sábado, 6 de outubro de 2007

Em defesa da memória - III

Para se perceber melhor o que quero dizer com o último parágrafo do post anterior, ouçamos Sampaio Bruno: «o regicídio é, seguramente, um acto condenável, mas o despotismo não o é menos. O tiranicídio é, na verdade, um crime mas a tirania é também um crime».

Por sua vez, Guerra Junqueiro considerava: «a revolução urgente não era social nem política, era moral. Nem havia a escolher entre monarquia e república, pois que, para escolher entre duas coisas, é necessário existirem. A segurança da pátria exigia inadiavelmente à frente do governo um homem de superior inteligência, de altivo carácter, de ânimo heróico e resoluto. Era-o D. Carlos? Obedeceríamos a D. Carlos. Uma alma, uma vassoira e uma carroça, de nada mais precisava. Varrer, limpeza geral, pôr isto decente».

E que limpeza urgia fazer? A 5 de Junho de 1906, um João Franco à frente dos destinos da nação há uns escassos dias, desde 19 de Maio, assinou um novo contrato com a Companhia dos Tabacos - a questão do tabaco era muito importante na altura, por exemplo, a 7 de Fevereiro na Câmara dos Deputados, quando José Luciano apresentava os novos ministros do governo de Hintze Ribeiro, a sessão foi interrompida para evacuação dos populares que nas galerias gritavam «Viva a República, abaixo o governo tabaqueiro, fora o chefe da quadrilha de ladrões».

A decisão sobre a queda dos governos e a dissolução das câmaras de deputados eram prerrogativa régia. E D. Carlos entendeu que a Câmara dos Deputados, eleita há menos de dois meses, devia ser dissolvida. Nas eleições que se seguiram, a 19 de Agosto de 1906, foram eleitos quatro republicanos por Lisboa, Afonso Costa, António José de Almeida, Alexandre Braga e João de Meneses. Os apoiantes de João Franco obtiveram o maior número de lugares nas Cortes, convocadas para 29 de Setembro, mas não constituíam a maioria absoluta. José Luciano de Castro, à frente dos progressistas, viabilizou o governo de Franco.

Em 2 de Maio de 1907, João Franco perdeu o apoio dos progressistas e ficou em minoria na Câmara. Apoiado por D. Carlos, dissolveu as Cortes e passou a governar por Decretos.

Em 8 de Maio de 1907 foi emitido o primeiro decreto ditatorial. Em 23 de Maio foram mandadas encerrar as matrículas na Universidade de Coimbra, em greve académica desde 1 de Março. Em 20 de Junho de 1907 Franco publicou uma repressiva lei da imprensa, essencialmente destinada a abafar o escândalo dos adiantamentos reais - por exemplo, para os prédios na Calçada das Necessidades, adquiridos para os encontros extra-conjugais do rei, os arranjos nos Palácios das Necessidades, Ajuda e Belém -, uma questão que D. Carlos informava em carta a João Franco ser «uma fogueira, que desejamos apagar».

João Franco dissolveu a Câmara Municipal de Lisboa a 5 de Junho e uns meses mais tarde, em 12 de Dezembro, repetiu a medida em relação a todas as juntas gerais, comissões distritais, câmaras municipais e juntas de paróquia do País, substituídas por comissões administrativas.

Remodelou o Juízo de Instrução Criminal e a Polícia Civil de Lisboa em decretos de 19 de Agosto e 21 de Novembro. As prisões sem culpa formada sucederam-se em catadupa e a actividade política dos centros republicanos foi proibida.

Entretanto com o país em plena revolta contra a ditadura de Franco, D. Carlos reafirmou-se solidário com o governo franquista numa entrevista a Galtier, do jornal parisiense Le Temps, e considerou que «tudo está calmo em Lisboa, como no país» e «só os políticos se agitam».

A situação insustentável levou à sublevação falhada de 28 de Janeiro de 1908, enquanto o ausente rei caçava em Vila Viçosa. Várias pessoas influentes - nem todas republicanas - como Egas Moniz (o tal que em 1949 mereceu do director da Emissora Nacional as palavras “Egas Moniz, com Nobel ou sem Nobel, é um filho da puta da oposição!"), Ribeira Brava ou Afonso Costa, foram fazer companhia a destacados dirigentes republicanos nas enxovias de Franco, entre eles Luz de Almeida, o dirigente da Carbonária detido no dia 25, João Pinheiro Chagas, França Borges e António José de Almeida.

Na véspera do regícidio, D. Carlos assinou, ainda em Vila Viçosa, um decreto que dava plenos poderes ao governo para mandar para o degredo nas possessões ultramarinas (na prática uma sentença de morte) quem João Franco considerasse ter cometido delito político ou crime de imprensa, isto é, todos os seus opositores políticos. O decreto previa, para além de isenção de julgamento, o efeito retroactivo da lei, o que permitiria a Franco ver-se livre dos dirigentes já encarcerados. D. Carlos deve ter-se apercebido das implicações do decreto e terá dito: «Assino a minha sentença de morte».

Os acontecimentos do dia seguinte confirmaram a presciência do monarca. Manuel José dos Reis da Silva Buíça, um transmontano de 32 anos, professor num colégio privado, antigo sargento do Exército medalhado como atirador de 1ª classe e Alfredo Luís da Costa, alentejano de 23 anos, caixeiro e antigo empregado dos Grandes Armazéns do Chiado, são os autores materiais do que a rainha-mãe, Maria Pia, considera de facto obra de João Franco. Indicando-lhe os cadáveres do filho e do neto estendidos no chão do Arsenal ter-lhe-ia dito «A vossa obra, Senhor Presidente. Diziam que o senhor era o coveiro da monarquia. Foi pior. Foi o assassino de meu filho e de meu neto».

João Franco foi assim o coveiro da monarquia, D. Manuel II, o novo rei, tinha 18 anos e foi totalmente incapaz no seu papel, nem sequer dos monárquicos mais ferrenhos merecia qualquer tipo de consideração ou respeito. João Franco, entretanto substituído por Ferreira do Amaral afirmava: «em Portugal, hoje, ou república ou nada». O descrédito da monarquia pode ser apreciado nas palavras de Tomás de Mello Breyner, médico do paço e Conde de Mafra, «quem mandava era a rainha D. Amélia e a sua amiga Condessa de Figueiró [ Pepa Sandoval, a condessa da Freixosa no romance que fez furor no início de 1908, o «Marquês da Bacalhoa», de António de Albuquerque de Meneses e Lencastre]».

Qualquer estrondo era de facto suficiente para fazer cair uma monarquia que nem os próprios monárquicos apoiavam. O monárquico José Alpoim, nas suas conspirações contra a república, frisava que se D. Manuel regressasse ele «seria o primeiro a deitar-lhe uma bomba no cais!».

23 comentários:

Fernando Martins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fernando Martins disse...

Não concordando com o uso do texto (e capa do mesmo) insultuoso para o penúltimo Rei e última Rainha portugueses, que prova quão baixo precisaram os republicanos para irem ao tacho, aqui fica um texto, via Blog Dragoscópio, de um ilustre português sobre a República:

"A República Velha nada alterou das tradições desonrosas da Monarquia. Mudou apenas a maneira de cometer os erros; os erros continuaram sendo os mesmos. Em vez de um regimen católico, um regimen anticatólico, isto é, um regimen que logo arregimentava como inimigos os católicos. Em vez de uma República portuguesa, de um regimen nacional, uma república francesa em Portugal. E assim como a Monarquia Constitucional havia sido um sistema inglês (ou anglo-francês) sobreposto à realidade da Pátria Portuguesa, a República Velha foi um sistema francês sobreposto à mesma realidade pátria. No que respeita aos erros de administração - a incompetência, a imoralidade, o caciquismo - ficámos na mesma, mudando apenas os homens que faziam asneiras, que praticavam roubos e que escamoteavam "eleições". De sorte que a República Velha era a Monarquia sem Rei. Por isso é justo dizer que o 8 de Dezembro foi a queda da Segunda Monarquis.
Como podiam deixar de ser assim? Os homens do Partido Republicano tinham a mesma hereditariedade nacional, tinham vivido no mesmo meio que os da Monarquia; porque milagre teriam uma mentalidade diferente? Se Portugal tivesse regiões diferentes, nitidamente diferentes, se a Revolução de 5 de Outubro tivesse trazido para o poder homens de uma região diferente daquela de onde soessem provir os homens da Monarquia, então haveria homens diferentes no poder. Mas eram os mesmos políticos profissionais, os mesmos advogados da mesma Coimbra, os mesmos copistas da França - como podiam ter mentalidade diferente?"

Certamente que sabem quem escreveu este texto...

Anónimo disse...

Devia adivinhar que o Fernando Martins era devoto do Dragoscópio.

Mas enganou-se no destinatário da prosa de Fernando Pessoa, não era o «Marquês da Bacalhoa», era a falta de portugalidade, que ele já se tinha queixado quando elogiou Paiva Couceiro.

Palmira F. da Silva disse...

Caro Fernando Martins:

Nas Memórias de Raul Brandão pode ler-se, a propósito do livro «O Marquês da Bacalhoa»:

Grande escândalo com o livro do Albuquerque - O Marquês da Bacalhoa. Este Albuquerque, conhecido pelo Lêndea, é o último descendente, pelo pai, do grande Afonso de Albuquerque, e, pela mãe, do grave, do douto João de Barros.

(...) Agora é jornalista, escritor, poeta, e publica este livro de escândalos, em que a rainha, senhora na nais alta acepção da palavra, é posta de rasto... Mas faça-se-lhe justiça: tudo aquilo - e pior - anda por aí de boca em boca há muito tempo. E não vem debaixo - vem de cima ...


Na capa do livro é indicada a editora: Imprimerie Liberté de Bruxelas. Rocha Martins diz no entanto que o editor foi Gomes de Carvalho (republicano e maçon), hipótese aventada no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses coordenado por Eugénio Lisboa.

Anónimo disse...

Só agora reparei noutra do Fernando Martins. Para além de ser mentira que o Fernando Pessoa se referisse ao Marquês da Bacalhoa, é baixo demais, mesmo para um monárquico, dizer que

Não concordando com o uso do texto (e capa do mesmo) insultuoso para o penúltimo Rei e última Rainha portugueses, que prova quão baixo precisaram os republicanos para irem ao tacho.

Quão baixo estarão os monárquicos dispostos a ir nas suas mentiras?

Unknown disse...

Caro João Paulo:

Acho que não percebeste o comentário do Fernando Martins :)

Ele não concorda é com o texto da Palmira e com a imagem que ela escolheu para o ilustrar. Pelos vistos ele acha que falar da História que a beatada monárquica quer apagar é insultuoso para o penúltimo Rei e última Rainha portugueses.

Claro que para um monárquico dizer coisas como prova quão baixo precisaram os republicanos para irem ao tacho não é insultuoso, nada disso. Posts factuais são insultos, depreciações de um monárquico sobre a república não são insulto.

Acho piada é que com tanta pressa em denegrir a I República (desta esqueceu-se de elogiar a ditadura de Salazar) copiou o texto errado.

O ilustre português que ele foi buscar como argumento de autoridade fala nas "tradições desonrosas da Monarquia." Não parece que o Fernando Pessoa tivesse uma grande opinião da monarquia, bem pelo contrário...

Estava desiludido, como muitos republicanos, o herói da Rotunda inclusive, pela forma como as coisas se desenrolaram, mas não me parece que estivesse a fazer um elogio da monarquia...

Anónimo disse...

Estes "posts" sobre o regicídio e a República, bem como os comentários que suscitaram, fazem parte do que de muito bom tem este blog. No entanto, provaram também uma coisa: o cuidado que há a ter quando se pretende ser isento. Não estou a acusar a Profª. Palmira de não o ter sido, porque ela não mentiu historicamente. E, pretendendo analisar os factos sob um determinado ponto de vista, até é desculpável que tenha apontado apenas no sentido de atenuar a perversidade do regicídio e de se compreender os erros da I República. Mas há sempre o outro lado, e houve comentadores que, também sem mentirem, provaram o contrário.
Sem dificuldade talvez até nem fosse difícil demonstrar (desde que não houvesse contestatários atentos e bem informados) que o melhor tempo da I República, o mais democrático, foi o de Sidónio Pais...

Palmira F. da Silva disse...

Caro Daniel de Sá:

O primeiro post, que eu pretendia ser o único sobre o tema, pretendia apenas apontar a incongruência de nos nossos curricula de História ser privilegiada a História remota e não se dar nada da História contemporânea e que para perceber um dado acontecimento é necessário perceber a respectiva conjuntura histórica.

Devo confessar que fiquei um pouco maçada com os comentários suscitados por esse post e por isso escrevi os outros dois. Fiz um esforço em apresentar, de forma muito concisa, a história dos dois últimos anos antes do regídio. Num blog, é mesmo conciso, tentei apresentar os factos reconhecidos como mais relevantes pelos historiadores da época, apresentar todos os factos implicaria vários livros - foram uns tempos mais animados em termos políticos que a I República - posso deixar alguma da literatura sobre o tema para quem quiser, Joel Serrão e Raul Brandão já foram mencionados

Mas não escrevi nada sobre a I República, apenas sobre o 5 de Outubro e os factos que levaram ao regicídio.

Por isso, devo confessar igualmente que não percebo o seu comentário. Ou antes, percebo, o meu melhor amigo é de São Miguel e por outro lado sei perfeitamente as reacções que a menção de Afonso Costa provoca em alguns, mas se calhar não era má ideia reler os posts antes de saltar para insinuações completamente a despropósito do que foi escrito...

Joana disse...

Lá está o Daniel de Sá no que é perito: insinuações maldosas, insultos disfarçados (como bom ex-padre não insulta ninguém directamente, claro) e mentiras descaradas.

Ó homem, você e o Fernando Martins podem ser monárquicos à vontade até fazerem romarias ao túmulo do Salazar, mas não podem insinuar que o que a Palmira escreveu não é verdade.

Parti-me a rir com o tom ofendido na sua monarquia do Fernando Martins. Tendo em conta a campanha de desinformação que os bolorentos, salazarentos e beatos monárquicos têm feito nos últimos tempos não tenho dificuldade nenhuma em perceber a raiva dos dois.

Depois acho um piadão o Daniel de Sá dizer que o Fernando Martins não mentiu, só apresentou outras versões dos acontecimentos!

Quando é que não mentiu? Quando disse a Constituição do Salazar, sufragada por plebiscito em 1933?

Depois do golpe militar de 1926, que pôs fim à República democrática e parlamentarista portuguesa, o novo regime tentou encenar uma auto-legitimização em 1933 submetendo a plebiscito uma nova constituição.

EM 1932 sairam uma quantidade de decretos e diplomas, que "limparam" o terreno de adversários políticos. O Decreto 19. 143 sobre "atentados contra a segurança pública" que o Decreto 20. 861 de 5 de Fevereiro diz deverem ser julgados em tribunal militar; a instituição da "lei da rolha" abolindo a liberdade de expressão (por exemplo, Decreto 20. 889.

O Decreto 21.923 por seu lado é elucidativo - reforça as verbas com as despesas com os muitos deportados políticos.

O Decreto 21 014 de 21 de Março foi o primeiro de uma série em que era instituida a doutrinação ideológica, à laia da nazi, reforçado com as portarias 7. 323 de 13 de Abril (do Ministério da Instrução Pública) e 7. 363 de 11 de Junho.

Pelo Decreto 22. 040, de 28 de Dezembro é obrigatório a afixação de "frases inspiradoras" nas escolas, frases essas da autoria, entre outros, de Mussolini.

Gosto desta:

“A vontade de obedecer, única escola para aprender a mandar.”

Finalmente cria uma única instituição para-partidária, a União Nacional, cujos estatutos, emanados da Secretaria-geral do Ministério do Interior são apresentados, por coincidência, na véspera da publicação do projecto de Constituição.

Ainda em 1932, no dia 5 de Dezembro, em Suplemento do “Diário do Governo”, saem o Decreto 21. 942, que regula a punição dos crimes políticos e infracções disciplinares de carácter político, e o Decreto 21.943, que regula a situação dos que cometeram crimes políticos.

Nos dias seguinte é repetidamente relembrada a legislação publicada em suplemento, que diz serem crimes políticos os delito de opinião e sua expressão.

Posto isto, o tal plebiscito já seria uma palhaçada mas se pensarmos que as abstenções contaram como votos favoráveis não custa muito perceber que o Fernando Martins mentiu com quantos dentes tinha!

A Constituição de 1933, no seu texto final e supostamente referendado, não traduz fielmente a ideologia reaccionária do Estado Novo, mas a prática do regime de Salazar encarregou-se de corrigir este problema “semântico”.

Joana disse...

Sobre a treta da eleição directa do presidente, depois do susto de Humberto Delgado, que acabou como sabemos, houve uma revisão constitucional em 1959 que passa a estabelecer a eleição indirecta do Chefe do Estado, por um colégio eleitoral restrito.

Salazar tinha medo que se repetisse o apoio popular a Humberto Delgado, que deu uma trabalheira a falsificar as eleições em que os mortos votaram, e acabou com essas pretensões democráticas.

Joana disse...

Esta última é porque o Fernando Martins disse que o Salazar manteve a eleição por sufrágio universal do Presidente da República (que era república só no nome...), o que é falso!

Joana disse...

Sobre a queda da monarquia, o Fernando Martins só exprimiu a sua ofensa de monárquico ultrajado, mais nada.

Só outro monárquico pode dizer que faz parte dos comentadores (o Daniel de Sá e o próprio Fernando Martins, mais ninguém) que "também sem mentirem, provaram o contrário."

Mentindo e insinuando só confirmaram o que a Palmira escreveu :)

Joana disse...

Em contraste, veja-se a Constituição de 1911 (que saiu um ano depois da queda da monarquia, Salazar esperou 7 anos para impingir aquele simulacro de Constituição que mesmo assim nunca foi cumprido).

A Constituição de 1911 tem trinta e oito números no art.º 3.º, que salvaguardam os direitos humanos, a liberdade (n.º 1), a igualdade civil (n.º 2) – «a Lei é igual para todos» –, o direito de propriedade (n.º 25), ou o nº 37 que confere o direito de resistência a medidas que não salvaguardem os direitos individuais (n.º 37).

O orgão máximo da República era o Congresso, que podia demitir o presidente, que tinha funções meramente honoríficas e representativas nem sequer tinha direito de veto. O Presidente era de facto eleito pelo Congresso -para um mandato de quatro anos não renovável - mas não tinha poderes que se vissem, representava o Estado português, nomeava o governo e pouco mais.

O facto de ser uma Constituição demasiado democrática foi a causa dos problemas da I República. O regime parlamentarista, em que o Parlamento detinha o poder político, resultava em grande instabilidade política. O Congresso metia o bedelho em todos os actos governativos, exigindo constantes explicações aos ministros.

Os erros bem intencionados da I República não foram repetidos na II República: a Constituição de 1976 mostra que se pode aprender com os erros do passado...

Joana disse...

Repito aqui um comentário da Graça no primeiro post:

Essa do sufrágio universal do Presidente da República tem muito que se lhe diga... Eu ainda tive uma disciplina no liceu, denominada "Organização Política e Administrativa da Nação" em que se dizia que o presidente era eleito por um colégio eleitoral... Apesar de criança, lembro-me bem das 1ªs eleições "ganhas" pelo Américo Tomás (1958) contra Humberto Delgado. E das histórias que se contaram sobre a queima dos votos em Delgado (como na freguesia de Eiras, Coimbra, por exemplo). E de passar noites em claro a rezar o terço (aos 10 anos de idade, quando por motivos de doença, estive internada num sanatório da "linha" de Cascais), que era transmitido a partir da capela do sanatório para as enfermarias, por um sistema interno de rádio, com o argumento de que, caso ganhasse o general Delgado, fechariam todos os conventos, seriam expulsas todas as freiras e nós, doentinhas, não teríamos quem cuidasse de nós...

Anónimo disse...

Minha Cara Palmira
A sua resposta foi suficientemente correcta e delicada para evitar que eu voltasse ao assunto. Percebi perfeitamente que a Palmira sabia que eu tinha razão ao dizer que apresentou (essencialmente) os factos que interessavam ao ponto de vista que queria defender. E eu achara isso normal no seu discurso. Até aqui nada de desonesto nem de segundas intenções de parte a parte, quer da Palmira quer de mim.
Mas aparece sempre alguém que se agarra ao que a Palmira escreve e que vem defendê-la por vezes com muita parra e pouca uva, mesmo quando a Palmira não precisa de ser defendida e nem sequer foi atacada. Por isso resumo dois ou três exemplos do que a Palmira não disse, mas poderia ter dito se a intenção fosse um relato completo da situação antes e depois do regicídio.
D. Carlos não dissolveu o parlamento em 1907. O que aconteceu foi uma forte instabilidade parlamentar, e, como o período normal de funcionamento da assembleia (três meses) já tinha sido ultrapassado, o rei suspendeu o seu funcionamento para evitar a continuação das dificuldades criadas ao governo. Em 1908 o parlamento decerto retomaria o seu ritmo normal. Em 1893, por exemplo, Hintze Ribeiro pedira a dissolução do parlamento (este sim um caso de dissolução) e D. Carlos não atendeu a tal pedido. Houve uma situação de não funcionamento do parlamento em 1894/95, ao que se seguiu a recusa do partido Progessista de se apresentar a eleições, na previsão de que perderia as eleições. (A gente sabe como o governo controlava todo o sistema eleitoral...) Na sessão de 29/09/906 do parlamento, o rei rompeu com a habitual tepidez das suas intervenções, e anunciou a intenção de reformas profundas, entre as quais alargar o voto aos trabalhadores. (Coisa que a república não fez, antes tendo diminuído o número de eleitores, como aqui alguém já disse.) O famoso decreto de 13 de Fevereiro de 1896 foi, na prática, revogado com a anulação, em 1906, de todos os processos instaurados por abuso de liberdade de imprensa.
Que o alvo do atentado de 1 de Fevereiro fosse João Franco, isso é falso. De facto ninguém pensara matar o rei, e João Franco era um alvo dos republicanos, o que não supunha obrigatoriamente a sua morte. Naquele fim de dia sabia-se perfeitamente em que carruagem seguia João Franco. O rei e a sua família foram atacados sabendo bem o Buíça e o Costa o que estavam a fazer. Ninguém incomodou o Franco. O atentado nunca foi reivindicado (como agora se diria) por ninguém, nem sequer pela Carbonária.

Anónimo disse...

Sois Todos muito doutos e excelentes pensadores, mas sois portugueses também, como tal não podeis concordar nunca em cousa alguma que tenha relevo para a causa maior que é portugal, o povo que não é douto nem sabedor, mas carneiro e devoto (e miserável e inculto)está tão dividido como as vossas doutas opiniões, e claro com tanta sesunião portugal não poderia de deixar de ser a merda que realmente fazem dele.
Os Portugueses são discordantes por naturesa (malcriados)

dorean paxorales disse...

Não conhecia este hábito de apelidar os monárquicos de 'salazaristas'. Edificante.

Joana (e isto fazendo de conta que enfio o barrete), sabe sob que regime político se permitiu pela primeira vez o voto e a eleição de mulheres ao parlamento?

Uma pista: não foi na I república portuguesa.

Fernando Martins disse...

Cara Doutora Palmira:

Como habitual leitor deste Blog de Ciência, gosto imenso dos seus textos em que fala do que sabe e de que é especialista. Quando fala de coisas em que não é especialista é natural que às vezes tropece em coisas que desconhece ou que mal domina, mas mesmo assim muitas vezes gosto de ler esses textos. Não estou a dizer com isto que num Blog de Ciência não se fale de outras coisas (o Blog é seu e pode e deve falar do que bem entender - eu faço o mesmo nos meus Blogues).

Contudo cai um bocadinho mal esta sua tripla tentativa de saudar o alvor da República com ataques a uma pessoa de bem, patriota e até homem das artes e ciências, o Rei D. Carlos e, simultaneamente, tentar purificar de alguns pruridos de índole moral a I República.

Fica-lhe mal só citar a visão de D. Carlos ou dos Braganças por parte dos historiadores que escreveram (ou reescreveram) a versão oficial da História.

Isto tem um nome - Revisionismo. Se não sabe o que é, veja o actual Presidente da República do Irão diz sobre o Holocausto judaico, desta vez citando nazis e historiadores duvidosos.

Em História a verdade não é uma só, há muitas verdades, e usar apenas a cartilha de um lado para a contar é o mesmo que dizer apenas metade da história.

É por isso que lhe fica mal ocultar que a morte do Rei D. Carlos e D. Príncipe D. Luís foi ordenada pela Carbonária, braço armado da Maçonaria e do Partido Republicano ou ocultar que o 5 de Outubro foi uma revolta de militares e alguns populares contra um regime democrático (em Agosto de 1910 tinha havido Eleições, livres e justas, como nunca aconteceu na I República).

É por isso que lhe fica mal ocultar as qualidades de estadista, homem de artes, homem da ciência, homem de bem que foi D. Carlos. Que os republicano o fizessem antes da sua morte era normal (ele próprio o achava, pois o insulto passava-lhe ao lado). Agora que se repita aquilo que depois de se estudar o seus acervos literário, de estadista, de homem das artes e de percursor da oceanografia, apetece-me apenas dizer que os fins não justificam os meios...

É por isso que lhe fica mal ocultar que a República, para se auto-sustentar eleitoralmente, impediu os monárquicos de se organizarem, atacou alguns grupos organizados da sociedade e fez desaparecer dos cadernos eleitorais mais de metade dos eleitores (passou-se de cerca de 950 mil para 400 mil, tal foi estrago da Imposição da República...)

É por isso que lhe fica mal relacionar a aldrabice da venda do Brasil à Holanda por parte de D. João IV e ligar este evento mitológico com o 5 de Outubro de 1910.

É por isso que lhe fica mal relacionar um livro insultuoso para com a Casa Real (em que se diz que a Rainha D. Amélia era lésbica e que, com a amante, mandava de facto no Rei, quando depois, com um filho mal preparado para reinar não fez nada do que era acusada...) com a verdadeira História.

Fica-lhe mal citar Sampaio Bruno («o regicídio é, seguramente, um acto condenável, mas o despotismo não o é menos. O tiranicídio é, na verdade, um crime mas a tirania é também um crime») e ocultar que João Franco não matou ninguém (ao contrário da Carbonária contra quem ele lutou, que matou e muitos...) e que a República fez bem pior do aquilo de que acusou João Franco (porque se este tentou mandar alguém para o degredo na Ásia era assassinato, quando a República o fez - ou ainda pior: reposição da Pena de Morte para crimes militares, ou, entre outros a Leva da Morte de 19 de Outubro de 1921 - era apenas profilaxia).

Finalmente, no texto de Fernando Pessoa que eu citei no comentário inicial a este post, apenas quis mostrar que, depois da morte de D. Carlos e do filho, com o tipo de políticos que tínhamos, a crise da Monarquia levou-a à autofagia. Mas ignorar que o que veio a seguir era pior (e iria conduzir ao Estado Novo /II República - que acabaria por ser ainda pior na minha humilde opinião, pelo menos depois do final da II Grande Guerra) é refazer a História para ela ficar bonitinha - é branquear algo que não foi bom e não deu bons frutos.

Anónimo disse...

só citar a visão de D. Carlos ou dos Braganças por parte dos historiadores que escreveram (ou reescreveram) a versão oficial da História.

É pá, e eu que não sabia que a I República com aquelas confusões em que ninguém se entendia consegui nos escassos anos em que esteve de pé arranjar historiadores para escrever a versão oficial da História.

Nem sabia que essa "versão oficial" tinha sobrevivido ao branqueamento da ditadura. Sempre a aprender :)

Parece-me é que o Fernando Martins anda a ler as histórias dos revisionistas de serviço a Salazar que mandou pintar a I República com cores que justificassem a sua ditadura e o seu golpe de Estado.

Penso eu de que em 48 anos de ditadura tiveram muito tempo para isso.

Anónimo disse...

É só isso que consegue argumentar, João Paulo? Eu leio tudo e todos, revisionistas, teóricos oficiais, parvos, bem intencionados e até anónimos.

Por acaso o senhor já leu a lista dos governantes da I República, a média de tempo de duração de um Governo nesta ou o número de purgas, assassinatos, contra-golpes, tentativas de impor ditaduras, revisões da Constituição...?

O Salazar não precisa de mandar escrever nada - aliás foi a I república que criou o Estado Novo/II República, inicialmente apoiada pela maioria de republicanos e monárquicos.

E, se quer saber, acho que a II República, depois do II Guerra Mundial, foi ainda pior que a I República. Mas as suas palas não lhe permitem ver para além de uma cartilha mal aprendida e o seu espírito crítico deve andar pelas ruas da amargura...

Unknown disse...

Não sei porquê, mas a defesa da ditadura de Franco e de Salazar (só até à II Guerra Mundial, a partir dái tem pelo menos vergonha na cara) faz-me lembrar a conversa em família de hoje do César das Neves:

« Por outro lado, o primeiro regime teocrático xiita da História não é uma ditadura desmiolada. É uma democracia que há quase três décadas manobra com argúcia na cena mundial.»

Fernando Martins disse...

Eu já disse, várias vezes aqui nos comentários, que o meu sistema político preferido começa pela democracia. Entendo que em certos momentos de anarquia haja necessidade de regras diferentes, tal como o nosso actual regime diz na sua Constituição. Agora perante o desespero de alguns momentos entendo a necessidade de uma mão firme que nos faça manter à tona. Foi o próprio Fernando Pessoa, num dado momento, quem escreveu um texto em defesa do Estado Novo... Perante umas finanças de país a colapsar, a ausência de políticos competentes e capazes (a antiquíssima "estória" dos políticos dos 5%...) o desespero leva alguns a tomar medidas que eu compreendo. Mas, repito, não tomo a parte pelo todo e a excepção pela regra.

PS - O texto assinado por mim anteriormente não estava com link para o meu perfil de Blogger por dificuldades no local onde estava a aceder à Internet. Fico contente por, depois disto tudo, a única dúvida que sobra dos meus argumentos é a minha eventual defesa da Ditadura de João Franco (que não subscrevo) e do Estado Novo/II República (que entendo e subscrevo até certo ponto, dadas as condições momentâneas políticas de Portugal e da Europa antes da II Guerra Mundial).

Joana disse...

Sobre o regicídio um apontamento interessante na Hemeroteca Digital:

Descrição constante no artigo intitulado “A Tragédia de Lisboa” de Eduardo de Noronha publicado na revista Serões: revista mensal ilustrada, e no artigo “Semana Trágica” publicado na Ilustração Portuguesa.

A policia, de revolvers em punho, chacinava Manuel Buiça, que fora já desarmado pelo sr. tenente Figueira, e arrastava brutalmente até á câmara municipal, onde acabava de assassinal-o

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