domingo, 2 de maio de 2010

Reacção sindical ao Manifesto

Na sequência de post anterior, transcreve-se a "reacção pública da mais representativa organização sindical de professores" ao Manifesto para a Educação da República, na qual se "recusa com firmeza a visão elitista do sistema educativo que os signatários do referido Manifesto nem se preocuparam em disfarçar". A defesa da Escola Pública que se afirma nesta "reacção" não é, nem pode ser, apanágio apenas de organizações sindicais. É, ou deve ser, de todos os cidadãos, sendo que essa defesa terá de assentar de certa forma numa visão elitista: temos de almejar escola(s) de elite ao alcance de todos!

“A recente divulgação do Manifesto para a Educação da República, assinado por algumas personalidades da vida pública e actualmente em fase de recolha de apoios, não pode deixar de suscitar uma reacção pública da mais representativa organização sindical de professores a FENPROF.

Não tanto pelo seu conteúdo, que por sofrer de vaguidão se torna inócuo, assim se assumindo por se eximir também a perspectivar quaisquer soluções, mas principalmente porque o seu objectivo principal lançar um debate alargado sobre o estado da Educação não pode deixar indiferente a FENPROF que, desde há vários anos, se tem empenhado em recusar quaisquer muros corporativos em torno da Educação, antes a impulsionando para a transparente luz do debate público. Por outro lado, convirá comentar alguns dos pressupostos subjacentes a este documento, porque a equivocidade de alguns deles e a menos bem conseguida formulação de outros pode distorcer as bases de quaisquer debates que se venham a realizar no futuro.

A primeira questão cuja clarificação reiteramos é esta: a FENPROF, bem como os sete sindicatos que a constituem, sempre se pronunciou pela necessidade de ver discutidas as grandes questões educativas de uma forma ampla, plural e democrática, envolvendo todos os actores sociais interessados na Educação e nos seus destinos. Não nos limitámos a enunciar tais propósitos e, muito antes do aparecimento de tais preocupações no seio de uma intelectualidade subitamente despertada do calmo torpor a que se encontrava remetida, colocámos à sociedade portuguesa a necessidade de juntar esforços em torno de propostas e soluções atinentes à consecução de uma escola melhor para as nossas crianças e jovens. Exemplo disso é a campanha que a FENPROF desenvolveu sob o lema Unir vozes em defesa da Escola Pública traduzida na subscrição de um texto propositivo, que angariou, numa primeira e rápida fase, um significativo apoio de personalidades da vida pública nacional, algumas com grandes responsabilidades políticas ou académicas, desde reitores e professores de várias universidades, deputados, autarcas, sindicalistas, escritores, artistas, profissões liberais, além de docentes dos vários graus de ensino. Esta campanha recolheu posteriormente um apoio significativo de mais de 50 000 assinaturas e contou com uma sessão de apresentação pública que congregou variados e importantes apoios institucionais, presidida pelo Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, em representação de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, que patrocinou a iniciativa.

Presentemente, encontra-se a decorrer outra importante campanha, dirigida a um pilar fundamental da escolaridade, o 1.º Ciclo do Ensino Básico, congregando as vontades, as preocupações mas também as propostas da Confederação Nacional das Associações de Pais e da Federação Nacional dos Professores, para valorizar a escola elementar, base de todas as aprendizagens que, antes como hoje, tão maltratada continua a ser pelo poder político. Esta iniciativa recolheu já o apoio de mais de um milhar de organizações.

Esta forma de pensar e trabalhar as questões da Educação sempre caracterizou a cultura por perfilhada desde o nascimento do projecto sindical que a FENPROF e os seus sindicatos corporizam. Se é certo que para a FENPROF todos os espaços de discussão aberta são bem vindos, há princípios essenciais, alguns deles plasmados em leis fundamentais da República, como a própria Constituição e a Lei de Bases do Sistema Educativo, que configuram a escola democrática nascida em Abril de 74 e que são fundamentais enquanto bases de qualquer discussão e pelos quais nos batemos hoje com a firmeza com que o fizemos antes e o faremos no futuro.

E, porque não achamos indevida a referência à democracia como base do sistema de gestão das nossas escolas, não aceitamos a qualificação de irracional que agora lhe fazem, e muito menos a consideramos como conducente à ignorância, à demagogia, ao egoísmo, à indisciplina e à irresponsabilidade, como o fazem os autores do Manifesto. Reafirmamos aqui, e de novo, que não há escola democrática divorciada de um sistema democrático de gestão, baseado na preponderância de critérios eminentemente pedagógicos sobre quaisquer outros, principalmente sobre os ligados à mercantilização da educação e à concepção da escola como se de uma qualquer empresa se tratasse. A FENPROF recusa com firmeza a visão elitista do sistema educativo que os signatários do referido Manifesto nem se preocuparam em disfarçar no seu escrito. Distanciamo-nos da atitude provinciana que só valoriza formações académicas obtidas no exterior do país e refutamos qualquer concepção que tenha por base a estratificação do nosso sistema escolar em escolas dirigidas às elites e outras, a sua maioria, destinadas a assegurar uma escolaridade de menor qualidade e dignidade para a restante população em idade escolar, nomeadamente para os alunos oriundos de classes sociais mais desfavorecidas.

De outro ângulo, revela alguma superficialidade e ligeireza de avaliação o exclusivo sublinhar do que de bom se realiza no estrangeiro, numa tomada de posição que estranhamente esquece a crise que vive a generalidade dos sistemas educativos europeus, ignora a luta generalizada, nos vários continentes, por uma escola pública de qualidade para todos e se revela indiferente à Campanha Mundial pela Educação actualmente em curso que, perseguindo também esse objectivo, procura a responsabilização dos governos pelo cumprimento rigoroso da Declaração saída da Conferência de Dakar, realizada em Abril de 2000 e assinada por 185 países de todo o mundo.

A FENPROF não desvaloriza os erros políticos cometidos por sucessivos governos no plano económico, nem esquece que a qualificação académica média dos nossos trabalhadores é hoje superior à qualificação média dos empresários, tal como não estabelece uma ligação directa e unívoca entre a baixa produtividade nacional e a formação dos trabalhadores. Não dizer que para isso contribuem outras causas, porventura mais decisivas, e que se têm que encontrar fora do sistema educativo é, no mínimo, aligeirar a análise e tornear os problemas.

A FENPROF considera que estamos perante um documento que não permite vislumbrar com clareza os verdadeiros desígnios dos seus promotores quanto ao rumo que sugerem para o sistema educativo português, quando o que é preciso é o apontar claro e rigoroso de pistas que permitam encontrar respostas positivas para os graves e complexos desafios da erradicação de flagrantes desigualdades sociais e de todas as formas de exclusão social e, em simultâneo, a construção de duradouras soluções de paz e bem-estar social generalizado.

A discussão ampla e participada é necessária e indispensável, mas tem que ser feita a partir de ideias e propostas. A FENPROF não precisa de abandonar a sua postura habitual e muito menos evoluir para atitudes de qualquer tipo de sobranceria, para que todos os observadores minimamente atentos às coisas da Educação saibam que nos debates em que entra, sejam quais forem os seus promotores, o faz com conhecimento das realidades, da Educação Pré-Escolar ao Ensino Superior, e com propostas concretas que sujeita, sem reservas, ao saudável confronto de ideias que urge cada vez mais alimentar. Podem, portanto, contar os promotores do Manifesto para a Educação da República com a presença fraterna e empenhada da FENPROF nos debates que se vierem a realizar."

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2002-02-23
O Secretariado Nacional da FENPROF

3 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

E o futuro (deveras imediato) do sistema educativo foi (é) aquilo que se viu (vê).

Anónimo disse...

"... e de boas intenções está o inferno cheio, sendo certo que o sono da razão engendra monstros". Quem tem filhos, corre o risco de vir a ter netos... que um dia irão para a escola. A falta de qualidade do ensino será proporcional à falta de qualidade de vida dos que ainda estão para vir.
Helena Rodrigues

joão boaventura disse...

O Manifesto teve 20 000 assinaturas
A Fenprof teve 50 000 assinaturas

Isto para dizer que a educação nacional está dependente do que 20 000 pensam do manifesto e 50 000 pensam da Fenprof, sem argumentos condizentes com a responsabilidade cívica dos assinantes que põem o seu nome de boa fé, confiados em meros textos que obnubilam os instrumentos que façam andar a educação nacional.

Porque de textos obtusos, divagatórios, que pretendem resolver o irresolúvel, está o pais cheio, e pasmado por haver tanta sabedoria desaproveitada ou mal aplicada.

E o mundo educativo lusitano... continua à espera de Godot... do outro, do sistema educativo que nunca mais chega.

Até lá, discursos, manifestos, reacções aos manifestos, reacções às reacções, paradas, respostas, palavras, prosas... como se estes textos fossem os abre-te Sésamo de algum sistema educativo.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...