terça-feira, 23 de outubro de 2007

Os números da Educação e do nosso descontentamento


Comentário alargado de Rui Baptista ao recente post com a posição de Medina Carreira sobre a educação nacional:

Neste blogue foi há pouco publicada, numa saudável provocação “para discussão”, uma notável entrevista de Medina Carreira (ex-ministro das Finanças do I Governo Constitucional), extraída do seu livro “O Dever da Verdade”, em que nos é dada conta do caminho seguido pela Educação desde que António Guterres, então primeiro ministro de Portugal, ter declarado a sua paixão por este importante sector com implicações de natureza cultural, económico e social de qualquer país desenvolvido ou em vias de desenvolvimento. Talvez que o exemplo das símias que de tanto amarem as suas crias as apertam de encontro ao peito até as asfixiar justifique o facto da Educação se não encontrar de boa saúde, necessitando para a sua sobrevivência de ingressar numa unidade de cuidados intensivos.

Diz Medina Carreira, entre outras coisas: 1. “No que respeita à Educação (…) o esforço financeiro de Portugal é, em termos relativos, dos mais elevados da União Europeia/15”; 2. “Os professores não prestam contas da sua competência técnica para ingressarem no ensino”; 3. “A paixão de Guterres pela Educação limitava-se a atingir 6% do PIB. Já estamos nos 5,9% com os resultados desastrosos conhecidos”.

Cotejemos, agora, estas declarações com as de Silva Lopes, antigo ministro das Finanças e do Plano (1978), em entrevista televisiva de 2004, quando acerca da Educação declara: “É um desastre completo. Nem daqui a 30 ou 40 anos nos livramos dos erros que andamos a fazer hoje”. Ao ser interpelado se tal se ficava a dever ao pouco investimento feito neste sector, não hesitou em responder com um não vigoroso, aduzindo, a título de mero exemplo, o facto de “sobretudo no fim da carreira termos alguns dos professores primários mais bem pagos da Europa”. E mais acrescentou: “Nunca ninguém me explicou por que é que não há concursos verdadeiros para professores, por que é que se utilizam as notas das universidades, venham elas de uma escola boa e exigente ou de uma universidade manhosa e perdulária nas notas”.

Acresce, também, que nos concursos para professores do 2.º ciclo do básico podem concorrer diplomados pelas escolas superiores de educação que nelas ingressam com notas mais baixas e saem com classificações mais elevadas do que os licenciados universitários da via ensino, dando azo a que um simples valor a mais de diploma lhes dê vantagem nesses concursos. Mas nada melhor do que dar a palavra a quem sentiu na pele o látego desta verdadeira injustiça: “Nós [universitários] suamos mais e trabalhamos mais do que os do Politécnico. ‘Setenta por cento marxista’, Cristina. originária de Bragança, estudante da Faculdade de Ciências e Tecnologia, subiu ontem à noite ao palanque da Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra (AAC), dissertou sobre as túnicas de Cristo e, às tantas, a propósito das alterações da Lei de Bases do Sistema Educativo [que passaria a dar acesso à docência do 3. ciclo aos diplomados pelas escolas superiores de educação até então da exclusividade dos licenciados universitários], conseguiu arrancar a primeira chuva de aplausos da sessão “ (“Público”, 1.Nov.1996).

Perante o costume bem nacional de que “santos ao pé da porta não fazem milagres”, busquemos testemunhos vindos do estrangeiro que podem explicar o não acompanhamento de custos/resultados: “Se em Portugal um professor em início de carreira ganha o mesmo, trabalhe no 1.ºciclo ou no secundário, na Hungria ou na Holanda os docentes do secundário têm salários superiores em 75%. A média da OCDE é de 41% de diferença entre os professores desses dois níveis” (“Público”, 18. Set. 2007).

Chegou mais recentemente a conhecimento público ter atravessado fronteiras nacionais o mau rendimento escolar português, através de um estudo realizado no Reino Unido, incidindo sobre 62.200 emigrantes portugueses citado num artigo, com o sugestivo título “Há por aí alguém que no possa educar por favor?”, da autoria de Miguel Castro Coelho, economista e “research fellow” no Institute for Policy Research, Londres. Nele o articulista refere que ficaram “os autores do estudo com ar perplexo pelo facto de Portugal nestas matérias [de ensino] se desviar sistematicamente do comportamento dos restantes países europeus e alinhar com os níveis de países tipo Bangladesh, Paquistão, Gana, Somália ou Uganda” (“Diário Económico”, 9.Out.2007).

Se para Marguerite Yourcenar, “toda a verdade gera um escândalo”, para nosso descontentamento o escândalo da Educação está bem patente e fundamentado em páginas do livro “O Dever da Verdade”! A sua leitura merece uma reflexão e uma discussão cuidadas por parte de quem se interessa por estes assuntos mesmo que não seja parte directamente interessada: a educação é um problema nacional que diz respeito a todos os cidadãos.

8 comentários:

Anónimo disse...

No início da década de 1970 a educação (cultura) em Espanha estava ao nível anedótico que se vê nos actuais concursos televisivos portugueses. Basta este exemplo: durante os meus três anos de permanência lá (Valência e Granada) não encontrei um único colega de estudos que conhecesse o dito de Sancho Panza que tantas vezes se repete por cá: "Las brujas, no las creo, pero que las hay, las hay." Sei que tudo mudou entretanto para melhor. Talvez fosse bom averiguar qual o processo que foi seguido para o conseguir.

Anónimo disse...

“Se em Portugal um professor em início de carreira ganha o mesmo, trabalhe no 1.º ciclo ou no secundário, na Hungria ou na Holanda os docentes do secundário têm salários superiores em 75%. A média da OCDE é de 41% de diferença entre os professores desses dois níveis” (“Público”, 18. Set. 2007).
Também nunca entendi isto, quer dizer, até entendo... Foi nem mais nem menos do que o fruto do trabalho de certos sindicatos e sindicalistas... que deviam ler essa notícia.
Todos iguais, todos diferentes
As ESE's foram uma bela fuga para aqueles estudantes com fracas notas do 12º ano e que depois saíram licenciados (ainda não se falava de Bolonha e já vinham só com 3 anos)com notas brutais, mas... deixavam muito a desejar, tais as lacunas de alguns deles.
Parafraseando Marguerite Yourcenar "tudo isto se tornou ESCANDALOSO2

Anónimo disse...

Sou professor do secundário e não estou de acordo com a fúria contra o salário dos professores do 1º ciclo pois parece-me que o trabalho por eles desenvolvido é da maior importância, quiçá o mais importante, pois permite construir as bases, as fundações, de toda a vida escolar futura.
Claro que para isso é necessário saber, aspecto descurado desde muito antes do aparecimento das ese's .
Lembrem-se também que muitas escolas primárias estão ainda inseridas em meios rurais e portanto os professores poderão ter gastos acrescidos em relação aos professores de vilas e cidades.
Portanto eu sou de opinião que os professores primários (até pela diversidade de saberes que são chamados a leccionar) deveriam ser mais bem remunerados que os professores de níveis de ensino posteriores.
Parece-me que uma das razões para o descalabro actual da educação é precisamente a miserável atenção que se dá ao 1º ciclo, com a baixa gritante de qualidade dos professores que saem das ese's, professores quantas das vezes nada vocacionados para a leccionação do 1º ciclo. Portanto... antes de atirarem pedras a torto e a direito, sugiram melhor formação para os professores primários, melhores condições e eventualmente alteração do modelo de monodocência para um modelo misto nos últimos anos da primária.

Anónimo disse...

Jorge Figeiredo emite uma simples opinião que vale o que vale, "ipso facto". E se mérito lhe reconheço é a de poder despoletar uma polémica - em que o coração não tenha razões que a razão desconhece (Pascal)- que deve ser o mais ampla possível, com o maior número de intervenientes e dentro de padrões de civismo que a Educação exige e merece para que não fique circunscrita a nós dois e, muito menos,caia no esquecimento. Faço-lhe a justiça de considerar que não foi essa a sua intenção com o seu comentário como não é essa a minha intenção agora.

Anónimo disse...

Crítica curiosa, vinda dum sector onde o erro, falta de rigor e derrapagem nas contas, como é o da economia, campeiam.

Basta ver o que se passa na execução do Orçamento de Estado.

E ninguém justifica este facto a ninguém.

Porque para a cultura ser estimada, há que haver rigor e honestidade como padrão, e não sermos amigos ou famíliares do Patrão.

João Pinto e Castro disse...

Rui Baptista parece convencido de que "despesas com a educação" é a mesma coisa que "salários dos professores".

João Pinto e Castro disse...

Também não percebo se a proposta dela é baixar os salários do primeiro ciclo ou aumentar os do segundo ciclo. Se for a segunda alternativa, crescerão as despesas com a educação. Deixo aqui a sugestão como trabalho para casa.

Anónimo disse...

No seu 1.º comentário João Pinto e Castro, escreve: “Rui Baptista parece convencido de que despesas com a educação é(sic) a mesma coisa que salários dos professores”. Nem por sombras o afirmei. Unicamente expressei o facto do igualitarismo dos salários dos professores, sem ter na devida conta as respectivas habilitações académicas, condicionar fortemente as despesas com a educação no caso português.

Aliás, no seu 2.º comentário, reconhece isso mesmo quando me convida a um trabalho de casa: “Se for a segunda alternativa [baixar os salários do primeiro ciclo ou aumentar os do segundo ciclo] crescerão as despesas com a educação”. Ora, nem por sombras essa hipótese se põe presentemente: o salário do professor do 1.º ciclo é um pouco menor (não sei de cor, uns 10%?) relativamente aos docentes dos outros graus de ensino não superior. Seja como for, agradeço-lhe a oportunidade que me deu para prestar este esclarecimento que se deve ao facto ou de eu não me ter expressado bem ou de não ter sido convenientemente compreendido por si. Por vezes acontece haver um diálogo de surdos mesmo sem ser entre surdos!

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