Um dos grandes e primordiais problemas com que nos confrontamos na área da Educação é a terminologia usada. Seja qual for o assunto abordado, nunca sabemos à partida se os interlocutores usam as palavras com o mesmo sentido que lhes atribuímos. Essa é, no meu entender, uma das razões que levam especialistas, decisores políticos, professores e outros intervenientes no ensino a deixar a discussão dos assuntos mais importantes pela rama. Perde-se tempo e energia a debater sem grandes frutos o significado de vocábulos e expressões, tempo e energia preciosos para pensar no que é realmente essencial.
Acresce que, dentro da dita área, há assuntos mais permeáveis à confusão terminológica do que outros. A educação para a cidadania é um daqueles em que se têm criado e alimentado inúmeros equívocos.
Para explicar esta ideia, detenho-me na expressão vivências dos alunos, que um atento leitor deste blogue considera fundamental evocar na aprendizagem, afirmação com a qual, obviamente, concordo.
Conjecturo que quem leu o meu texto O quotidiano e as vivências dos alunos, perguntará se mudei de opinião em menos de uma semana. Respondo que não e justifico.
As vivências dos alunos podem ser encaradas sob dois pontos de vista: público e privado. Ora, entendo que é o primeiro ponto de vista que deve ser invocado no plano da educação escolar, e não o segundo. No entanto, a avaliar pelo discurso patente em vários documentos curriculares (normativos, currículos, programas e manuais), percebe-se que é o segundo ponto de vista que predomina.
Exemplifico: num determinado manual (e lembro que os manuais são, ou devem ser, reflexo das decisões da Tutela relativamente ao currículo) pede-se aos alunos para desenharem a planta da sua casa. Ora, poderia pedir-se-lhes que desenhassem a planta da sua escola. O propósito pedagógico-didáctico seria exactamente o mesmo e as operações cognitivas que os alunos teriam de realizar também.
Optando-se por esta alternativa, em vez daquela, os alunos mantêm e são ensinados a manter o seu núcleo de privacidade. Por outro lado, não se corre o risco de os pôr em situações delicadas sob o ponto de vista pessoal, de desigualdade social ou outras, uma vez que o espaço da escola é, à partida, de todos, partilhado por todos, conversável entre todos.
Imagem retirada de:
http://novaescola.abril.com.br/ed/154_ago02/imagens/matematica4.jpg
terça-feira, 30 de outubro de 2007
Planta da sua casa ou da sua escola?
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7 comentários:
A Helena Damião tem razão quando aborda a terminologia.
Habermas, numa conferência internacional, em 1993, onde um colega abordou o problema da "legitimidade", e antes de o criticar, disse-lhe que «saber do que se fala sempre ajuda; de resto, se se trata do problema da "legitimidade", é preciso sabê-lo de modo particularmente exacto».
Parafraseando Habermas, «saber do que se fala sempre ajuda: de resto, se se trata do problema da "educação cívica", é preciso sabê-lo de modo particularmente exacto».
Cara Helena
Não sendo "especialista" de educação, até porque só fui professor 2 anos lectivos, mas com a atenção a estes assuntos que derivam do facto de ter voltado a ser aluno, só posso apoiar as suas tomadas de posição e compartilhar as dúvidas postuladas neste post.
Só quero sublinhar uma observação lateral. É esta: "...uma das razões que levam especialistas, decisores políticos, professores e outros intervenientes no ensino a deixar a discussão dos assuntos mais importantes pela rama."
Efectivamente, discutir as coisas pela rama, é apanágio de um país onde parece que todos somos, ora Super Treinadores de futebol, no café, depois dos jogos. Ou somos todos políticos honestos, com soluções de qualidade para todos os problemas, no café. Ou ainda especialistas em investigação criminal e decisões judiciais, no café.
Parece que já no final do Séc. XIX e início do Séc. XX, se faziam em Lisboa inúmeras revoluções e novos sistemas políticos, no café.
Não tenho nada contra os cafés, bem pelo contrário, mas esta estranha forma de discussão, nos cafés, estendeu-se a toda a vida nacional. Todos sabem de tudo, mas ninguém mete mãos à obra para fazer o que precisa ser feito. Aliás as rotineiras interpelações várias no Parlamento, são disso mesmo um espelho. Muito verbo e adjectivos vários, para a total ausência de conclusões ou sequer decisões. Essas são sempre tomadas na penumbra dos corredores e gabinetes da administração pública, por "técnicos e especialistas" perfeitamente anónimos e portanto não responsabilizáveis...
Na verdade, discutir os assuntos seriamente e em profundidade, com argumentos bem fundamentados, em busca da construção de uma solução lógica, consensual e com capacidade de produzir resultados, parece ser uma tarefa impossível, neste país das "discussões pela rama"...
Gostei da observação de Helena. O mesmo aconteceria se fosse pedido ao aluno que elaborasse uma pequena arvore genealogica de sua familia. O aluno precisa ter uma "distância de fuga". Podemos criar estratégias que permitem a ele pensar sobre problemas pessoais sem que isso tenha que ser colocado em tela na aula.
Fernando Caria tem razão.
Já o nosso Manuel Bernardes sentenciava que
"É quimérico pretender endireitar a sombra da vara torta."
Depois dos cumprimentos por essa argúcia que só a alguns permite ver para além do óbvio, um desafio, Helena Damião: não quer comentar os cartazes que estão em todas as escolas com os "travestis" da Maria Gambina, do Carlos Queirós e da Judite de Souza ?
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