Realizou-se ontem no Centro Cultural de Belém a conferência «A Europa contra a Pena de Morte», uma organização do Ministério da Justiça no âmbito da Presidência Portuguesa da União Europeia, da Comissão Europeia e do Conselho da Europa.
O ponto alto da Conferência era suposto ter sido a assinatura de uma Declaração Conjunta, da União Europeia e do Conselho da Europa, a instituir dia 10 de Outubro como Dia Europeu contra a Pena de Morte. A iniciativa foi gorada pela Polónia, que vetou a decisão a nível da UE no dia 18 de Setembro. O Conselho da Europa, que aprovou a instituição deste dia com 46 votos favoráveis - o representante polaco retirou-se da sala durante a votação -, salvou assim aquele que era um dos objectivos da Presidência Portuguesa da União Europeia, que irá ainda apresentar na ONU, em meados de Outubro, um projecto de resolução para uma moratória sobre a pena de morte.
A insistência da presidência portuguesa no tema, para além de todas as razões humanitárias que a tornam urgente, justifica-se ainda no orgulho luso no facto de Portugal ter sido o primeiro país europeu a abolir a pena de morte.
Podemos considerar que a preparação desta decisão inédita foi efectuada pelo Marquês de Pombal, a quem devemos a reforma da nossa legislação civil. Com a publicação em 18 de Agosto de 1769 da Lei da Boa Razão, deixou de ter fundamento jurídico o direito consuetudinário e teve fim a relevância do direito canónico nos tribunais civis - e acabaram os autos de fé inquisitoriais. A partir dessa data, tornou-se necessário a fundamentação de qualquer lei numa razão justa, senão tornar-se-ia inválida.
Assim, a pena de morte foi abolida para crimes políticos em 1852 pelo artigo 16º do Acto Adicional à Carta Constitucional de 5 de Julho. Há 140 anos, o ministro da Justiça de D. Luís, Augusto César Barjona de Freitas, submeteu a discussão na Câmara dos Deputados uma proposta de abolição da pena de morte para todos os crimes, excepto para os militares, proposta que foi aprovada e publicada na lei de 1 de Julho de 1867.
Em 1911, tinha a primeira República uns escassos meses, a pena de morte foi abolida para todos os crimes, incluindo os militares, por Decreto com força de lei de 16 de Março de 1911, decreto posteriormente reforçado pela Constituição de 1911.
Uns anos depois, a participação nacional na I Guerra Mundial ditou a alteração desta situação pela lei nº 635, de 28 de Setembro de 1916, que restabelecia a pena de morte para crimes militares em «caso de guerra com país estrangeiro, em tanto quanto a aplicação dessa pena seja indispensável, e apenas no teatro de guerra».
Somente em 1976 a Constituição portuguesa repôs o que previa a Constituição de 1911, nomeadamente com o nº 2 do artigo 24º, que lê «em caso algum haverá pena de morte».
De acordo com a Procuradoria Geral da República, a última execução em território nacional, por motivo de crime civil, ocorreu em Lagos, em Abril de 1846. Eventualmente terá sido executado em França, em 1917 ou 1918, um soldado do Corpo Expedicionário Português, condenado por espionagem.
Está disponível desde ontem na Biblioteca Digital Nacional um site dedicado a Miguel Torga, «um autor que fez toda sua vida literária com uma grande consciência do seu tempo», como referiu a responsável pelo projecto, Teresa Sobral Cunha. No ano em que se assinala o centenário do seu nascimento, ouçamos o «analista indefectível do seu tempo»:
«A tragédia do homem, cadáver adiado, como lhe chamou Fernando Pessoa, não necessita dum remate extemporâneo no palco. É tensa bastante para dispensar um fim artificial, gizado por magarefes, megalómanos, potentados, racismos e ortodoxias. Por isso, humanos que somos, exijamos de forma inequívoca que seja dado a todos os povos um código de humanidade. Um código que garanta a cada cidadão o direito de morrer a sua própria morte».
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9 comentários:
Bem me queria parecer que o Fernando Martisn não estava a contar bem a história quando desatou a falar mal da I República que tinha restabelecido a pena de morte para militares. Esqueceu-se foi de dizer que quem a tinha abolido tinha sido a I República e que só a restabeleceu em condições muito especiais.
Esqueceu-se também de dizer que o seu adorado Salazar (só até a II Guerra, a partir daí foi um ditador) manteve a pena de morte para militares. Pormenorezitos que lhe escaparam na defesa do indefensável...
Bom post da Doutora Palmira, com aspectos interessantes.
No que diz respeito à Joana (que nem me devia falar, visto eu ser um perigoso salazarista, eu que nunca gostei propriamente de senhor...) há uns aspectos a referir.
A Pena de Morte, segundo a Amnistia Internacional, é referida com inexistente num país desde o momento em que, mesmo que continue na sua lei, não seja usada. No caso português a pena de morte desapareceu para crimes civis desde o reinado de D. Luís I e, de facto, nunca tornou a ser usada, durante a Monarquia, para crimes militares. A República consagrou (um avanço) o desaparecimento da Pena de Morte para todos os crimes mas, logo que houve guerra, reviu a constituição e voltar a haver (e a ser aplicada...) a Pena de Morte para crimes militares, como alguns infelizes magalas na França, em 1917, puderam sentir na pele.
Espero ter sido sucinto, pois nesta matéria não parece haver entre nós nenhuma diferença...
Fernando Martins:
não percebeu o post nem o que diz a Procuradoria geral da República?
Não houve "alguns infelizes magalas na França, em 1917". Há eventualmente um mas não se tem a certeza.
Esta marcha atrás sem admitir os erros e reincidindo neles fica-lhe muito mal!
Excelente post, Palmira!
Naturalmente, enche-nos de orgulho o «pioneirismo» português no que respeita à abolição da pena de morte. Contudo, talvez fosse bom tentar esclarecer alguns detalhes, pelo que os historiadores poderão ajudar.
Segundo tenho lido, o primeiro estado a abolir a pena de morte foi o Grande Ducano da Toscânia (Toscana), em 1786. Se bem me lembro, creio ter-se-lhe seguido a República Romana.
Outro caso bem interessante é o da República de San Marino. Ao que parece, a pena de morte para os crimes comuns foi abolida ali em 1843 e para todos os tipos de crimes em 1865. Contudo, se, como diz o Fernando Martins, «segundo a Amnistia Internacional, é referida com inexistente num país desde o momento em que, mesmo que continue na sua lei, não seja usada», então a República de San Marino merece uma menção especial, já que parece que ali a última execução teve lugar em 1468.
Como não tenho de momento outros materiais disponíveis nem tempo, verifiquei alguns dados na Wikipedia, que nem sempre é fiável. Ali e noutros lugares o ano da abolição da pena de morte em Portugal aparece apenas em 1867. Como se justifica(m) esta(s) discrepância(s)?
Alef
"João Paulo",
Sobre a pena de morte não sei. Mas escrevi um script em Python para impressionar a Palmira:
ReALizoU-sE ontEm no CentrO Cultural de BelEm a cONferenCIa "A EurOpA conTRA a PEnA De MOrte", uMa oRganiZacao do MiniSteriO da Justica No AMBIto dA PresidEncia PoRTuguESa da Uniao EuropeiA, da ComIssAO EurOpeia E dO CoNSeLhO dA Europa. O poNTo altO da cOnferencia era SUPOStO ter sido A assinatUrA De UMa DEcLaracao CoNjunTa, da UnIAo EuROPeIA e dO ConselHo dA EurOPA, a instituiR dia 10 de OUtubrO coMo Dia EuropEu contrA A Pena dE Morte. A iNiCiatIVa FoI gOrAda pEla Polonia, que vETou a deCisAo a nivel Da UE no dIA 18 dE Setembro. O ConselHO DA EUrOPa, qUE ApRovou A iNTiTUiCaO desTe Dia coM 46 vOtoS FaVorAVEis - O rEPreseNtantE poLAco retirOu-se da salA durAnTe A voTacAo-, saLVou AssIm aqUele quE erA um dOs ObjecTivos da PresiDencIa POrtUgUesa dA UniaO EuroPEiA, QuE ira Ainda apreSentAR nA ONU, em meADOS DE OutuBrO, um Projecto De ResolucAo Para uma mOraToriA Sobre a PENA de morTE.
Também consigo saltar nos ramos a uma velocidade incrível, e abrir as penas da cauda num padrão lindíssimo.
Caro Alef:
Só posso especular, mas diria que San Marino é esquecido porque o reconhecimento deste pequeno enclave que integrou os Estados Pontíficios mas se reclama independente desde 1600, embora Napoleão tenha reconhecido a sua independência em 1815, é posterior a 1848, se não me engano data do pós unificação de Itália, algures em finais do século XIX.
Aliás, Vítor Hugo, congratula-se com a abolição da pena de morte em Portugal numa carta de 15 de Julho de 1867a Eduardo Coelho, fundador e Director do Diário de Notícias:
"Felicito o vosso Parlamento, os vossos pensadores, os vossos escritores e os vossos filósofos! Felicito a vossa Nação. Portugal dá o exemplo à Europa."
O que dá ideia que ninguém considerava San Marino mais que uma aldeia perdida nos Apeninos...
De qualquer forma, San Marino (1848), Venezuela (1863), Portugal (1867) e Holanda (1870) são os primeiros a abolir a pena de morte.
Bruce:
Um original homenagem ao dia :-)
Caro João Paulo:
"Não houve "alguns infelizes magalas na França, em 1917". Há eventualmente um mas não se tem a certeza."
Tenho um familiar que é oficial do exército e o que se diz dentro das Forças Armadas é diverso do que aqui está escrito. Inclusive, por causa da moral das tropas e da acalmia na nação, que recorde-se, a entrada na guerra teve consequências internas e levou a divisões nos republicanos, se calhar os números de um ou de dois condenados à morte na I Grande Guerra peca por defeito. E era um assunto que merecia estudo por parte dos nossos historiadores...
Mas a moral e a ética republicanas são sempre salvaguardadas (já percebi, finalmente, isso da ética republicana) e fico contente por alguns aspectos que eu abordei terem servido para a discussão.
Para além de factores de humanidade, a coisa que a tantos impressiona na pena de morte é o facto de se poder vir a provar a inocência do executado anos mais tarde. Irremediavelmente! Eu não constituo excepção.
O indivíduo que mata outro num momento de desvairo, normalmente, não está no seu juízo momentâneo ou sofre de demência permanente que o transforma num "serial-killer" de que a sociedade se deve proteger.
Sucederá o mesmo ao juiz que em obediência à pena de Talião - "olho por olho, dente por dente!" - o condena à pena capital para passados momentos sair do tribunal para se dirigir a casa onde vai saborear uma apetitosa refeição na companhia da família e na santa paz do Senhor?
Um mata por descontrolo emocional ou maus fígados, outro em nome de uma Justiça representada com uma venda nos olhos por algum motivo. Claro que em termos económicos é muito menos dispendioso para o Estado uma injecção letal que manter em prisão perpétua ou muito prolongada o autor do crime.
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