"Tenho todas as razões para ser pessimista, por isso sou optimista."
Carlos Fiolhais
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Não sei se acontece ao leitor, comigo está sempre a acontecer: quando uma conversa sobre assuntos de educação e pedagogia se desvia de dados objectivos e envereda por um caminho mais especulativo, alguém diz imediatamente: "não podemos ser pessimistas", ou "esse optimismo é de quem não está no terreno", ou, ainda, "eu até nem sou pessimista, mas...".
Na verdade, quando nos imputamos ou imputamos a outrem atributos pessoais no meio (ou logo no princípio) quando tratamos assuntos relativos a estas áreas tão críticas, onde o rigor e o sangue frio devia ter primazia, as discussões não vai longe...
Uma reflexão muito interessante sobre o assunto é apresentada pelo jornalista e escritor francês François de Closets, num livro com um título muito pouco optimista: A felicidade de aprender e como ela é destruída. Escreveu ele:
"A primeira coisa que surpreende é a docilidade com que as palavras que ouvimos se moldam ao que gostaríamos de ouvir. Queremos ouvir palavras de pessimismo, ouçamos sicrano. O primeiro deixar-nos-á cansados, por tanto repisar a tecla do «tudo vai de mal a poior». É, aliás, a tecla que pisa e repisa a comunicação social. o outro, obviamente um especialista, dir-nos -á em surdina que, pelo contrário, «as coisas nunca estiveram melhor»."Depois de dar alguns exemplos interessantísmos de "dessa comunicação cacofónica", Closets explica que não é admirar a falta de consenso entre optimistas e pessimistas, pois
"A questão escolar é, por natureza, fonte de conflitos e de contradições, dado o lastro ideológico e emocional que arrasta consigo. A radicalização, e não a serenidade, é o seu terreno de eleição. Cada campo procura impor os seus valores fundadores - o património cultural, para uns, os princípios democráticos, para outros. Entre os defensores de um ensino elitista, salvaguarda da nossa cultura, e os partidários de um ensino de massa, garantia de justiça, o debate é forçosamente apaixonado, senão passional. É uma querela que nos faz constantemente baloiçar entre extremos. Quando ouvimos dizer que o nível baixa, a imagem que nos vem ao espírito é o trabalho afincado e colossal dos estudantes que preparam o acesso às grandes escolas. Parecem-nos, então, pouco sérias as referências à falta de competição e a uma menor exigência nos exames. Em contrapartida, se ouvirmos dizer que o ensino manteve a sua qualidade, tendemos forçosamente a comparar essas novas escolas C+S com os liceus que havemos frequentado, e a comparação não joga a seu favor.Referência completa: Closets, F. (2002. Edição original: 1996). A felicidade de aprender e como ela é destruída. Lisboa: Terramar.
Ou seja, ninguém se entende e toda a gente tem razão. As próprias estatísticas, num tal contexto, não têm qualquer valor de prova. Servem apenas para aumentar a confusão."
8 comentários:
eheheh, não sou nem uma nem outra coisa: costumo chamar-me, antes, idealista. O resto adapta-se às circunstâncias.
Cara Helena Damião,
Deixo aqui algumas reflexões.
"As próprias estatísticas, num tal contexto, não têm qualquer valor de prova. Servem apenas para aumentar a confusão."
Julgo que as estatísticas servem, acima de tudo, para garantir o status quo, escondendo a real dimensão do problema e garantindo o crescimento esmagador do lobby das "ciências" da educação e seus derivados. Agora, até andam a tentar infiltrar-se nos pouco colégios privados de qualidade! Segundo dizem, as escolas portuguesas devem ser todas iguais em todos os sentidos, porque de outra forma teremos portugueses de primeira e portugueses de segunda..., portanto e passo a citar: "o problema dos ditos colégios de qualidade tem que ser resolvido!"!
Veremos se temos capacidade para resistir a esta dura investida. Tenho sérias dúvidas. É tudo uma questão de motivação; e estes "cientistas" e respectivos derivados estão muito mais motivados para impor a sua ideologia travestida de ciência do que quem trabalha com orgulho nestas instituições em manter a qualidade das mesmas, especialmente nestes duros tempos de crise económica e financeira.
Depois de ler este post fiquei ainda mais pessimista.
A todos os que, sobre o sistema de ensino básico e secundário português, se dizem optimistas ou acusam os que nele trabalham de serem pessimistas, gostaria de os ver a porem em prática esse optimismo, directamente, no terreno, demonstrando como se faz. Isto é, ensinando-nos através da exemplificação concreta, e dando-nos a oportunidade de lhes ficarmos eternamente gratos. E aí, sim, até eu propunha que se fizesse uma comissão entre os felizes alunos para escolher os que fossem merecedores de concecoração.
Agora, debitar receitas a partir do conforto de gabinetes almofadados, insonorizados e com ar condicionado, com a carteira recheada e os filhos a salvo da deseducação nacional, isso não implica nenhum pessimismo, realmente...
Os filhos do pobres que se danem.
Cara Helena Damião
Desde o início do De Rerum Natura que leio com gosto os seus artigos sobre educação talvez porque, sempre que tive que ler artigos da área das ciências educativas, dei por mim, primeiro a maldizer tais disciplinas e, numa fase posterior, a lamentar a inexistência ou a minha ignorância de um discurso igualmente inteligível nos livros e artigos de autores portugueses.
Dito isto, pergunto: não é verdade que foram os especialistas das ciências educativas em Portugal quem melhor "embrulhou" como Ciência uma espécie de programa ideológico, do qual o optimismo era quase um axioma?
Cara Margarida Conde
Em nome do "De Rerum Natura" e meu próprio agradeço a sua atenção.
Para a pergunta ou perguntas que me põe não tenho, na verdade, resposta. Não são, aliás, perguntas que não tenha já feito a mim própria e que não tenha já debatido com pessoas que partilham as mesmas inquietações.
Para alguém que trabalha na área da Pedagogia e que considera esta área de fundamental importância para se orientar o desenvolvimento intelectual das novas gerações, para se preservar e ampliar a herança da Humanidade e para, se conseguir um bem estar social, cultural tecnológico e económico é incompreensível que não exista uma preocupação mais alargada, por parte de quem se situa nessa área, de partilhar o conhecimento, de o ver discutido noutros círculos que não o das suas academias.
Começa, porém, a ser visível essa preocupação: conheço bons autores europeus e americanos, alguns traduzidos em Portugal. Também no nosso país têm saído livros de grande qualidade que são acessíveis ao grande público. De alguns deles, infelizmente não de todos, tenho dado aqui notícia.
Quanto à segunda parte da pergunta: sim, considero ser verdade que tanto em Portugal como noutros países, nem tudo o que se afirma como pedagógico o é, porque não deriva da lógica que entendo dever guiar esta área e que é a lógica científica caracterizada por um pensamento rigoroso e sempre apoiada na investigação empírica.
Fica a promessa de, em texto posterior, tratar de modo mais reflectido os desafios que, em boa hora, aqui deixou.
Cordialmente,
Helena Damião
Muito, muito interssante e necessário, como actual, este artigo.
Parabens.
Gostei muito do que li.
A.Küttner de Magalhães
Caro Fartinho da Silva
Tem razão no que espelha sobe a estatística. Por isso os estatísticos ponderam sempre que a estatística é certa em geral e errada em particular.
Na estatística das bebidas alcoólicas da cidade de Marselha, em determinado ano, foi considerado que cada habitante bebia por dia 20 litros de cerveja, o que era errado porque não foi possível fazer-se o apuramento do consumo por parte dos marinheiros que constantemente aportavam a Marselha.
Na estatística portuguesa sobre as construções, em 1940, o INE estava intrigado porque a produção de cimento tinha aumentado mas a construção imobiliária tinha descido. Averiguou-se que todo o cimento tinha sido canalizado para a construção das barragens.
Como piada, a este propósito, dizia-se que a profundidade média de determinado rio era de 50 cm. Quem quis tomar banho leu os 50 cm mas desprezou a média, e morreu afogado.
Agora, relativamente ao optimismo e ao pessimismo, eu costumo adoptar esta posição: ser optimista didáctico e pessimista pedagógico. Ao fim e ao cabo, o homem é sempre a medida de todas as coisas.
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