segunda-feira, 17 de maio de 2010

O Silêncio do Vazio


Novo post do bioquímico António Piedade, um texto saído antes no "Diário de Coimbra":

Não há música sem silêncio.

Aliás o silêncio é parte integrante do som e, na música, há notações específicas, as pausas, para modelar não só o ambiente como também marcar os momentos em que só a silêncio se deve “ouvir”. Outro exemplo é o da pontuação na escrita, que, para além de permitir ao leitor retomar fôlego, é fundamental para o ritmo, para salientar uma ideia, demarcar uma informação, etc.

Um exemplo sublime do domínio do silêncio na música é o tema conhecido por 4’33’(aqui) que John Cage compôs em 1952, só com silêncio, mas admitindo todos os sons envolventes (por exemplo, dos espectadores ou de um pássaro que chilreia,) .

Mas o que é que há no silêncio de tão fascinante e mesmo excitante? Será a sua propriedade de poder ser interrompido? Mas o que é que significa, do ponto de vista físico, o silêncio ser interrompido? Significa que algo, ou alguma coisa, perturbou uma, ou um conjunto de partículas, e que essa perturbação se propagou, de forma ondulatória, até, por exemplo, ao tímpano do auditor.

De facto não há som sem matéria que o propague. A rarefacção de matéria torna pouco provável que uma perturbação mecânica se propague no espaço, na forma de uma onda sonora. Mas os campos de forças sobre partículas podem “perturbar” o silêncio ou quietude das partículas!

Neste contexto, é aceitável perguntarmo-nos se terá havido som no Big Bang? Mesmo na ausência de auditores com viabilidade nesse espaço-tempo em expansão, existem dados recolhidos por sondas ou satélites relativos à radiação de fundo do Universo, resquício dos primeiros tempos, que nos permitem reproduzir o que poderíamos designar por primeiros "sussurros" do Universo.

Actualmente, somos capazes de medir a densidade do Universo, tanto actual como passada, analisando a radiação cósmica de fundo, através dos dados de temperatura detectados e enviados, por exemplo, pelo satélite Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP - aqui) da NASA, Agência Espacial Norte-Americana. Estes dados permitem aos cientistas ter uma ideia da variação na densidade de matéria no Universo. Mas também permitiram ao físico John Cramer, da Universidade de Washington, em Seattle, EUA, desenvolver uma simulação por computador de qual teria sido o andamento sonoro ao longo do Big Bang. É claro que não entendemos sons que não se propaguem no tempo! Esta simulação pode ser ouvida e a sua explicação lida neste sítio.

Cramer trabalha no Relativistic Heavy Ion Collider, um dos maiores aceleradores de partículas do mundo. A simulação de Cramer expressa um longo zumbido inicial do Universo, que se tornou progressivamente mais grave à medida que as ondas se espalharam por um Universo em expansão. O tema de abertura cósmico abrange “apenas” os primeiros 760 mil anos do Universo.

Não houve um grande Bang sonoro inicial. Só um zumbido que se foi progressivamente tornando grave num silêncio musical.

António Piedade

2 comentários:

Anónimo disse...

Mais um mito... que vai à viola: a música celestial dos poetas e filósofos! Tudo afinal, nos espaços siderais, é música sem som! Que decepção! JCN

Ana disse...

Lembrou-me o "The sound of the silence" de Simon & Garfunkel ^_^

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