O que se passa na Nação? Falta de coragem aos políticos e aos empresários? Há inércia nos jovens? A culpa é dos professores desses jovens ou dos seus pais, que nunca souberam o que era poupar ou fazer sacrifícios.
Tenho colocado essa questão a mim próprio, pois sou professor há uma eternidade, desde 1965. Primeiro, verifico a evidência de um «facilitismo alastrante». Este termo, que inventei para lhe responder, nunca tinha dito isto na minha vida, sintetiza a sua questão. Considero este facilitismo absolutamente inaceitável, como pai, avô – bisavô não chegarei lá. Há, por outro lado, uma incapacidade ou uma vontade colectiva de não transmitir exigência, disciplina e rigor. Como se fosse algo errado, quando é a única coisa certa. Um sistema ou uma pessoa que, quando está a transmitir conhecimento e a educar, rejeita transmitir a exigência está a auto-negar-se. Nega-se a si próprio e perante os alunos. O aluno com o tempo, vai verificar que foi enganado e nunca perdoará aos seus professores. Eu não sei o que faria se me lembrasse de os meus professores me terem enganado.
Ensinar é saber dar aulas?
Ensinar é dar-se. É dar-se a si próprio, é algo irrepetível. Esta noção é inseparável do acto de ensinar e de aprender. Caso contrário, é mentira; os professores vão ficar com uma má consciência até morrerem e os alunos vão descobrir mais tarde que foram enganados e não vão perdoar… Por outro lado, os exemplos negativos abundam. Temos de valorizar os professores de qualidade e que vivem a vida nesse acto de transmitir e de se darem e, ainda, de perceber que é a actividade mais nobre do ser humano. Importa referir que há muita gente boa em Portugal, mas que não se vê…
Essas pessoas não se vêem por que razão?
Porque se vê, sobretudo, o facilitismo alastrante que é transmitido ao longo da carreira de comando. Este é um quadro que dura há décadas e cujo custo irá projectar-se para várias décadas.
NOTA: Uma outra entrevista interessantíssima dada Ernâni Lopes a um canal de televisão, no programa Plano Inclinado, pode ser vista aqui.
sábado, 7 de maio de 2011
Um facilitismo alastrante
Ernâni Lopes (ao lado, em fotografia de Rui Marto), economista, político, professor, considerado um homem duro mas de grande inteligência, que se definia como "um cidadão honesto que estuda e trabalha", deu, próximo da sua morte, várias entrevistas onde denotava grande lucidez em relação ao estado do nosso país, em geral, e da educação, em particular. Com atraso, pude ler hoje uma dessas entrevistas, conduzida por Maria João Alexandre, intitulada O guro da nação e publicada no n.º de Outubro-Dezembro de 2010 da CGD (páginas 55-59).
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9 comentários:
Os professores têm as costas largas - são culpados de todos os males, até do actual estado da Nação, hipótese que o entrevistador coloca e que o entrevistado não só não nega como parece corroborar. Talvez se possa acabar de vez com eles - os professores -, o que, na linha deste entrevista, melhoraria o estado da Nação por várias e diversificadas vias, a mais óbvia é a poupança que isso implicaria aos cofres do estado.
Facilitismo foi o grande erro em que se caiu, nivelando tudo por baixo. Com a imagem que daí resulta que ser exigente não interessa. Ao fim ao cabo somos todos iguais, todos metidos no mesmo caldeirão... Pode?
Partilhei este post.
O rigor, exigência e profissionalismo, devem andar de mãos dadas com os apoios que são dirigidos aos alunos que oferecem maior resistência à aprendizagem.
Há quantos anos, a grande maioria dos professores, tem chamado a atenção para este problema? E há quantos anos, o status quo manteve a cabeça na areia e acusando os professores de serem do tempo da outra senhora? E, quanto a mim, tudo vai ficar na mesma, porque há lobbies muito poderosos que sem o facilitismo e a indisciplina teriam que arranjar trabalho para comerem.
"Há, por outro lado, uma incapacidade ou uma vontade colectiva de não transmitir exigência, disciplina e rigor."
Mais um excelente diagnóstico (uma das nossas maiores virtudes... difícil é sempre passar à prática).Se no mundo dos adultos são escassos os exemplos de exigência, disciplina e rigor, como queremos incutir estes valores nas gerações mais novas.
Infelizmente, a nossa democracia ainda tem dificuldades em equilibrar a liberdade e a disciplina (BUUUU esse fantasma medonho!)
NF
"O aluno com o tempo, vai verificar que foi enganado e nunca perdoará aos seus professores."
Anos 90, há cerca de duas décadas, numa universidade privada. É hora de almoço de um dia de exame à noite. A sala está aberta, os alunos entram e marcam lugares com os livros.
Escrevem nas mesas, colam papéis debaixo do tampo, combinam estratégias com os colegas para copiarem durante o exame.
Foi uma cena que vi repetir-se vezes sem conta, sintoma de uma universidade indigna da designação, em que quase tudo estava mal. Tal como Ernâni Lopes bem identifica, tudo começava com o facilitismo consigo próprio, neste caso de quem geria a instituição.
A universidade trabalhava para e era reconhecida por ser exigente, porque tal é entendido como sinónimo de qualidade e naturalmente atrai mais alunos. Nada de errado não fosse a forma como se construía essa reputação de exigência. Era com puro facilistimo: orientando os professores por forma a não darem notas altas aos alunos.
Eu sei que é difícil de acreditar e que se podem questionar as motivações para dizer tal coisa. Tão difícil de acreditar que eu próprio demorei alguns anos a aceitar e comprovar que assim era.
Logo no primeiro ano, primeiro frequência. Chumbo no teste teórico de uma cadeira que achava facílima, em tive o melhor projecto nas aulas práticas, nas quais o próprio professor dessas aulas me punha a ajudar os outros alunos.
Após uma primeira conversa com o professor responsável pela nota, seguiram-se vários meses a questioná-lo todas as semanas ao final da aula pelo exame que tinha prometido trazer para me explicar a razão do chumbo. Não desisti apesar das desculpas e tentativas de desencorajamento por parte do professor. "Você preocupa-se muito com os seus colegas!", porque perguntava sempre se ele tinha trazido "os exames", porque não fui o único a questionar ter tido nota negativa.
Mas no dia da segunda frequência, vários meses mais tarde, terminada a frequência por volta da meia-noite, era o único que restava para finalmente ver o teste e saber porque tinha chumbado num exame tão fácil. "Mas está errado? Não mas podia estar um pouco melhor. Então mas o resultado final não está correcto? Está mas não era bem assim que se pretendia". Fiquei a saber que apesar de ter em todas as minhas respostas apresentado o resultado correcto para os problemas, não era suficiente para passar. Nunca faltei a uma aula daquela cadeira e apesar de a considerar fácil, estudei e esforcei-me para resolver os problemas tal como ensinado. Frustração, dúvidas e mais dúvidas sobre o que tinha acabado de acontecer.
Dias mais tarde soube que a minha nota fora alterada, tendo subido 1 valor mas mantendo-se negativa. Com o resultado da segunda frequência, a média foi à justa para passar na cadeira sem ter de ir a exame. Isto na minha cadeira favorita, a mais fácil por ter conhecimentos prévios, aquela em que depositava mais esperanças de ter um boa nota e ao mesmo tempo esperava desenvolver projectos interessantes. Tive uma nota miserável, os professores eram medíocres, faltavam frequentemente às aulas, não propuseram nenhum projecto interessante e não incentivavam os alunos.
Talvez tivesse sido um caso isolado, um ou outro professor menos bom que cometeu um erro a corrigir um exame e não o quis admitir. Era só o primeiro ano do curso. Mas não.
(continua)
Segundo ano. Quatro valores numa primeira frequência. Pedi novamente para ver o teste. Um grande "X" e um zero sobre uma pergunta de 5 valores (notas de 0 a 20) que tinha todos os cálculos e o resultado final correcto. O crime? Um comentário, que nem precisava sequer ter colocado, a explicar que em determinado cálculo estava a converter do código X para o Y mas em que me enganei no nome do Y. Enfim... O professor ainda me tentou disuadir argumentando que não queria desautorizar o professor das aulas prática que tinha corrigido o teste. Dias mais tarde subiu-me a nota de 4 para 6 valores. Apercebo-me agora que devia ser apenas uma maneira de fecharem o assunto. Toca de pagar mais um exame em Setembro.
Entretando as aulas de matemática de duas horas raramente ultrapassavam uma hora e um quarto. "Então rapazes, como vai isso? Estão cansados não é? Hoje saímos mais cedo.". Era de longe o professor mais simpático. Deixava-nos sair sempre pelo menos meia-hora mais cedo, encurtava capítulos da matéria prevista ser dada nas aulas, e dizía-nos quais os capítulos que não saíam no exame. Ainda assim, e apesar da ajuda das cábulas sempre presentes e o acesso a respostas a perguntas que se repetiam de ano para ano nos exames, a cadeira fazia vítimas numerosas e era a principal responsável pelos abandonos de curso. Particularmente entre aqueles que nunca niguém teve coragem de ajudar chumbando-os mais cedo na vida.
Terceiro ano. Teste com consulta. Respostas copiadas dos apontamentos das aulas, conforme as regras do jogo. 11 valores. Nem para copiar sirvo.
Quarto ano. Um professor desabafa durante uma aula que tinha sido chamado pelo director do curso para explicar porque tantos alunos da cadeira dele tinham tido quinzes e dezasseis. "Porque mereceram". Ao fim de quatro anos, finalmente uma luz. Porque sempre que falava destas coisas com colegas, ninguém se mostrava interessado, desiludido ou chocado. Já chegavam sem ambição ou expectativas, cumpriam calendário, como podiam estar desiludidos? Era uma luz muito pequena.
Quem era o director do curso? O professor que me chumbou no primeiro ano e que "persegui" durante 4 meses para me mostrar como se pode ter uma negativa acertando em todas as respostas. O mesmo que a certa altura faltava semana sim, semana não, porque dava aulas em duas universidades privadas à mesma hora. Acho que nem é preciso dizer que os alunos nunca foram compensados de qualquer forma por essas aulas perdidas e pagaram as mensalidades desse período na totalidade.
Quinto e último ano do curso. O projecto de fim de curso, um trabalho em grupo. As aulas práticas à noite em que o professor discursava sobre a sua frustração por a mulher-a-dias calçar os seus chinelos de quarto e nos contava sobre as suas últimas férias no estrangeiro. Grande parte do trabalho deitado fora porque não faziamos a mínima ideia do que andavamos ali a fazer e, apesar de alguns pedidos, a atitude do professor era de que nos tinhamos de nos desenrascar sozinhos. Nem um livro nos indicou. Aliás, ao longo de todo o curso era comum em muitas outras cadeiras não haver sequer um livro para seguirmos e estudarmos.
(continua)
Não me lembro da altura exacta do curso em que passei também ao modo de "cumprir calendário" e deixar de questionar as coisas. Talvez por volta do terceiro ano, após uma visita a um departamento da universidade que em teoria se preocupava com a qualidade do ensino, para me queixar das notas.
Não deu em nada, claro. Mas lembro-me bem que bastante tempo antes de terminar o curso já tinha decidido que havia de fazer um mestrado e numa universidade digna desse nome.
Curso que obviamente terminei com uma média miserável, como nunca tinha tido mas que aparentemente era uma conquista porque a universidade era muito exigente. Os génios alcançavam o 14, às vezes 15.
Após três anos de vida profissional, fui fazer um mestrado fora de Portugal, nos EUA. Média final de 19 valores.
Nunca vi um aluno copiar num exame. Havia um código de conduta que previa consequências. Só me lembro de um professor faltar uma vez e avisou previamente. Nunca questionei a justiça das notas, mesmo as mais baixas. Todas as cadeiras tinham livros, às vezes mais do que um. Participei num projecto extra-curricular, incentivado por um professor. Os alunos avaliavam os professores no final de cada cadeira. Um ano e meio produziram memórias de vários bons professores, aulas que não damos pelo tempo passar, e a sensaçao de dever cumprido. Cinco anos de licenciatura deixaram boas memórias apenas de um único professor: um ex-militar que ensinava uma cadeira de investigação operacional. Um "alien" no meio do universo do facilitismo.
Quando voltei a Portugal, ouvi de um amigo como tinha sido o mestrado dele numa universidade pública portuguesa. O mesmo filme das aulas à noite de duração sempre encurtada (quando as havia), com projectos medíocres e baixa exigência de parte a parte do princípio ao fim. Uma universidade pública com boa reputação.
Apesar de tudo e de todos, de ter chegado a questionar a minha própria sanidade mental, descobri que fui enganado enquanto aluno. E que tinha razão quanto ao facilistimo e mediocridade reinantes na universidade onde me licenciei, e que existem universidades onde vale a pena estudar. No meu caso, isso implicou sair do nosso país para a encontrar.
Isto tudo foi há vinte anos. Não posso dizer que tenha perdoado os professores, apesar de manter a dúvida sobre se seriam eles próprios já vítimas do facilitismo. Mas eu também
fui e sobrevivi. E acho que dei a minha resposta à interrogação "Eu não sei o que faria se me lembrasse de os meus professores me terem enganado.". Extendo a definição de
"professor" a todos os que directamente ou indirectamente nos orientam na vida e contribuem para a nossa formação, particularmente na fase da vida de estudante.
Peço desculpa pelo longo post mas não quis facilitar. Por incrível que pareça, na verdade havia muito mais para contar. Da colega que entrou com cunha, à que tinha notas altissimas numa cadeira da qual não percebia nada da matéria mas tinha sido vista a sair à noite com o professor...
Engº Anado
Há muito tempo que não lia um comentário como o do Engº Anado. É que o Sócrates fez precisamente a mesma coisa!!!
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