Acresce que essa chamada deve ser feita de tal modo que os alunos, divertindo-se, não percebam que estão a aprender conteúdos disciplinares (esta ideia é muito antiga e tem autor, pelo que, em texto posterior, a explicarei melhor), nem que se estão a comportar como devem.
Os conteúdos disciplinares são, assim, introduzidos subliminarmente, quase à má-fé (na expressão de um colega de profissão, autor do texto que cito a seguir), na crença (errada, profundamente errada) de que todos os alunos os lhe têm aversão. Está bem de ver que, e pondo a questão de outra maneira, se os alunos rejeitam aprender e/ou se têm um comportamento desadequado é porque o professor não usou a fórmula “divertido-lúdico-pedagógico".
O De Rerum Natura tem-se debruçado sobre este assunto (por exemplo, aqui, aqui e aqui), mas vale a pena insistir pela voz de João Lopes, especialista em Psicologia da Educação:
"Os adultos responsáveis pelo sistema educativo (…) fazem prodigiosos esforços por tornar «divertido» e «lúdico» aquilo que o não é e que não tem de o ser.Referência:
Esforçam-se por isso e demonstram que a ciência é divertida, que a gramática pode ser divertida e que, se a divisão de orações não é divertida, pode acabar-se com ela. Os adultos parecem apavorar-se com a possibilidade de os alunos não gostarem de uma matéria ou de uma unidade curricular, quando a verdade é que muitas dessas unidades só podem ser apreciadas por um número restrito de sujeitos. Os restantes poderão realizá-la, ou não, mas sem gosto ou até mesmo a contra-gosto, não sendo isso um drama nem um problema. De facto, há múltiplas actividades, tarefas, exercícios, ao longo do percurso escolar, que não só muito dificilmente serão realizados com gosto e ainda assim por muito poucos.
Os esforços para tornar a escola divertida têm com grande probabilidade efeitos contra-producentes quanto aos resultados académicos e relativamente ao papel que os alunos esperam para a escola e para si próprios enquanto alunos. Por um lado, nada indica que os resultados tenham vindo a melhorar com esse esforço (…) e por outro deterioram a imagem da escola aos olhos dos alunos e levam-nos a apresentar comportamentos que não são de esperar naquele contexto, embora o pudessem ser em contextos de diversão ou de tempos livres."
Lopes, J. (2008). Ciência e crença na gestão de sala de aula. Coimbra: Quarteto, páginas 63-64.
13 comentários:
E dessa maneira (nos) temos vindo a aldrabar...
As consequências são agora demasiado visíveis, mas os que conduziram a estes resultados não se maçam com preocupações, porque as consequências afectam sobretudo os filhos das pessoas menos letradas e mais pobres. E o país, em si mesmo, e o estado em que se encontra o seu sistema educativo, também não parece comovê-los...
Quando teremos a liberdade de escolher o modo como queremos que os nossos filhos sejam ensinados? Porque há-de o estado, através de grupos de interesses tão restritos, acorrentar-nos ao que maioritariamente rejeitamos?...
Bem, ou será que todos os intervenientes perderam a noção de jogo e de lúdico? Romper com o lúdico não é aconselhável. Parece que todos perderam o contacto com a vida, a experiência e o conhecimento: os conceitos estão a ser violados, talvez porque nunca tenham sido aprendidos. Ah, e eu nem sequer defendo a via lúdica... :)
Uma imagem vale por mil palavras: o professor aos saltinhos com o iô-iô na mão - tratar-se-à duma caricatura ou duma metáfora? Deixo a pergunta e lanço um desafio: está por fazer a "caricatura-metáfora" do professor chamado ao gabinete do director. (O povo não sabe da missa nem a metade!)
Helena Rodrigues
Claro que ao obrigar os alunos a confundir a sala de aula com o recreio potencia a indisciplina e a preguiça!
Só não vê quem não quer ver e como estas coisas se passam com os filhos dos outros... para estes "especialistas" e "investigadores" o modelo deve continuar!
John Lock disse...
"Eu nunca fui criança porque nunca brinquei."
O lúdico, ou o dionisíaco, se quiserem, é uma coisa muito séria, ou, como adiantou Johan Huyzinga:
"Há muito que vem crescendo em mim a convicção de ser no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve".
Por alguma razão, ao lado do homo faber, do homo sapiens, do homo economicus, e do homo psychologicus, Huyzinga apostou no homo ludens, para completar a pentalogia da civilização.
Saber jogar ou saber aplicar o lúdico traz resultados, mas, se não se souber jogar ou fazer jogar, os resultados não aparecem, e conclui-se sem mais delongas que o lúdico não serve.
Os homens da economia usam a teoria dos jogos, os homens do direito também já descobriram a sua utilidade, e Ortega y Gasset foi mais longe ao escrever sobre "A origem desportiva do Estado" (DGD, Lisboa, 1987).
Ignoro sobre a matéria aqui abordada se estudos se realizaram a propósito para uma proposta possivelmente posta na prática por acaso, ou mal estruturada.
Huyzinga, no "Homo Ludens (Emecé Editores, Buenos Aires,1957) explicita as áreas da aplicação do ludus: o jogo e o direito, o jogo e a guerra, o jogo e o saber, o jogo e a poesia, formas lúdicas da filosofia, formas lúdicas da arte, o elemento lúdico da cultura actual.
Roger Caillois, na obra "Les jeux et les hommes" (Gallimard, 8.ª ed., Paris,1958), depois de sistematizar os jogos, define as diferentes culturas com os instrumentos criados para concluir: "Dis-mois à quoi tu joues, je te dirais qui tu es."
A revista Droit et Société, debruça-se sobre o Direito e o Jogo.
Mas é considerado o trabalho mais completo sobre o jogo, o de Mihai I. Spariosu Dionysus Reborn, do qual se podem ler algumas páginas das matérias abordadas no índice.
Recordo o meu professor de português do 3.º ano do liceu a contar-nos a vida de Alexandre Herculano:
"... retirou-se então Herculano para Vale de Lobos, jurando não mais voltar a Lisboa" - narrava ele, épico. "Um dia, porém, o imperador do Brasil veio a Portugal e quis ver Herculano. Este, doente, quebrou o juramento: por uma amigo assim, eu vou a Lisboa" - citava o mestre com a voz cavernosa que imaginávamos ser a do poeta da harpa do crente. E depois, num tom muito baixinho e solene prosseguia: "Não foi! Morreu nessa noite."
Lá fora a campainha a assinalar o fim da aula tocava.
A história de Herculano é apócrifa. Mas, graças a ela, de dicionário na mão, li "O bobo" e o "Eurico" aos 12 ou 13 anos.
O professor de português encantava-nos.
E foi no equívoco do encantamento que se instalou a confusão. Confundiu-se encantamento com diversão.
Os grandes mestres encantavam-nos. Mas não eram palhaços a divertir-nos. Hoje a escola e o circo são uma coisa só.
Concordo em geral com os autores deste blogue em relação às correntes pedagógicas da moda. Muitas das opiniões que são expressa andavam há muito na minha mente e na de outros professores, é importante que sejam publicitadas e discutidas.
Torna-se insuportável o esvaziamento da profissão docente, com as manias das "competências" , definidas de modo abstracto,com as estratégias de superação, sempre a cargo do professor, como se o aluno não tivesse de responsabilizar pela sua própria aprendizagem . É o prolongamento artificial da infância, a negação do crescimento. A Escola pretende transformar-se num eterno jardim infantil, o que é, curiosamente contra natura.
(...) No entanto, gostaria de referir alguns aspectos das chamadas novas pedagogias (que não são tão novas assim...). Neste caso, a componente lúdica. Eu pergunto : não deverá haver momentos lúdicos, recreativos nas aulas? Eu penso que sim. Depende do momento, da maneira de ser do professor, dos alunos, do conteúdo programático,...O que tem de existir é um equilíbrio, que em absoluto nunca é possível mas devemos tender para ele. Gostaria de saber a vossa opinião. Obrigada.
Concordo que o discurso do “divertido-lúdico-pedagógico”, quando aplicado sobre a estrutura atual do ensino, fragmentada em disciplinas isoladas, é vazio, e cruel com o professor.
Nesse modelo, caberia a cada professor a obrigação de entreter seus alunos, como um animador de plateia.
Mas não precisa ser assim. A fórmula do “divertido-lúdico-pedagógico” pode funcionar, sim, quando aplicada a uma escola completamente reestruturada, onde os professores não atuam como animadores de disciplinas isoladas, mas como planejadores de atividades coletivas - interdisciplinares.
Não podemos condenar um conceito só por ter sido aplicado de forma errada.
Sim, há partes que podem ser divertidas. Mas a maioria não o é. E é um erro habituar os nossos filhos ou os nossos alunos à ideia de que a vida será uma longa sessão dos «Morangos com Açúcar». Até porque é mentira...
m dos processos lúdicos que conheço, dito de Aprendizagem em Matemática na Lida com o Material
Cuisenaire, foi usado em Portugal no século passado recente, e aplicado na escola primária de Lourenço Marques por uma professora que tinha adquirido o material do Método Cuisenaire, em Lisboa, material que mesma ofereceu à biblioteca da Escola Superior de Educação de Lisboa, juntamente com os livretos. O texto explicativo que aqui se apensou explica a sua origem e a forma do seu uso, principalmente a partir da página 10.
Para uma melhor visualização do material proponho uma entrada neste sítio, com explicações adicionais e mais precisas.
No Brasil também era conhecido e aplicado conforme se pode ver aqui.
Do que me recordo das explicações da professora a referência maior consistia em cada aluno, pela palpação de cada peça no bolso, conseguir destrinçar se era de uma unidade, de duas, e assim por diante até chegar a 10, associando-se cada peça a uma determinada cor. Pelo entusiasmo que o lúdico proporcionava nunca nenhum aluno se tinha apropriado de qualquer peça. E segundo a sua exposição o método tinha continuidade até aos algoritmos.
Do meu primeiro ano liceal em Espanha, lembro-me de, nas aulas, periodicamente, o professor nos colocar em círculo, à volta da secretária, e interrogava sobre a matéria da cadeira, começando pelo aluno da esquerda, se sabia responder permanecia no que era considerado o primeiro lugar, depois o mesmo ao segundo, e assim sucessivamente. No caso do primeiro não ter sabido responder, acertando o segundo, este trocava imediatamente de lugar colocando-se em primeiro. Nós gostávamos do sistema, e preparávamo-nos para alcançar, ou aproximarmo-nos do, o primeiro lugar.
Lembro-me de todo o processo funcionar em termos de jogo e, em vez de ter participado numa competição, jogávamos à emulação, do que só mais tarde me apercebi quando chegou aos meus olhos a leitura do texto Mémoire couronée par l’Institut National, sur cette question: L’émulation est-elle un bom moyen d’éducation?.
Por isso perfilho o lúdico mas é necessário estudá-lo e saber aplicá-lo, e isso dá muito trabalho.
A melhor maneira para motivar os alunos a aprender um certo assunto, seja ele qual for, está na própria natureza desse assunto (sua origem, enquadramento, importância/relevância, utilidade/aplicação).
Alguém que tenha um bom conhecimento sobre o assunto que ensina, saberá a sua natureza e não terá problemas em motivar os alunos.
O recurso a métodos de ensino divertidos/lúdicos parece-me ser o refúgio dos ignorantes, daqueles que não dominam (não sabem verdadeiramente) o assunto que estão a ensinar.
Infelizmente, actualmente temos muitos responsáveis da Educação (pseudo-políticos, pseudo-pedagogos, pseudo-professores) ignorantes que, sem terem conhecimentos sobre os ASSUNTOS a ensinar, se entretêm e nos enganam com as FORMAS de ensinar.
Este é um erro/problema fundamental, cuja resolução poderia trazer enormes benefícios a Portugal.
Solução: Mais bons políticos/pedagogos/professores (os que realmente têm conhecimento sobre os assuntos) a mandar/ensinar. Aos maus: que aprendam, ou então que saiam! E não se esqueçam que todos nós temos responsabilidade na resolução destes problemas.
Mais duas referências de leitura livre, se de alguma utilidade servirem:
De Colas Duflo Le jeu: de Pascal à Schiller (PUF, Paris, 1997).
Da OCDE Comprendre le cerveau : naissance d’une science de l’apprentissage, publicado em 2007. A síntese do volume tem este aviso de Wu Ting-Fang :
“L’éducation est une épée à double tranchant. Elle peut devenir dangereuse si elle n’est pas maniée correctement. »
Enviar um comentário