segunda-feira, 18 de maio de 2009

O PRIMEIRO SALTO DE PÁRA-QUEDAS EM PORTUGAL


Agradecendo de novo a João Boaventura publico o relato feito na "Gazeta de Lisboa" do primeiro salto de pára-quedas (na altura chamado "guarda-quedas") realizado em Portugal. Foi protagonizado na cidade de Lisboa, a 12 de Dezembro de 1819, por Eugène Roberson, o Robertson filho (actualizei a grafia). Na foto de cima, para contraste, imagem de um moderno páraquedista.

"Lisboa, 15.12.1819 - As diversas notícias de viagens aerostáticas feitas em vários países da Europa com a bela invenção do Guarda-queda, inventado por André Jacques Garnerin, e pela primeira vez experimentado em Paris, em Junho de 1799, experiência que o mesmo inventor repetiu em São Petersburgo em 1800 na presença do Imperador Alexandre, davam incentivos aos Portugueses que prezam os progressos das Ciências e das Artes, de desejarem se oferecesse algum dia ocasião de presenciarem esta experiência, toda filha das mais acertadas combinações. Não se podia certamente apresentar entre nós um homem mais capaz de desempenhar este objecto que o exímio físico Mr. Robertson, que em quase todas as Cortes da Europa havia patenteado a sua dexteridade neste e nos outros ramos da Física experimental, nos quais o segue com desvelo e grande aptidão seu filho Eugénio Robertson; o qual, tendo na sua primeira viagem aerostática, feita a 14 de Março deste ano nesta cidade, dando provas do quanto havia aproveitado as lições paternas, quis aqui mesmo fazer a sua primeira experiência de descer em Guarda-queda, visto proporcionar-se-lhe esta ocasião de o fazer com tanto maior gosto por ser um país, se ele a fazia pela primeira vez, também era a primeira vez que se expunha o brilhante espectáculo da descida em Guarda-queda.

Estando pois o tempo seco, no destinado dia 12 do corrente se dirigiu a inumerável multidão de pessoas, que desejavam ver esta experiência, ao sítio para ela escolhido na Quinta do Excelentíssimo Visconde da Baía, do lado do Sul da estrada d’Entre-Muros. Pouco depois do meio dia começou a principal operação de se extrair o gás hidrogénio e encher o Balão, indo-se depois expedindo vazios aeróstatos de espaço a espaço, que iam mostrando a direcção que pouco mais ou menos seguiria o Aeronauta. No intervalo da operação, e ao som da música militar, que de vez em quando alegrava os ouvidos com harmoniosas peças de música, executou o destríssimo equilibrista Mr. Luiz (o célebre Indiano que o público admirou por muitas noites no Teatro da rua dos Condes), as suas mais difíceis destrezas e equilíbrios, bem como também a introdução das duas espadas de 25 polegadas pela boca abaixo, andando com elas introduzidas pelo esófago uma boa terça parte do circuito interior da praça, tirando-as ainda quentes, e mostrando-as, como antes da introdução, a quem as quis ter na mão, ou ver de mais perto a sua realidade, e carência da mínima mola que pudesse servir de diminuir o seu comprimento.

Seriam pois três horas e meia quando, preso ao Balão o Guarda-queda, entrou no cesto de verga forrado de seda o jovem aeronauta Eugénio Robertson, com a bandeira portuguesa na mão, e despedindo-se dos circunstantes, largado o Balão à sua força ascensional, se elevou rápida e magestosamente, deitando logo abaixo a bandeira, e em breves minutos estava elevado a uma altura tal que apenas parecia o Balão um disco de três ou quatro palmos de diâmetro olhado pela simples vista; e posto que ao princípio seguiu a direcção obliqua um pouco ao Nornordeste, achando diversa corrente de ar tomou outra vez uma direcção muito mais iminente ao sítio da partida. Estavam fitos os olhos dos espectadores, entre susto e gosto, para verem o momento em que o intrépido aeronauta se separava do Balão; eis que em altura calculada em 1200 braças (muito mais do que subira em Março) se viu subitamente separar-se o Balão, e descer precipitado por um momento o Guarda-queda, e dentro de poucos segundos se divisou plenamente aberto, descendo com muita serenidade, bem como debaixo de hum vasto pavilhão, o denodado Aeronauta, o qual, depois de mais de 20 minutos do momento da subida, tendo-se demorado mais de metade deste tempo na descida, veio sem o menor desastre pousar da parte de dentro do valado de uma terra na estrada das Laranjeiras para a Luz, de onde voltou seguido de muito povo ao lugar da partida, a abraçar seu pai, e colher os parabéns do feliz desempenho desta bela, mas árdua experiência.

Não podia ser mais magnifico o concurso das distintas pessoas que honraram este brilhante espectáculo com a sua presença no recinto dos camarotes e anfiteatro, nem foi sem dúvida mais brilhante e numeroso o concurso que houve na experiência de 14 de Março; pois se aquela não era nova para todos, esta só podia deixar de o ser para aquelas mui poucas pessoas existentes neste país que em outros a presenciassem; e dificultosamente se poderá ter feito em parte alguma o espectáculo da descida de Balão em Guarda-queda com maior perfeição e asseio da parte do artista, e com mais esplêndido circulo de espectadores. Se juntarmos a isto a exacta ordem que se observou, conforme as acertadas disposições da Policia, já na direcção das carruagens, já na tranquila retirada de tão grande multidão de povo, completaremos a sucinta ideia de um espectáculo, que, se na sua mesma raridade tem grande mérito para o vulgo, muito maior o tem para o homem pensador e instruído, que nele vê uma demonstração do adiantamento que nos últimos tempos tem sido as ciências físicas pelos esforços dos sábios da Europa; adiantamento que, apesar do pouco ou nenhum fruto de alguns inventos, tem pela suma utilidade de outros, elevado a alto ponto de perfeição as Artes, e constituído a glória e a riqueza das Nações mais cultas.

A satisfação do público pelo feliz êxito desta experiência de novo se patenteou no Teatro Nacional da Rua dos Condes, quando à noite se apresentou na plateia o jovem aeronauta, levantando-se os espectadores para o aplaudirem com tal entusiasmo, que ele mesmo confessa ficara ternamente commovido, e eternamente obrigado a tão obsequiosa aprovação, tanto mais digna de apreço por ser de um povo ilustrado e circunspecto qual o desta grande Capital. E certamente podemos dizer que assaz provas tem aqui dado Mr. Robertson da alta opinião que goza na Europa, pois todas as suas experiências feitas nesta cidade têm tido o melhor êxito, e tem sido dignamente apreciadas por todos os inteligentes. O Balão foi cair, segundo nos consta, em S. Lourenço de Rana a 5 léguas de Lisboa, e uma adiante de Bucelas."

(in Gazeta de Lisboa n.º 297, 16.12.1819).

ERRATUM: Lisboa, 17.12.1819 – Na Gazeta de Quinta feira 16 do corrente, da segunda para a terceira linha do artigo Lisboa , onde se diz “invenção do Guarda-queda, inventado por A. J. Garnerin,” deve ler-se: “invenção do Guarda-queda, inventado por A. J. Garnein o seu uso na descida dos Balões, e pela primeira vez experimentado, etc.”

1 comentário:

Tóchã disse...

nao acompanho assiduamente este blog, apesar de apreciar muito a sua leitura e longe de mim querer intervenir nalinha editorial. Para permitam-me dizer que estas historias de baloes voadores e paraquedistas começa a encher um bocadinho.

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