quinta-feira, 27 de maio de 2010
A consola
Não resistimos a transcrever uma Carta à Directora do jornal "Público" publicada ontem, dia 26 de Maio:
"Um destes dias o meu neto Henrique, que tem oito anitos feitos há pouco, deixou a consola que nunca larga e, anormalmente sério, com ar extremamente preocupado, veio perguntar-me: "Ó avô, os países também morrem?"
Senti um pequeno baque que com alguma dificuldade consegui disfarçar, fechei lentamente o jornal que ainda não tinha acabado de ler, limpei esmeradamente os óculos que na altura estavam mais que límpidos, pigarreei para limpar a garganta que estava mais que limpa e, para ganhar ainda mais tempo, voltei a pôr demoradamente os óculos ajustando-os muito bem à cara, como se esta, de forma mais que intrigante, tivesse deixado de ser a minha.
Para me recompor e ganhar mais uns segundos, respondi-lhe com uma outra pergunta: "Olha lá, por que é que, assim de repente, me fazes uma pergunta dessas?"
O Henrique, sem dizer palavra, pegou no jornal e, com o seu dedito, apontou-me uma notícia bem visível cujo título bem gordo dizia assim: "Portugal está muito doente".
Quando lhe ia a responder já ele estava outra vez agarrado à consola!
Sem nada dizer a ninguém, saí de casa praticamente a correr para comprar uma consola só para mim.
Espero que o Henrique não venha tão cedo a saber! "
Isolino de Almeida Braga, Portalegre
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8 comentários:
PORTUGAL ENFERMO
PELOS VÍCIOS, E ABUSOS DE AMBOS OS SEXOS
de
José Daniel Rodrigues da Costa
Portugal, Portugal ! Eu te lastimo !
E bem que velho sou ainda me animo
A mostrar-te os defeitos, e os excessos
Dos costumes, que tens já tão avessos
Dos costumes, que tinhas algum dia,
Quando mais reflexão na gente havia.
Tu de estranhas Nações foste invejado;
Hoje faz compaixão teu pobre estado:
Cada vez te vão mais enfraquecendo,
Todo o brilho, que tinhas, vais perdendo:
Paraíso do mundo te chamavam;
As mais Nações contigo se animavam;
Elas porém ficarão sãs, e fortes;
E tu todo o instante exposto aos cortes
Da usura, da ambição, da falsidade,
Do egoísmo, da fuga, da impiedade:
Males, que aos que bem pensam causam tédio,
A que apenas descubro um só remédio,
Que outro melhor não há, a que se apele,
E muita gente chora a falta d’Ele*.
... ... ...
* Ou seja, o regresso de D. João V, o que ocorreu em 1821.
Nota: Pela sua extensão, limita-se a transcrição ao princípio. Para quem quiser compulsar todo o livreto pode fazê-lo na Biblioteca Nacional, na cota L 65160 P, correspondente à edição de 1822 que consultei, mas as outras edições também estão disponíveis: 1819, 1820, e 1829.
Não deixa de ser curiosa a coincidência entre o Portugal de 1820 e o de 2010, o que nos classifica como um conservador enfermiço de 190 anos que também já passou pela "falta d'Ele", D. Sebastião, e hoje pela "falta d'Ele", o cheque europeu.
Quem precisa, precisa sempre, mas quem dá nem sempre pode dar. Demos o Mundo ao mundo... continuamos perdulários.
O retrato do Portugal de hoje, tirado há cem anos:
«Do Portugal do sr. D. Luís ao Portugal do sr. D. Manuel não se andou nem um passo. O mais que se conseguiu foi, de se estar sempre no mesmo sítio, o descer mais fundo na lama. Verdadeiramente bastaria talvez reeditar os “Gatos” ou publicar de novo as “Farpas”, se os mesmíssimos 80 a 90% de analfabetos se resolvessem a aprender outro A B C que não fosse o dali do teatro Avenida. Os vícios são os mesmos, até é o mesmo, ao cabo de cinquenta anos de vida imaculada, o sr. José Luciano de Castro. Não o viram ainda ontem vir declarar que pagava honestamente as suas contribuições ao estado ? Por toda a parte a mesma falta de carácter e de convicções, vazias as bolsas e as almas, e por baixo de todos os biltres e todos os ratoneiros da política, estendido ao comprido, paciente resignado, o mesmo Zé Povo do “António Maria”.»
Campos Lima
(A Gafanha, n.º 1, Lisboa, 1909)
Errata recebida no Rerum Natura:
No 1º comentário recebido deve ser, como é óbvio, D. João VI em vez de D. João V.
Ou seja, persistimos nos erros...
deixe lá, ainda hoje me perguntaram porque é que não se tirava petróleo dos peixes, já que estes o acumulavam....
então não morrem ? tudo nasce , cresce e morre. para que possa nascer novo. não vejo aí nenhum drama.
em tempos , países andaram nascendo e morrendo "todos os dias". agora é que há aquelas modernices de manter cadáveres adiados ligados a máquinas , mas creio que não é bom. nem tudo na "ciência/civilização " é xpto , também tem muitas coisas disfuncionais ao querer subverter as leis da "natureza"...
se pensarem bem , se o país morrer , quem se lixa é quem o governa , os demais continuaremos na vidinha de todos os dias. perguntem à josefina se não é assim.
O retrato de Portugal visto por Eça de Queiroz:
"Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o Estadista. É assim que há muito em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso…"
"… política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulações e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?..."
"... este governo não cairá porque não é um edifício, sairá com benzina porque é uma nódoa".
Para quê dizer por palavras nossas o já dito, redito, escrito e reescrito ? se o nosso actual estado vem de um longo perpetuum mobile ?
Cara Maria
Não há problema nenhum em morrer.
Nem em nascer.
O problema é, no nascer, ter que perguntar ao gato, como o fez Alice no País das Maravilhas, como sair do túnel (da crise), e esperar que o gato nos responda a mesma coisa, ou seja: depende para onde se quer ir.
E o nosso problema é que não sabemos nem nunca saberemos para onde ir. Os nossos antepassados também não sabiam, por isso andaram perdidos nos oceanos e acharam muitas terras; como não sabíamos governar um minúsculo Portugal, chegámos à conclusão que muito menos tantas terras. O que não era novidade porque Júlio César já tinha avisado que esta gente nem se governava nem se deixava governar.
Depois ficámos parados no tempo porque os oceanos tinham acabado, e a Europa não nos dizia nada porque estava nas nossas costas e a gente não vê o que se passa atrás. Até que a Europa nos tocou no ombro e convidou-nos a entrar numa Europa Unida, que o nosso D.Manuel I já tinha proposto há 500 anos ao Papa Leão X.
Portanto, descobrimos coisas mas, como não as sabemos manter, acabámos por entrar e ficámos descansados porque voltávamos aos tempos em que trazíamos a mirra e o gengibre, o caril e o piri-piri do oriente, a castanha de cajú das Áfricas, e o ouro do Brasil...
Agora estava tudo facilitado, porque não tínhamos que andar em naus e caravelas, carregados com aqueles produtos, com os riscos dos temporais que os ofereciam às guelas do mar. Inventaram uma moeda nova chamada euro e, de repente, Portugal teve uma réplica do sismo de 1755, mas, em vez de ficarmos submersos pela água ficámos inundados de dinheiro fácil.
A Maria sabe como é, quando um pobre não tem nada e vê tanto dinheiro a entrar pela casa dentro, já não sabe onde nem como gastá-lo. Numa casa com pouco pão, não há hábitos de controle nem necessidade de fazer contas à vida, e então a estupefacção perante a riqueza acaba por pô-lo outra vez na senda de não saber outra vez o que fazer. E quem não sabe, acaba por fazer mal.
E é neste ponto que nos encontramos, ou seja, voltámos ao Estado Portucalense.
Alguém disse um dia (já não me recordo quem): deixem a pátria perecer e salve-se a Humanidade.
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