma negação do conhecimento. O dever presente é trabalhar para reunificar, para dar corpo aquilo que um século de análise desmembrou. O pressuposto da especialização deve dar lugar ao pressuposto da convergência Ciências e Letras, Ciências da Natureza e Ciências do Homem, que pareciam votadas a caminhos distintos, devem tomar consciência, cada uma por seu lado, que são como paralelas que, sem se afastarem da sua própria direcção, se encontram no infinito”.
Por consequência, Ciência, Filosofia e Religião não têm sido contempladas por um estudo interdisciplinar: aquelas vivem de incertezas, esta não admite dúvidas. Apesar de tudo, os cientistas ostentam, com toda a propriedade, o brasão prestigioso das grandes conquistas tecnológicas do nosso tempo. Pois não viaja o homem já hoje para fora do planeta Terra? É a altura de dar a palavra a Charles De Gaulle: “É bem possível que um dia se vá à Lua, mas isso não é ir muito longe; a maior distância a percorrer está dentro de nós!” Há muitos anos que o homem chegou à Lua. Próximo passo será pisar o solo marciano. E os caminhos a percorrer dentro dele próprio? Não estará ainda por cumprir a velha máxima socrática “nosce te ipsum” (conhece-te a ti mesmo)?
Os dois e únicos transplantes de caras inteiras desfiguradas, um deles realizado na nossa vizinha Espanha, não nos dão, ainda, esperanças sobre a possibilidade de transplantes cerebrais que mudariam a personalidade das pessoas descrita no livro de Jean Bernard, através de uma história de amor. Escreve ele:
“Pierre ama Jeanne. Jeanne, após um acidente, fica sem um braço. Um braço estranho é enxertado em substituição do braço amputado. Pierre continua enamorado de Jeanne. Mas Jeanne, um pouco mais tarde, padece de uma grave doença renal.
Tenta-se um transplante renal e é bem sucedido. Pierre continua enamorado de Jeanne. Novo acidente. Queimaduras extensas. São necessários grandes enxertos de pele. Mais tarde, ainda, verificam-se sérias alterações no coração de Jeanne. Encara-se um transplante de coração.
Pierre continuará enamorado de Jeanne? Esta pobre Jeanne com um braço estranho, uma pele estranha, um coração estranho, será ela ainda a Jeanne que ele amou? Quantos órgãos, quantos tecidos, Jeanne pode trocar continuando a ser amada? Quantos quilos, quantos metros quadrados, poderá ela substituir continuando, no entanto, a ser a mesma?”
Para Jean Bernard “só a engenharia genética pode mudar a pessoa, pela transformação do património genético do indivíduo”. Ora, Jeanne não foi transplantada na sua massa encefálica que, a ser possível, lhe mudaria a personalidade e todo um passado de vivências mais ou menos ricas ou pobres, mais ou menos felizes ou traumatizantes.
Julgo poder extrair-se daqui a seguinte lição. Na medida do possível, embeleze-se o rosto desfeado, esbelte-se o corpo disforme, recorra-se a todos os meios da moderna e milagrosa cirurgia de transplantes ou apenas reconstrutiva. Mas continue a amar-se a pessoa naquilo que ela é na actualidade, longe mesmo do que ela foi fisicamente no passado. Com ígnea paixão!
Se Jeanne pudesse ter sido transplantada com um novo cérebro seria ela a mesma pessoa, continuando a ser amada apaixonadamente por Pierre?
35 comentários:
Sempre gostei desta citação de Alexandre Quintanilha: a alma ficaria ofendida se lhe dissessem que é apenas uma molécula. :)
Seja lá o que a alma for. :)
Vani:
Registei a citação que fez de um cientista. De um outro Poeta (Camões): “Que dias há que na alma me tem posto / Um não sei quê, que nasce não sei onde / Vem não sei como, e dói não sei porquê?”
Se a alma reside exclusivamente no cérebro, é caso para perguntar se os loucos... também têm alma. JCN
Meu caro JCN:
Que culpa têm os loucos de serem loucos, os idiotas de serem idiotas, e por aí fora? Já os que se querem fazer passar por loucos ou idiotas, e por aí adiante, e daí tirarem dividendos políticos ou de qualquer outra natureza material, devem carregar essa culpa pela vida fora. Eu, como simples crente, não materializo a alma, unicamente tenho o cérebro como sede do pensamento dos justos e injustos, dos puros ou impuros. Julgo não haver, aqui, divergência de monta entre nós dois.
A propósito, li em tempos, sem lhe dar credibilidade científica, ter havido alguém que pretendeu materializar a alma, comparando o peso do indivíduo em vida e pesando-o após o seu falecimento. Contas feitas, subtraindo o valor do primeiro ao segundo, entendeu ser esse o peso da alma! Ou seja, querer dar um cunho científico à alma dá experiências disparatadas como esta...
Agradecendo o seu comentário, não me alongo mais, e até me desculpo de o ter feito, numa matéria de natureza teológica para a qual se me sobra um tanto de fé carece-me bastante mais o conhecimento.
Cordialmente
O texto está interessante, no entanto há aqui algumas salganhadas!
A filosofia de hoje perde o crédito porque os filósofos são mais comentadores e "opinadeiros" que outra coisa.
A filosofia que se ensina é história da filosofia e não filosofia.
Andamos ainda a discutir santo Anselmo e Joaquim de carvalho! por favor, discutam-se temas modernos, actuais!
A questão da interdisciplinaridade está directamente relacionada com a temática das duas culturas de Snow.
Obviamente que a unidade será utopia mas as pontes não são construídas por preguiça e má fé!
Um exemplo óbvio é a actual situação dos agrupamentos disciplinares no ensino secundário que é uma aberração completa, forçando os alunos a decidirem uma via e proibindo literalmente de terem formação noutra área, criando o fosso entre literatos e cientistas!
Esta aberração há dura à demasiado tempo e urge extingui-la!
Sobre a filosofia, esta tornou-se uma palhaçada quando o conhecimento cientifico avançou e os filósofos foram obrigados a decidir e estes decidiram-se passar para o lado das ciências sociais (agora assim chamadas) porque é que os filósofos actuais não continuam o trabalho dos antigos de fundirem em si a formação das ciências exactas e das ciências sociais? dá muito trabalho não é? Assim tiram um cursozito onde aprendem uns conceitos interessantes do ethos e pathos e tretas afins e mandam umas bocas e armam-se em opinion makers e pronto, é vê-los a terem orgasmos discutindo o que já foi discutido até à exaustão, a justiça na obra de Platão, a existência de Deus no proslogion, etc.. acabam por ser uns pseudo historiadores da filosofia!
Onde andam os filósofos para discutirem a actualidade? As guerras de hoje por causa do petróleo, das posições geo-estratégicas, da crise internacional, etc..
Alem do mais que a filosofia está conspurcada desde que incluíram a palavra Deus.
Filosofia faziam os antigos, hoje o que chamam de filosofia são banalidades..
É por essas e por outras que os filósofos não são chamados a dar a opinião para nada nem contribuem para nada, deixa-los estar nas suas torres de marfim!
Este tema abordado no post suscita a leitura, porventura útil, de outras fontes.
Uma que se conjuga com a vinda do Papa Bento XVI, e dedicada ao seu homónimo do séc. XVIII, com o título Triunfo da Religião. Poema Épico-Polémico; que à Santidade do Papa Benedito XIV. Dedica Francisco de Pina e de Mello, Moço Fidalgo da Casa de Sua Majestade Fidelíssima, e Académico da Academia Real da História Portuguesa (Coimbra: Na Oficina de António Simões Ferreira, Impressor da Universidade, 1756), da qual respigo, a partir da p. 149, no:
[Livro V – Contra o Libertinismo Cirenaico*
Alma racional na inteligência,
Inda da mais confusa negligência,
Se julga uma substância vigilante,
Imortal, concipiente, cogitante,
Imutável, ansiosa, incorruptível,
Harmónica, incorpórea, indivisível:
Sendo espírito puro, se acha unida
A um ente material, aonde a vida
Inspira formalmente ao ser humano:
Os prodígios de um Nume Soberano
Aqui se reconhecem, produzindo
Um composto de partes tão contrárias,
Como matéria, e espírito; e infundindo
Em tão diversas fontes, em tão várias
Disposições a união, que facilita,
Num Ente que obra, e em outro, que medita:
Admirável portento ! pois em toda
A máquina visível se acomoda
Este inspirante incêndio a subtileza,
Sem alterar do corpo a natureza;
Antes quando o penetra, o fortifica,
O estende, o move, o ilustra, o vivifica
Para tão grande empenho se dilata
No errante impulso, com que os membros ata;
Pois no sangue, fluxível aparece:
Copulado na carne, se entumece:
Na pele, o percebemos estendido:
Firme nos ossos: nos tendões tecido:
Curvo nos intestinos: destilado
Nos humores: nas veias, circulado:
Inquieto nas artérias: luminoso
Nos olhos: e nas mãos, industrioso:
Ágil, nos pés: nas vozes, eloquente
Livre, no coração: no peito, ardente.
… … … … … … … … … … …]
• Libertinismo Cirenaico. É a seita dos que negam a imortalidade da alma; tomando este conceito da Escola Cirenaica, da qual foi fundador Aristipo, que punha nos deleites sensíveis toda a felicidade do homem. E por isso se diz que Sócrates convertera os brutos em homens, e Aristipo os homens em brutos.
A partir da p. XXXVI, o capítulo “VI - O tratado da perfeição da alma”, ínsito no volume Tractado da perfeiçaom da alma, de Álvaro Gomes, com Introdução e Notas de A. Moreira de Sá (Acta Universitatis Conimbrigensis, Coimbra, 1947).
O meu caro Amigo extrapolou o sentido da questão que coloquei sob a insuspeita autoridade de Teilhar de Chardin: não se trata de atribuir ao louco a culpa da sua loucura, evidentemente; trata-se de questionar se, privado da capacidade de raciocinar, o louco, caso a alma resida "exclusivamente" no cérebro, continua a poder considerar-se... um ser humano, caracterizado essencialmente por ter aquilo que os animais não têm, conforme se vem dizendo, ou seja, a ALMA. Quer mais claro? Por outras palavras e ainda sob a umbela de Teilhard: pelo facto de estar privado da capacidade de pensar, o louco deixa de ser homem? Se a evidência é negativa, como se impõe, só resta concluir que a alma não reside "exclusivamente" no cérebro. É toda uma outra coisa, cuja definição não se encontra ao nosso alcance. Não temos a chave do mistério. Conforme? JCN
Agradeço aos autores dos comentários as questões pertinentes levantadas. Este "post" muito beneficiou deles e muito mais poderá vir a beneficiar se contemplado com novos comentários de idêntico valor.
1. Para já, sobre as duas culturas de Snow, aconselho vivamente a leitura do “post de Palmira F. da Silva, neste blogue, intitulado “Literacia científica: à procura do arco-íris”, de 2 de Maio de 2007. O leitor verá não se tratar de um cheque em branco.
2. Quanto à Filosofia que se ensina no secundário (secundarizada pelo próprio facto de não constituir matéria de exame digno desse nome) a culpa não será dos respectivos professores, mas de programas que infantilizam os alunos que, assim, são afastados não só da busca da sabedoria mas também da sabedoria já encontrada.
3. A epistemologia, um dos principais ramos da filosofia, tomou o lugar da frondosa árvore do conhecimento e dos seus amantes, renegando a fonte donde emanam as diversas e milenares formas do conhecimento, dito, científico. Enfim, sinais de um tempo de utilitarismo imediato daquilo que se sabe (e, muitas vezes, nem se sabe!).
JCN fala da noosfera de Teilhard de Chardin.
Quem estiver interessado em conhecer a sua obra basta aceder a este sítio, e inscrever-se para entrar na lista do "Círculo de Estudos Teilhard de Chardin".
“ ‘Ter alma espiritual’ quer dizer exactamente ser querido, conhecido e amado de modo especial por Deus; ter alma espiritual significa ser-se alguém que é chamado por Deus para um diálogo eterno e que por isso, é capaz, por sua vez, de conhecer Deus e de Lhe responder. Aquilo a que, numa linguagem mais substancialista, chamamos ‘ter alma’, passamos a chamar, numa linguagem mais histórica e actual, ‘ser interlocutor de Deus’ “
Joseph Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, Principia, p. 259.
Meu caro Sr. Alfredo Dinis: gostava que lesse o meu livro de poemas intitulado "Falar com Deus". Como posso mandar-lho? JCN
Teilhard de Chardin poderia estar correcto nas suas observações cientificas, mas tentou o impossível, não há reconciliação possível entre ciência e religião, aliás se tenta meter a ciência no mesmo saco que as divindades passa mas por uma espécie de criacionista..
Ps: A alma não existe, deixemos-nos de palermices, é um conceito pré cristão, é uma ideia que não tem comprovação cientifica alguma, a existência da alma comportaria a existência do submundo do hades, agora inferno e do Olimpo, agora céu.. Uma parvoíce portanto!
Vossemecê tem mesmo a certeza... de que "a alma não existe"?! Posso confiar?... Dava-me jeito... que assim fosse! Aguardo resposta... concludente. JCN
Caro JCN,
O meu endereço postal é o seguinte: Rua Francisco Pereira Coutinho, 31, 2º - 4700-384 Braga.
Terei muito gosto em ler os seus poemas.
Cordiais saudações,
Alfredo Dinis
Caro anónimo (8 de Maio),
Como sabe há inúmeros cientistas que não vêm qualquer incompatibilidade entre a sua fé religiosa e a sua actividade científica.
A religião, refiro-me mais concretamente ao cristianismo, não entra em competição com a religião: não tem nenhuma proposta sobre as diversas teorias científicas acerca da origem do universo ou da vida. O cristianismo situa-se mais ao nível da sabedoria que do conhecimento que é objecto da ciência.
Quanto à alma, suponho que se refere a 'algo' que entra e sai do corpo, uma espécie de fantasma que sai do corpo no momento da morte. Esta é a imagem pré-cristã a que se refere, mas não é esta a imagem do cristianismo, como pode verificar pela definição de alma dada por Ratzinger em termos relacionais e não coisísticos.
Cordiais saudações,
Alfredo Dinis
Gostaria de perguntar qual foi e como foi a experiência por vós elaborada e executada que vos levou à confirmação da existência da alma, é que eu gostaria de fazer a mesma experiência noutro sítio, noutra altura, com pessoas diferentes, para chegar à mesma conclusão de vocês...
"Que quimera é o Homem? Que novidade, que monstro, que caos, que prodígio! Juiz de todas as coisas, verme imbecil, cloaca de incerteza e de erro, glória e nojo do Universo. Quem deslindará esta embrulhada?" (Pascal, 1623-1662).
Numa perspectiva antropológica, uma coisa me parece certa. Foi através da longa e penosa conquista da posição bípede que foi permitido ao Homem, em genuflexão, erguer as mãos ao céu em prece a Deus, forma sublime de exteriorizar a unidade do seu ser e com ela o Pensamento constante pelo fim último ("Sou para o meu pensamento / Um cadáver a esperar" - Fernando Pessoa) e a sua preocupação pela salvação da Alma.
Nesta perspectiva, aliás defendida no meu post, pensamento e alma são coisas diferentes: o desvendar dos fenómenos bioquímicos que presidem ao estudo do pensamento tem-se prestado a grandes conquistas do domínio da neurobiologia; a aceitação ou não da alma é uma questão de fé e “quem quiser fugir das incertezas da fé terá de suportar as incertezas da ausência de fé e nunca poderá dizer que a fé não é a verdade” – (Joseph Ratzinguer).
Caro Alfredo Dinis:
Quando, no seu comentário publicado hoje, evoca a compatibilidade entre Ciência e Religião, ocorreu-me à memória a conhecida frase de Einstein: "A Ciência sem Religião é coxa; a Religião sem Ciência é cega".
Mas a relação de Einstein com a Religião é abordada em profundidade pelo Prof. Carlos Fiolhais num "post" de 11.Abril.2007, publicado neste blogue, com o título "Einstein e a Religião". Li este "post" na altura em que foi publicado. Reli-o, agora, com redobrado prazer pela sua actualidade e interesse para a temática em debate.
De uma belíssima palestra sobre Darwin realizada pelo Prof. Dr Alfredo Dinis na Escola Secundária Carlos Amarante, no dia 25 de Novembro passado, retive especialmente duas frases, uma atribuída a Galileu, quando observava a vastidão do espaço através do seu telescópio: "ou Deus está dentro de nós ou não está em lado nenhum" e a outra afirmando que "a ciência séria só pode fazer bem à religião".
O que eu gostava que alguns pudessem imaginar como alunos comuns, do ensino secundário, estavam fascinados com o que viam e ouviam...
Eu fui apenas mais um.
Negando a existência da alma, só nos resta concluir que somos todos... uns desalmados! JCN
O Vosso tanque General, é um carro forte
Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista
O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.
O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar
Bertold Brecht
Caro Rui Baptista,
A posição de Einstein acerca da religião continua a dar que falar, desnecessariamente, a meu ver. Einstein era, basicamente, um panteísta, que não aceitou a existência de um Deus pessoal e criador do universo. O seu sentimento de profunda admiração perante o universo tem mais a ver com o que hoje se designa genericamente por espiritualidade. Por conseguinte, quando afirmo que não há incompatibilidade entre ciência e religião penso sobretudo em pessoas como o P. Lemaitre, que intuiu a teoria do big bang ou o P. Luis Archer, que introduziu a biologia molecular em Portugal.
Saudações,
Alfredo Dinis
Caro JCN,
A questão não está em negar a existência da alam, mas em esclarecer de que falamos quando usamos o conceito de alma.
Saudações,
Alfredo Dinis
Caro anónimo (8 de maio),
A experiência que me leva à 'existência da alma' é a experiência da relação inter-pessoal que é a verdadeira fonte da vida pessoal. São as relações inter-pessoais que nos constituem como pessoas, e não apenas a nossa dimensão biológica. Neste sentido, que é aquele a que se refere Ratzinger, a expressão 'existência da alma' não pode significar que 'existe uma coisa chamada alma' que se 'tem'.
Saudações,
Alfredo Dinis
SENTIR A ALMA
Ao Dr. Alfredo Dinis
Nós temos alma, mesmo que sem vê-la
dentro de nós sintamos que ela esteja;
só que ninguém consegue descrevê-la
de modo a que se entenda o que ela seja.
JCN
Meu Caro Alfredo Dinis (1):
Começo por lhe agradecer todos os seus comentários que lustraram o meu post, dando-lhe uma dimensão que inicialmente julguei não ter ou pretendi, sequer, que tivesse.
Felizmente, encontrei em si um espírito clarificador de pontos que a minha não formação teológica possa ter deixado (ou deixou mesmo) na penumbra da minha ignorância. Embora sabedor do risco que corro da desacreditação do intuito que presidiu à redacção do meu post, declaro, desde já, que não pretendi ir além da sandália ao contrário do sapateiro que depois de criticar a fivela de um quadro do famoso pintor da antiguidade grega, Apeles, quis ir mais além censurando aspectos pictóricos e, com isso, dando azo, à expressão latina: “Ne sutor ultra crepidam [judicaret].”
Mas o “leitmotiv” do meu post foi a impressão em mim deixada por uma criança ( com formação religiosa católica?) perante o facto de a neurofisiologia das “coisas” do cérebro lhe terem criado o pânico da denegação da alma. Se verificar,meu Caro Alfredo Dinis, mesmo em adultos se confunde o pensamento (com base biológica na matéria) com a incorporaleidade da alma.
Quando se discute a relação entre Religião e Ciência, sei que se deve deixar de parte a posição da Igreja medieval ao defender a teoria heliocêntrica que tinha a Terra a orbitar o Sol, o falar das profundezas do inferno e das terríficas penas ao pecadores ou o planeta que pisamos como o único planeta do universo habitável por seres pensantes, o Homem. Homem que, como escreveu o filósofo Blaise Pascal, “ é apenas uma palha, a coisa mais fraca na Natureza, mas é uma palha ‘pensante’”.A esta apreciação acrescento, uma vez mais, a de um cientista, Henri Poincaré: “O Homem representa apenas um pálido clarão na tempestade da vida, mas esse clarão è tudo”.
E aqui registo a opinião de Ian Barbour, físico e teólogo, quando nos diz: “Há mais complexidade na mente humana do que em mil galáxias ou planetas sem vida”, pressupondo, como tal, na sua condição de teólogo moderno haver vida para além daquela que conhecemos. Aliás, Shakespeare, no Hamlet, o deixou expresso: . "Há mais coisas nos céus e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia".
Este um facto incontroverso. Sempre que se fala de Einstein vem à baila a sua discutível crença religiosa respaldada nas muitas afirmações que fez tendo Deus como “personagem”. Quando Abraham Pais, da Universidade Rockfeller, foi entrevistado por Russel Stannard, autor do livro “Ciência e Religião”, à pergunta se este cientista “acreditava em Deus, um Deus pessoal, ou se era apenas uma maneira pitoresca de se referia às leis da natureza”, respondeu:
(CONTINUA)
Meu Caro Alfredo Dinis (2):
- “Quando Eistein tinha cerca de seis anos passou por um intenso período de sentimentos religiosos, sentimentos religiosos convencionais. Não comia carne de porco, coisas do género [aliás proibidas pelo judaísmo]. Isto durou um ano, e depois desapareceu; ele não acreditava num Deus pessoal, num Deus que castiga ou recompensa.”
Insistiu Russel Stannard: - “Então que queria ele dizer ao usar a palavra ‘Deus’ numa fase posterior?”
Esclareceu o interrogado: -“Oh, apenas um conceito abstracto. Significava que a natureza se manifesta de formas extremamente regulares; que há leis da natureza. E que estas leis têm que ser descobertas e reveladas, Era nesse sentido que ele utilizava a palavra, nem mais, nem menos. A parte essa breve fase na sua infância, nunca foi um homem religioso em toda a sua vida”.
Mas bastará este testemunho para clarificar o pensamento “religioso” de Einstein? Por seu lado, a própria Igreja, com a sua fé inabalável vai abrindo os braços às conquistas da Ciência que os próprios cientistas reconhecem não serem imutáveis pela refutabilidade que lhe atribui Karl Popper, e por eles próprios aceite com humildade. Como escrevi no meu post, a fé não é explicável nem pode de ser explicada. Afirma-o o próprio Santo Inácio de Loyola: “Para aqueles que crêem nenhuma explicação é necessária; para aqueles que não crêem nenhuma explicação é possível”.
Mas a questão fulcral parece-me agora residir no panteísmo de Einstein, que aceita um criador sem ser o Criador que criou o Céu e a Terra.Para melhor me situar, que espécie de panteísmo “encaixa” no pai da Relatividade, que revolucionou o mundo Da Física, palavra empregue pela primeira vez, no século XVIII, por John Toland para designar aquilo que hoje se atribui “ao sistema filosófico que admite na natureza uma única substância, que é Deus e todos os seres modalidades particulares da substância divina”?
Panteísmo que mereceu a atenção de Platão, retomada, mais tarde, por João Escoto Erígeno em que a sua doutrina, embora fundada na revelação divina, é impregnada de espírito oriental , das ideias platónicas e da Astrologia. Sob o risco de errar, julgo enquadrar-se o panteísmo de Einstein em Giordamo Bruno, precursor de Espinosa, e do panteísmo moderno, ao opor a religião da natureza ao cristianismo, tendo Deus como o ser universal em que tudo subsiste, que se transforma em todas as coisas e com elas constitui uma única realidade.
Mas isto são questões que me transcendem pedindo-lhe, como tal, meu Caro Alfredo Dinis, o esclarecimento das dúvidas que a pessoa de Einstein me levantou, e levanta, possivelmente a muitos leitores, e a que eu me sinto incapaz de dar uma resposta que me satisfaça a mim próprio, e muito menos aos possíveis leitores deste meu comentário que eu tenho, de certo modo, atrevido.
Finalmente, conhecedor da obra do Padre Luís Archer (embora sem a profundidade que seria desejável), desconheço, em absoluto, a obra do Padre Lemaitre que cita no seu comentário. Seria atrevimento da minha parte pedir-lhe, que me desse a conhecer, com o espaço que um comentário comporta, mas se necessário dividido em duas partes, a teoria do big bang por ele intuída?
Refundindo e completando:
Põe-se a alma em causa, mesmo que sem vê-la
dentro de nós se sinta que ela esteja;
só que ninguém consegue descrevê-la
de modo que se entenda o que ela seja.
Diz o Poeta magno que ela dói
sem se saber porquê, sendo verdade
que não contesto, porque me destrói
sua presença que meu ser invede.
Ter alma causa às vezes sofrimento,
angústia, aperto, inquietação, tortura,
motivo de pesar e de tormento.
Quantas vezes desejo, por meu lado,
ser dela desprovido e, porventura,
ser pura e simplesmente um desalmado!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Onde não chega a vã filosofia
com seus sofisticados argumentos
pode às vezes chegar a poesia
pela inspirada voz dos sentimentos.
JCN
No soneto anterior, corrijo a gralha "invede" por "invade". JCN
SEGREDO DE ESTADO
Se Einstein tinha ou não fé, se acreditava
em Deus, conforme às vezes parecia,
mas nunca abertamente o proclamava,
só ele desde logo o saberia.
Ninguém tem o direito assegurado
de vasculhar sua alma a esse respeito,
pois é terreno místico e privado
que devassar ninguém tem o direito.
Discutam-se, de todas as mneiras,
as suas teorias específicas
no campo das fronteiras científicas.
O resto, as suas crenças verdadeiras,
seus sentimentos pios ou ateus,
é segredo de estado... entre ele e Deus!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Caro Rui Baptista,
Sobre a religiosidade panteísta de Einstein, não tenho nada a acrescentar. Uma vez que ele considerava inaceitável a existência de um Deus pessoal, a modalidade do seu panteísmo é talvez uma questão académica.
No que se refere a Lemaître, deixo-lhe aqui uma passagem da Verbo, de natureza biográfica, e outra de uma das suas obras:
Georges Lemaître, astrofísico e matemático belga (Charleroi, 17.7.1894 - Lovaina, 20.6.1966) que, em 1927, «apresentou a sua hipótese cosmogónica, segundo a qual toda a matéria que constitui o Universo se encontrava originalmente fortemente condensada, a uma temperatura extremamente elevada, num átomo único com 100 milhões de quilómetros de diâmetro — o «átomo primitivo» — e que se teria desintegrado devido a uma violenta explosão, dispersando-se em todos os sentidos e dando origem aos diversos corpos celestes que actualmente o formam» (Enciclopédia Verbo-Edição Século XXI).
“Podemos comparar o espaço-tempo a uma taça cónica aberta… A base da taça é a origem da desintegração cósmica; é o primeiro instante na base do espaço-tempo, o hoje que não tem ontem porque ontem não havia espaço” (Georges LeMaitre, The Primeval Atom: An Essay on Cosmogony, Gonseth, 1950.
Cordiais saudações,
Alfredo Dinis
Prezado Alfredo Dinis:
Grato pelos seus amáveis comentários e pela utilidade dos esclarecimentos neles prestados. Fica a promessa de me debruçar sobre a obra científica do Padre George Le Maitre.
Cordiais e respeitosos cumprimentos,
Rui Baptista
A credibilidade... tem limites! JCN
Com que fita métrica é que LeMaitre mediu o diâmetro do "átomo primitivo"?!... JCN
Enviar um comentário