terça-feira, 9 de outubro de 2007

BREVE HISTÓRIA DO DNA


O dia 25 de Abril evoca em Portugal o ano de 1974: é o dia da Revolução de Abril, cuja comemoração é feriado nacional. Mas, em Itália, o 25 de Abril evoca o ano de 1945: é o dia da libertação de Itália do regime de Mussolini, cujo aniversário é também feriado nacional. Na Europa do Sul o 25 de Abril está, portanto, associado a revoluções.

Uma das maiores revoluções na ciência ocorreu também a 25 de Abril, mas foi entre aquelas duas datas. A 25 de Abril de 1953 foi anunciada a descoberta da estrutura do DNA (ácido desoxirribonucleico, que em português se escreve por vezes ADN) pelo norte-americano James Watson e pelo inglês Francis Crick. A descoberta ocorreu no Norte da Europa, mais precisamente na cidade inglesa de Cambridge.

Muita gente pensa que o DNA foi descoberto por Watson e Crick. Mas nada de mais falso. Em 1953 o DNA já era conhecido há muito tempo: desde finais do século XIX. A meio do século XX suspeitava-se que o DNA podia ser o suporte material dos genes, um conceito então abstracto, mas havia quem pensasse que podiam ser as proteínas a desempenhar essa função (o jovem Watson pensava, de facto, que o DNA era a sede dos genes, mas Crick, o seu colega mais velho, pensava que essa sede estava nas proteínas). O que aqueles investigadores descobriram foi a estrutura da molécula do DNA, a famosa dupla hélice que constitui um ícone da biologia moderna. No breve artigo publicado na revista inglesa “Nature” em 25 de Abril de 1953, Watson e Crick incluíram no meio um esquema simples e a preto e branco da dupla hélice. Em 1983, na altura dos 50 anos da DNA, a “Nature” fez um número especial, onde relatava os espantosos progressos desde então. A revista “Time” também não se esqueceu de ilustrar a sua capa com a mesma molécula, com humanos dentro. O DNA saltou, em 50 anos, das revistas científicas para as nossas vidas.

Vale a pena citar o início do artigo. Repare-se no cuidado com que a proposta da nova estrutura é apresentada:

Queremos sugerir uma estrutura para o sal do ácido desoxirribonucleico (DNA). Essa estrutura tem características novas com um considerável interesse biológico”.

Considerável talvez fosse dizer pouco. Crick exclamou na altura “off the record”: Descobrimos o segredo da vida!”.

E vale a pena referir também o final do artigo, que deixa no ar a proposta sobre o modo como a dupla hélice se divide e, portanto, o material genético se prolonga:

“Não escapou à nossa atenção que o emparelhamento específico que postulámos imediatamente sugere um possível mecanismo de cópia para o material genético.”

Uma das hélices serve mesmo de molde no processo de duplicação genética, conforme foi mais tarde comprovado. Hoje sabe-se isso e muito mais: professa-se o chamado dogma da genética molecular, que consiste no modo como a informação dos genes (que são afinal segmentos do DNA) passa para as proteínas através do RNA mensageiro (o RNA é um outro ácido nucleico). E conhecem-se as excepções a esse dogma...

A história da descoberta do DNA está contada na primeira pessoa por James watson no seu livro “A Dupla Hélice” (Gradiva). É uma história que vale a pena ler, pois ilustra, como poucas. A ciência em acção, com tudo o que ela tem de melhor e de pior. No final do aeu artigo, Watson e Crick agradecem a a Maurice Wilkins e a Rosalind Franklin, seus colegas no King’s College de Londres que perseguiam o mesmo problema seguindo uma via experimental. Wilkins, que partilhou o Prémio Nobel da Medicina e da Fisiologia em 1962 com Watson e Crick, mostrou a watson algumas fotografias ao raios X de cristais de DNA que tinham sido tiradas por Franklin (Watson confessou que nessa altura “o queixo lhe caiu e o coração começou a pulsar mais rápido”). É bem conhecida a infelicidade da jovem Franklin, que morreu em 1958 (de cancro, com apenas 37 anos) sem ter visto reconhecida a sua importante quota-parte na descoberta.

Certo é que sem o paciente trabalho com raios X de Franklin não teria havido tão cedo o conhecimento da dupla hélice. Não é demais realçar o papel dessa química formada em Cambridge, onde se especializou em cristalografia. Ela é hoje recordada em particular pelas feministas (talvez por ter sido maltratada por Watson no seu livro). Assinalável foi a maneira como ela aceitou, sem rancor nem azedume, um papel menor na história: limitou-se a escrever um artigo que saiu no mesmo número da “Nature” apresentando dados que corroboravam o modelo de Watson e Crick.

Os raios X, uma técnica da física, estão pois na base da maior revolução da biologia no século XX. E não é demais insistir no papel que a física teve no alvorecer da Biologia Molecular. Ao fim e ao cabo a estrutura do DNA foi decifrada num dos “santuários” da Física: o laboratório Cavendish da Universidade de Cambridge. Precisando mais, foi fundada uma unidade de investigação biológica (mais tarde baptizada de Laboratório de Biologia Molecular) como um anexo ao Cavendish pelo físico William Lawrence Bragg, um eminente cristalógrafo e Prémio Nobel da Física (com o seu pai), nos anos 40. Bragg, com grande visão, contratou então Max Perutz, que por sua vez recrutou John Kendrew e Francis Crick (Perutz e Kendrew, que identificaram a estrutura de importantes proteínas, ganharam também o Nobel). Por sua vez, Crick, que era físico de formação, chamou Watson, um zoólogo que começou a sua carreira pela ornitologia, e Sidney Brenner, um médico (também Prémio Nobel). Um outro grande nome que apareceu no laboratório de Biologia Molecular de Cambridge foi Frederick Sanger, que recebeu dois Prémios Nobel da Química, um em 1958 pelos seus trabalhos sobre a insulina (uma proteína) e outro em 1980 pela técnica de sequenciação do DNA (poucas pessoas se podem gabar de ter recebido dois Nobel: na Física o único caso é John Bardeen, na Química e na Física há Madame Curie e na Química e na Paz Linus Pauling).

Enfim, Cambridge é um autêntico viveiro de Prémios Nobel... Essa cidade bem pode gabar-se de ter hospedado a nata da biologia molecular além de ter hospedado a nata da física (não esqueçamos que Newton foi professor em Cambridge, que foi aí que foi descoberto o electrão em 1897 por J. J. Thompson e o núcleo atómico por E. Rutherford em 1911).

E qual vai ser o futuro do DNA? Foi entretanto efectuada a sequenciação do genoma humano, conseguida por uma grande colaboração (o Projecto do Genoma Humano foi de início dirigido por Watson). Hoje procura-se uma sequenciação barata (e, portanto, individual). E abrem-se perspectivas para aplicações outrora inimagináveis: já hoje se fazem “chips” de DNA que, lidos informaticamente, permitem detectar a propensão genética para certas doenças. Vários tipos de cancro poderão ser antecipados e porventura prevenidos dessa maneira. Se na altura houvesse a tecnologia do diagnóstico por análise do DNA o cancro de Rosalind Franklin talvez pudesse ter sido evitado e ela poderia ter ido a Estocolmo receber o seu merecido prémio...

7 comentários:

Anónimo disse...

Muito interessante

Anónimo disse...

Agora que abriu a "temporada Nobel" sem duvida um artigo muito interessante e sempre atenta referencia um livro marcante que merece ser lido por todos os que se interessam por ciência e modo como esta é feita. parabéns!

Luis Correia disse...

Há aqui uma confusão neste artigo quanto aos vencedores de mais do que um Prémio Nobel:

J. Bardeen

Física 1956
Física 1972

M. Curie
(Primeira mulher a receber um Prémio Nobel e única pessoa a receber o prémio em disciplinas científicas diferentes)

Física 1903
Química 1911

L. Pauling

Química 1954
Paz 1962

F. Sanger

Química 1958
Química 1980

http://nobelprize.org/nobel_prizes/nobelprize_facts.html

De resto bom artigo!

Carlos Fiolhais disse...

Caro Luis Correia
Ja emendei. Muito obrigado pela correcção.
Carlos Fiolhais

Anónimo disse...

O DNA coloca questões muito interessantes para evolucionistas e criacionistas, sendo certo que o DNA é exactamente o mesmo para uns e outros.

Criacionistas e evolucionistas têm exactamente as mesmas evidências e os mesmos conhecimentos científicos.

A diferença está no modo como uns e outros encaram a evidência.

Vejamos:

A evolução de um micróbio para um organismo mais complexo, como o arroz ou um ser humano requer a adição de novos genes.

Como se sabe, o organismo unicelular mais "simples" tem cerca de 500 genes codificadores de proteínas, ao passo que os seres humanos tem acima de 20 000.

Isso significa que se nós tivermos começado como micróbios a partir de uma hipotética sopa pré-biótica (algo que está longe de ser demonstrado) isso significa que muitos genes tiveram que ser acrescentados através de mutações – o único mecanismo disponível para os evolucionistas.

Por outras palavras, deveriam ter existido incontáveis mutações capazes de acrescentar novos genes, codificadores de estruturas e funções inovadoras, mais complexas e integradas.

Essas mutações não poderiam limitar-se a modificar ou recombinar genes pré-existentes, por via da alteração aleatória e descoordenada das respectivas sequências de nucleótidos.

Por exemplo, os genes que contém as instruções para o fabrico dos nervos e das enzimas que permitem que os nervos funcionem não existem nos micróbios.

Os mesmos tiveram que ser criados “ex novo” se realmente evoluímos dos micróbios.

Existem muitas famílias de genes nos seres humanos que pura e simplesmente não existem nos micróbios, pelo que tem que existir um mecanismo viável de aditamento de novos genes e da respectiva informação (dependente de um código preciso de sequências de nucleótidos).

O problema é que, tanto quanto se pode observar, as mutações que se conhecem não têm as propriedades “milagrosas” que os evolucionistas lhes atribuem.

Se a isto acrescentarmos o facto de que o peojecto ENCODE veio recenbtemente revelar a funcionalidade de praticamente de todo o genoma, evidenciando a existência aí de vários níveis de informação e meta-informação (i.e. informação sobre a utilização da informação).

De acordo com os novos conhecimentos, a vida é mais do que os genes. O "junk" DNA, afinal, não existe, o que retirou aos evolucionistas mais uma "prova científica irrefutável" da evolução.


Quando tomamos em consideração o total de DNA, o arroz tem 466 milhões de pares de bases ao passo que os seres humanos têm 6 biliões(seis vezes mais).

Mas mesmo essa quantidade não é uma medida adequada da complexidade genética.

Os evolucionistas costumam dizer que os genes podem ser duplicados e que isto se traduz num aumento da informação.

Mas isso não é verdade. Se alguém tirar fotocópias de um livro não aumenta a informação contida nesse livro. Apenas duplicámos a informação existente, que as mutações subsequentes se encarregarão de ir destruindo.

Se um aluno tirar várias fotocópias de um relatório e as entregar ao professor, dificilmente o professor consideraria que as cópias acrescentam novas quantidades de informação ao relatório.

Também nos genes, essa duplicação não se traduz na criação de estruturas e funções inovadoras altamente complexas, mas apenas na duplicação da informação necessária ao fabrico de estruturas já existentes.

A evidência recolhida até ao momento mostra que a duplicação de genes desempenha um papel na variação dentro das espécies, mas não na evolução de micróbios para arroz ou pessoas.

Daí que os darwinistas dependam, essencialmente, de argumentos baseados nas homologias genéticas (um argumento circular que pressupõe a evolução), sendo que essas homologias podem ser facilmente interpretadas como evidências, não de um ancestral comum, mas de um Criador comum.

Fernando Martins disse...

Caro jonatas anterior:

E se lesse os livros de S. J. Gould sobre o assunto, para não dizer tantas barbaridades?

Anónimo disse...

Eu simplesmente adorei a pesquisa. É incrível como a evolução se fez e ainda se faz necessária, sem ela seríamos apenas massas inertes, sem explicações, sem teorias que comprovassem os fatos, sem nada..muito legal a abordagem!

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