quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Química na fronteira

A Real Academia de Ciências da Suécia atribuiu o Nobel da Química a Gerhard Ertl, professor emérito do departamento de Química Física do Instituto Fritz-Haber der Max-Planck Gesellschaft, em Berlim, pelo seu trabalho em «processos químicos em superfícies sólidas».

Para os químico-físicos, nomeadamente para os que trabalham em superfícies, foi uma surpresa agradável e de certa forma esperada, uma vez que a química-física era uma área neglicenciada pela comissão nos últimos anos. A área específica em que Ertl trabalhou é fundamental para inúmeras outras, muitas completamente inesperadas para o público em geral, como sejam a produção de fertilizantes ou o desenvolvimento de células de hidrogénio.

A química-física de superfícies tenta deslindar e explicar os processos químicos que se dão em superfícies, no caso de Ertl essencialmente superfícies metálicas. A maioria dos químicos, que trabalha em solução, fase gasosa ou sólida, evita ao máximo fenómenos de superfície uma vez que a fronteira entre duas fases, a interface, é uma zona em que as propriedades químicas e físicas são totalmente diversas das fases em contacto. Mas mesmo os alquimistas sabiam que alguma da química mais importante se dá exactamente nesta fronteira que o trabalho de Ertl ajudou a desbravar.

A importância da química de superfície já foi reconhecida com vários Nobel, nomeadamente em 1912 Paul Sabatier da Universidade de Toulouse ganhou o prémio pela descoberta do processo de hidrogenação de compostos orgânicos na presença de metais finamente desintegrados. Em 1918 Fritz Haber repetiu a proeza, agora pela hidrogenação de azoto, isto é pela síntese de amónia a partir dos seus elementos. Em 1931, Carl Bosch foi galardoado pelo seu sucesso em ultrapassar os problemas tecnológicos do trabalho com gases a elevada pressão naquilo que hoje é conhecido como o processo de Haber-Bosch de produção de amónia - em número de moléculas, o composto mais produzido no mundo, em massa, o ácido sulfúrico ganha.

O processo de Haber-Bosch de produção de amónia, NH3, de que todos os alunos de engenharia química ouvem falar muito cedo no seu percurso académico, consiste assim na reacção de azoto, N2, e hidrogénio, H2, reacção essa que só se dá à superfície de um metal designado por catalisador. Inicialmente utilizava-se ósmio e urânio, hoje em dia a catálise é obtida à custa de ferro produzido in situ a partir de magnetite.

Percebemos a importância do trabalho do cientista hoje agraciado com o Nobel, que, entre outros, descascou o mecanismo pelo qual a reacção de produção de amónia se dá, se pensarmos que cerca de metade da amónia produzida mundialmente é convertida em fertilizante, nomeadamente sulfato de amónia. Os primeiros fertilizantes produzidos pelo homem - que impediram que milhões morressem de fome e que toda a Terra fosse transformada numa imensa plantação, o Nobel da Paz para Norman Borlaug explica porquê - foram apenas possíveis pela descoberta e optimização deste processo.

Ertl, entre outros cientistas, estudou o comportamento do hidrogénio em superfícies metálicas tentando perceber o mecanismo pelo qual a hidrogenação catalítica se dá. No caso da amónia, não era trivial explicar como se partia a ligação N-N do N2 (uma ligação tripla, muito forte, o que significa ser necessária muita energia para separar os dois azotos), a ligação H-H do H2 e se formavam três ligações N-H.

Investigar este e outros processos de superfície implica a utilização de uma panóplia impressionante de técnicas, nomeadamente de espectroscopia, e uma paciência infinita na preparação das superfícies, tarefa facilitada com o advento das câmaras limpas utilizadas na investigação de semi-condutores e a disponibilização de tecnologia de alto vácuo - sendo a superfície dos metais muito reactiva, é necessário garantir que não são contaminadas e que de facto estudamos apenas o processo que queremos e não outro.

O trabalho pioneiro de Ertl foi decisivo para se perceber como funcionam os catalisadores, embora quem trabalhe na área, inclusive o próprio, tenha estranhado a ausência de co-premiados como David King, da Universidade de Cambridge, e Gabor Somorjai, da UC Berkeley, que contribuiram significativamente para termos ar e química mais limpos devido ao desenvolvimento de melhores e mais eficientes catalisadores.

De facto, os catalisadores são hoje em dia quasi indispensáveis no nosso quotidiano, directamente nos tubos de escape dos veículos de motores de combustão que usamos diariamente e no tratamento de efluentes industriais (especialmente os efluentes gasosos), indirectamente nos inúmeros produtos que são ou incorporam compostos produzidos por catálise heterogénea, como sejam a maioria dos polímeros da nossa idade de plástico. De igual forma, os avanços na produção de energia limpa a partir de células de combustível depende do desenvolvimento e implementação de melhores catalisadores.

Como referiu John Foord, professor de química da Universidade de Oxford:

«Dada a importância dos fenómenos de superfície na química moderna, e a contribuição significativa que o professor Ertl deu para entendê-los, eu diria que foi um bom prémio, e fiquei contente por testemunhá-lo».

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