quarta-feira, 17 de outubro de 2007

A Educação segundo Medina Carreira


Do livro "O Dever da Verdade", acabado de sair na Dom Quixote, transcrevo para discussão parte de uma resposta de Medina Carreira dada a Ricardo Costa, jornalista da SIC Notícias, a propósito da educação nacional (ps. 59-60):

"No que respeita à Educação há muita gente equivocada, porque o esforço financeiro de Portugal é, em termos relativos, dos mais elevados da União Europeia/15.

Em 2001 registámos 5,9% do PIB, ficando acima de nós apenas a Dinamarca (8,5%), a Suécia (7,3%), a Finlândia (6,2%) e a Bélgica (6,1%).

Outros consagram à Educação uma fracção do PIB ainda mais baixa que nós: a Áustria, a Alemanha, a França, a Itália, o Luxemburgo e o Reino Unido. E com melhores resultados.

O nosso problema, quanto à Educação, é pouco financeiro e muito político. Deve ter-se presente, desde logo, que o Estado sustenta um sistema de instrução em que mais de metade dos alunos não frequenta a escola para trabalhar e para aprender: ela é apenas o lugar em que as famílias "depositam" os filhos para efeitos de guarda mais segura.

Acresce que a indisciplina nas aulas é regra e nenhum professor, por melhor que seja, pode ensinar nas condições agora vigentes na maioria das escolas. Que os programas são extensos, irrealistas e inadequados. Que os manuais são, demasiadas vezes, instrumentos de muito baixa qualidade. Que a ausência de exames nacionais mais frequentes e mais rigorosos permite que se permaneça na escola longo tempo sem aprender e sem trabalhar. Que os professores não prestam contas da sua competência técnica para ingressar no ensino. Que a direcção colegial é irresponsabilizante e projecta para as funções de gestão os que vão satisfazer mais interesses dos docentes e menos dos alunos. Nada disto é objecto de debate sério e de reformas consequentes.

Sem debater problemas como estes, o dinheiro gasto com a Educação , em grande parte, um mero desperdício.

Na Educação refelecte-se afinal, um perigoso vício de toda a nossa política: os governos são aplaudidos se e na medida em que canalizam mais dinheiro para certos sectores.

A "paixão" de Guterres pela Educação limitava-se a atingir 6% do PIB! Já estamos nos 5,9%, com os resultados desastrosos conhecidos.

Não se pergunta por aqueles, não se presta contas e, como todos têm mandatos curtos, desaparecem irresponsavelmente do palco político.

Mudam os governos e a Educação não regista progressos qualitativos, com consequências negativas que se arrastarão durante muitos e muitos anos.

Enquanto não houver uma mudança radical neste domínio, iremos ficando mais atrás na cauda da Europa: a escola terá de ser, como usualmente era, um lugar em que se ensina, se trabalha e se aprende. Agora e como está, serve muito pouco e mal.

A obsessão é a quantidade, a estatística. A qualidade e o mérito não importam".

12 comentários:

J. Norberto Pires disse...

5 estrelas. É isso mesmo.

Em Portugal gasta-se demais com a educação, com resultados assustadoramente maus. Porque o foco não é na qualidade e no mérito de todos os elementos do sistema educativo: alunos e professores.

Todos acham que têm milhões de direitos, e bradam aqui-del-rei. Mas esquecem os deveres que tb têm, e normalmente não existem consequências qd não os cumprem.

Fátima André disse...

Não podia estar mais de acordo! Um retrato perfeito de grandes erros da nossa politica educacional! E os erros pagam-se caros!

Anónimo disse...

As despesas com a educação não se podem medir em percentagem do PIB, têm que se medir em euros por aluno/ano: um vendedor de material escolar ou um construtor de edifícios escolares cobra em euros, não em pontos percentuais do PIB.
E medidas em euros duvido que as despesas com a educação sejam realmente superiores às da Alemanha ou da Áustria. Doutro modo, como explicar que nestes países as salas de aula tenham aquecimento e em Portugal não?
Claro que nestes países não há Ministério da Educação com milhares de funcionários e peritos em pedagogia a receber salário sem nunca terem entrado numa sala de aula.

J. Norberto Pires disse...

Claro que se tem de medir em % do PIB, pq isso é a aquilo que mede o dinheiro que temos e a riqueza que produzimos.

Gastar em educação é necessário, mas mais importante é que seja bem gasto. E em Portugal gasta-se muito, mas mal. Não se é eficiente. E isso acontece pq não temos objectivos para a educação. O foco não é o mérito e a qualidade. E isso faz toda a diferença.

Fixar objectivos é fundamental para ter um rumo. Falta-nos o objectivo "descobrir o caminho para", "ir à lua", "descobrir o mundo", ..., algo que seja umas milhas à frente do nosso nariz.

Anónimo disse...

Este notável artigo de Medina Carreira – um ilustre catedrático de Economia – joga com números relativos ao PIB nacional para demonstrar à saciedade que o atraso do nosso sistema educativo se não deve, de forma alguma, a um menor esforço da nação em verbas gastas com a Educação da juventude portuguesa relativamente a outros países da Comunidade.

A estes elucidativos números julgo ter interesse acrescentar mais estes em que se pode encontrar razões causais para esta situação: “Se em Portugal um professor em início de carreira ganha o mesmo, trabalhe no 1.º ciclo ou no secundário, na Hungria ou na Holanda os docentes do secundário têm salários superiores em 75 %. A média da OCDE é de 41 por cento de diferença entre os pofessores desses dois níveis de ensino” (Público, 18.Set.2007).

Para bem se compreender este verdadeiro atentado ao esforço dispendido nas respectivas formações académicas, um professor do 1.º ciclo podendo estar habilitado apenas com o antigo curso médio das antigas Escolas do Magistério Primário (e, no caso dos trabalhos manuais, em outros graus de ensino apenas com o curso geral das antigas Escolas Industriais ou Comerciais, sem equivalência sequer ao antigo 9.º ano dos liceus) e um complemento de habilitações obtido em meia dúzia de meses numa qualquer chafarica criada para o efeito passou a usufruir vencimento idêntico ao de um professor com licenciatura universitária.

Deta forma, a política educativa portuguesa enclausura em grades de iniquidade os professores melhor preparados, abrindo a jaula da ignorância para que “as feras façam das garras o seu argumento” (Camilo).

Nesse tempo,e para se conseguir levar a efeito este verdadeiro escândalo, moveram-se influências insólitas e estabeleceram-se pactos entre sindicatos e o governo que fariam corar de vergonha o próprio Fausto para serem publicadas tabelas salariais para os ensinos básico e secundário com aumentos de 15,6 % para licenciados e 45,4% para os não licenciados, ambos com os mesmos 29 ou mais anos de serviço docente, premiando-se, assim, os que menos estudaram com um acéscimo salarial de cerca do triplo numa negociação em tremendo clima de pressão sindical.

Com esta verdadeira hemorragia de dinheiros públicos em vencimentos que igualam desiguais, não é de estranhar que as verbas aplicadas na Educação não obtenham correspondência com o aproveitamento escolar de um pobre país que mereceu do falecido Francisco de Sousa Tavares o amargo comentário (cito de memória): “Dantes Portugal era um país de analfabetos, hoje é um país de burros diplomados”.

Ainda que só em mero exercício de raciocínio “ab absurdo”, por que não estabelecer o mesmo estatuto remunerativo entre um professor catedrático e um professor do ensino secundário, ambos em fim de carreira? Absurdo, não é? Mas é o que acontece no magistério não superior em que em nome de uma pretensa democracia se anula toda e qualquer diferença e posterga todo e qualquer valor, procedendo-se a uma igualização de indivíduos abissalmente diferentes na sua formação académica,sem a subordinação a quaisquer princípios éticos ou de uma necessária deontologia profissional!

Anónimo disse...

Caro Norberto Pires:
Pronto, se quiser meça lá as despesas com a educação em percentagem do PIB e não em euros. Mas depois explique-me, por favor, porque é que na Alemanha as salas de aula são aquecidas e em Portugal não.

Anónimo disse...

Não me soa bem a frase:(...)as famílias "depositam" os filhos(...). Não é fácil saber quem está ou não incluido, é provável que a avaliação dependa dos professores. Estas famílias também contribuem para a tal percentagem do PIB e apesar do juro não ser grande coisa continuam a "depositar" os filhos não por opção mas sim porque é obrigatório. Se não fosse obrigatório é provável que a taxa de abandono escolar fosse ainda maior... Penso que a palavra "depositam" é mal escolhida, dá a sensação que há muitos alunos a complicarem o sistema de educação quando devia ser o contrário: deviam conseguir atrair os que infelizmente nem entram nestas contas por não frequentarem a escola, e motivá-los todos!

guida martins

João Pinto e Castro disse...

Três notas.

Em primeiro lugar, Medina Carreira não só não é economista, como não percebe nada de economia. Medina Carreira é advogado e tem muita palheta.

Em segundo lugar, Medina Carreira também não percebe nada de educação. O tipo de comparação internacional que aqui se faz é destituído de sentido. A Suécia já tinha no final do século XIX os níveis de alfabetização que nós só recentemente atingimos e já gasta há muitas décadas uma elevada proporção do seu PIB em educação. Se quisermos recuperar o atraso teremos durante bastante tempo que investir mais do que eles.

Em terceiro lugar, o próprio facto de sermos pouco eficientes a gerir o nosso sistema educativo (e prestarmos atenção a fala-baratos como Medina Carreira) deve-se aos novos baixos níveis de educação.

Acham que gastamos muito? Experimentem educação low-cost a ver se funciona. Não há paciência para a conversa da treta do professor Carlos Fiolhais!

Anónimo disse...

Polémico... talvez:
i) Tenho para mim como adquirido que os sindicatos de professores mais influentes e com maior poder reivindicativo, aliados a "colegas" comissários política destacados no interior do ministério da educação, têm tido um papel decisivo no regabofe e incompetência que se vive na educação em Portugal;
ii) Uma grande parte dos sindicalizados e mais intervenientes nas chamadas "acções de luta", são professores do ensino básico ou educadores de infância, alguns deles (para não dizer a maioria) sem possuirem sequer qualquer grau de licenciatura universitária, mas a quem foram concedidas (através da influência acima descrita) equivalências que lhes permite usufruir de um nível remuneratório equivalente a muitos professores licenciados do secundário em final de carreira e até do ensino superior, fazendo assim empolar a conta que todos temos que pagar em impostos, porque em termos de preparação dos meninos que era suposto obter-se estamos conversados;
iii) Exemplos de salários: (fontes - http://areapessoal.ist.utl.pt/files/tabelas/tabsal_2007.xls; http://www.spgl.pt/cache/bin/XPQ3jTwXX2799eV28FetSMaZKW.pdf)
Professor Catedrático/regime tempo integral/ 1º escalão = 2 960,16 €
Docente pré-escolar/ensino básico/ 10º escalão = 2 899,38 € (*)
Professor Auxiliar/regime tempo integral/ 1º escalão = 2 025,37 €
Docente pré-escolar/ensino básico/ 7º-III escalão = 2 034,04 € (*)
(*) destes conheço eu alguns, com o antigo 5º ano do liceu, mais um curso do magistério primário e um "curso" de sextas à noite e sábados, durante 6 meses no Piaget, conferindo-lhes assim equivalência a licenciatura e podendo assim "trepar" aos escalões superiores da tabela.
Digam-me lá "meninos" se isto é concebível nalgum lado?
Xei xim sô pufessore, diz o Zéquinha - em Portugal!

João Bizarro Duarte disse...

Blogar é porreiro pá. O nivel é identico em qualquer lado. Aqui, no Netlog ou no Autosport. Somos um povo feito de Medinas, Zequinhas, Fiolhais, Duartes e por aí a fora. Respeito é cosa que não se encontra. Vamos botar a baixo

João Duarte

Anónimo disse...

Acabemos uma vez por todas com o ensino publico. Ensino privado e obrigatorio para todos e o ministerio da educaçao so teria que fiscalizar, orientar e promover a melhor educaçao nessas escolas particulares. Os alunos seriam sorteados para cada escola sem criterios economicos ou sociais, transportados e alimentados diariamente e educados com o financiamento estatal. Seria tudo mais barato e mais eficaz. Infelizmente os preconceitos sociais e politicos dominantes travam constatemente as soluçoes mais simples.

Anónimo disse...

Sr. João Pinto e Castro,

O Sr. Medina Carreira não percebe nada de educação?

Relembro-lhe que a pessoa em questão tem 3 formações superiores, sendo uma delas em Ciências Pedagógicas, em 1954.
Se quiser consultar o currículo do senhor pode usar o link:
http://www.sgmf.pt/Institucional/Historia/Indice/Iconografia/Periodos/Documents/b45c8909e6be42b1b0ff562774b4385cHenriqueMedinaCarreira.pdf

Quanto às observações que fez. Discordo do que diz...volta a colocar como factor mais importante a percentagem do PIB gasto em educação e não as orientações seguidas e a forma como se gasta o dinheiro.
Fazendo um analogia futebolística, aquilo que está a querer dizer é que se gastarmos muito dinheiro numa equipa ela vai jogar bem e obter bons resultados. Como todos sabemos, são muitos os casos de clubes em que isso não se verificou. O Dinheiro investido só tem retorno se for bem investido. E do meu ponto de vista, com menos dinheiro é possível fazer muito mais. Basta promover o trabalho, a exigência e o rigor.


Não se trata de querer educação "low cost". Trata-se de racionalizar os meios.

Como disse, o que é preciso é definir objectivos, promover o rigor, o trabalho e a competência. Temos de acabar com as políticas do facilitismo.

Saudações

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...