terça-feira, 18 de maio de 2010

CIÊNCIA NOS MUSEUS


Apontamentos para a minha intervenção hoje à noite na Casa-Museu Egas Moniz em Avanca, Estarreja (na foto), para assinalar o Dia Internacional dos Museus:

A ciência nos museus evoluiu muito desde o tempo de Egas Moniz. No início do século XX (Egas Moniz acaba o seu curso de Medicina em 1899) os museus eram simples mostruários de objectos, servindo os museus de ciência, em geral anexos a universidades, de meros repositórios de objectos e instrumentos com fins didácticos que eram dirigidos quase exclusivamente aos alunos dessas instituições. Mas, em 1937, quando Egas Moniz era proposto pela segunda vez para o Prémio Nobel da Medicina (referindo desta vez, além dos trabalhos de angiografia, os trabalhos, então recentes, da leucotomia, que em 1949 lhe haveriam de valer o Prémio Nobel), abria em Paris o Palais de la Découverte, devido ao físico - e Prémio Nobel da Física - Jean Perrin e ao biólogo Jean Rostand, que viria a revelar-se um protótipo dos modernos centros de ciência. Esta ideia viria a ser retomada em 1969, pelo físico Frank Oppenheimer, irmão de Robert Oppenheimer, ao criar o Exploratorium de S. Francisco, que foi uma verdadeira escola de centros interactivos de ciência por todo o mundo.

Apesar de ter havido algumas tentativas anteriores de exposições interactivas, o Pavilhão do Conhecimento, Centro Ciência Viva, no Parque das Nações, em Lisboa, foi, a partir de 1999, um bom exemplo dessa escola, que alargou para a, hoje felizmente vasta, rede de Centros Ciência Viva no país. Ao mesmo tempo, os museus de ciência mais tradicionais existentes em Portugal foram-se revitalizando, sendo um bom exemplo da transformação e modernização de um museu de ciência universitário a renovação do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra, cuja 1.ª fase foi inaugurada em 2006, e cuja 2.ª fase, com ocupação prevista do Colégio de Jesus e cujo programa incluirá a medicina, está em curso. Esse museu moderno, que já ganhou um prémio europeu, concilia a museologia dos objectos com módulos interactivos, que os visitantes podem operar. Também nas Universidades de Lisboa e do Porto os museus de ciência foram procurando valorizar-se, com exposições permanentes e temporárias. Em Lisboa, o Museu de Ciência, impulsionado pelo físico Fernando Bragança Gil, fez há pouco 25 anos. É parte dos Museus da Politécnica, que também incluem o Museu Nacional de História Natural. Lembre-se que Egas Moniz se tornou, em 1911, pouco depois da implantação da República, catedrático da Universidade de Lisboa.

O caso do Museu Nacional da Ciência e da Técnica, ao qual está associado o nome do físico Mário Silva, criado em 1971 e extinto há poucos anos, devia constituir motivo de reflexão: Como foi possível extinguir um Museu cuja justificação é tão evidente? Uma homenagem desse Museu nacional a Egas Moniz manifestou-se pela consagração de um número inteiro da sua revista, o n.º 4 das "Publicações do Museu Nacional da Ciência da Técnica", ao médico português, por ocasião, em 1974, do primeiro centenário do seu nascimento (publicando, entre outros, um artigo do então desconhecido António Damásio). Outra homenagem foi a atribuição do nome de Egas Moniz de uma sala no seu edifício-sede, o Palacete Sacadura Botte, na Rua dos Coutinhos, em Coimbra. Acrescente-se que, durante poucos anos, a Casa-Museu Egas Moniz em Avanca, Estarreja, que hoje pertence à Câmara Municipal de Estarreja, foi, por decreto, integrada nesse Museu Nacional, embora essa integração não tenha tido grandes consequências práticas. Infelizmente, o Museu Nacional da Ciência e da Técnica foi extinto por determinação governamental, com a complacência da Câmara Municipal de Coimbra e a impossibilidade de oposição eficaz da Universidade de Coimbra. No antigo edifício-sede funciona hoje a Fundação de Ciência da Universidade de Coimbra, que gere o Museu da Ciência da Universidade. O Museu da Ciência de Coimbra está a preparar, em colaboração com a Biblioteca Geral da mesma Universidade e com o Museu Nacional Machado de Castro, a exposição "Ver a República", que não deixará de fazer uma justa referência a Egas Moniz, deputado e ministro da 1.ª República, cujo interesse pelos raios X (que estão na base da angiografia cerebral) despontou em 1896, quando ainda era estudante em Coimbra, morando na Rua de Tomar, próximo dos Arcos de Jardim, com a experimentação em ampolas de raios X, logo depois da descoberta de Roentgen.

As lições do passado ajudar-nos-ão decerto a construir os museus e ciência e da técnica do futuro, respondendo a questões como:

- Como conciliar a tradicional museologia de objectos históricos com a ideia de interactividade subjacente aos museus de ciência (a essa síntese Bragança Gil chamava "museus de terceira geração", por conciliarem aspectos dos museus de "primeira e segunda geração")? A pré-figuração (ou 1.ª fase) do Museu da Ciência de Coimbra no Laboratório Chimico responde já a essa questão, esperando-se que a segunda fase, em curso, a concretizar no edifício do Colégio de Jesus responda mais e melhor (curiosamente, foi nesse edifício que Egas Moniz estudou Medicina como conta nos seus livros "Confidências de um Investigador Científico" e "A Nossa Casa").

- Como mostrar hoje a história da ciência nos museus, por exemplo a ciência médica desenvolvida por Egas Moniz? Qual é o papel de casas que são lugares de memória da ciência como a Casa-Museu Egas Moniz? Como atrair visitantes para lugares como esse, fora dos centros urbanos?

Estou em crer que, continuando o que tem vindo a ser feito entre nós, podemos fazer ainda mais não só para promover a cultura científica com meios museológicos como para divulgar a memória do nosso até agora único Nobel português na área das ciências.

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