Post de Rui Baptista sobre o candente problema das equivalências universitárias causado pelo Acordo de Bolonha:
“Há lágrimas espremidas pelas mãos da prepotência e a lei acobarda-se de levar aos olhos dos fracos o lenço que vela os olhos da Justiça” (Camilo Castelo Branco).
No seguimento do “Acordo de Bolonha”, as entidades oficiais portuguesas, ao contrário dos países anglo-saxónicos que atribuíram aos três primeiros anos de estudos superiores o grau académico de bachelor (em tradução para português, bacharel) resolveram “alcunhá-lo” de licenciado contra a opinião de sectores importantes da vida cultural nacional. E isto é tanto mais insólito por o grau de bacharel ter longa tradição em terra lusitana (Eça de Queirós era bacharel em Direito), tendo sido recuperado décadas atrás, ainda que em existência efémera de crisálida, em algumas faculdades para os três anos iniciais de estudos.
Com a intenção, reconhecida por Adriano Moreira, de “estar nas decisões para não vir a ser apenas objecto delas”, levou a efeito o Conselho Nacional das Profissões Liberais, nos dias 12 e 13 de Novembro de 2004, em Coimbra, um seminário intitulado Reflexos da Declaração de Bolonha. Neste evento, a que assisti como convidado, todos os presentes, em parte representados por docentes universitários de todo o país, manifestaram-se contra a atribuição do grau de licenciado para o ciclo inicial de estudos superiores defendendo o de bacharel. A este clima, não deve ter sido estranho ter pairado no espírito dos presentes uma licenciatura, como disse, também, Adriano Moreira, “com o prestígio da Universidade que lhe deu a primeira credencial de título académico nobilitante”.
No ano seguinte, em crítica ao poderes públicos por não terem tido em conta este importante seminário, escrevi em artigo de opinião: “Começo a convencer-me que em Portugal, à sombra de princípios tidos como democráticos, há um prazer sádico dos seus governantes em auscultar os parceiros sociais, mesmo que possuidores de um estatuto de ‘interesse público’, para decidir precisamente o contrário” (Público, 13/06/2005).
Em disparates sucessivos, numa altura em que era pedido pelas instâncias europeias “a adopção de um sistema de graus comparável e legível”, viria a ser adoptado, em território nacional, a terminologia de licenciado colocando, com isso, em dificuldade qualquer indivíduo que pretenda estabelecer a comparação e legibilidade entre este nosso grau e o grau de bacharel extra-fronteiras. Deste statu quo dei conta, quando escrevi:
“Assim ,julgo – e penitencio-me se estiver errado! - que se desatendeu a uma possível solução a dar aos actuais mestrados outorgados pela universidade, após estudos complementares com a duração de dois anos e apresentação de uma tese. É compreensível o prejuízo que daqui poderá advir passando a haver mestrados com igual ou menor duração das actuais licenciaturas universitárias (Diário de Coimbra, 14/12/2004).
E porque, como escreveu George Canning, “para cada problema há uma solução que é fácil, clara e…errada”, não poucas vezes, o desejo de querer ser diferente ou original tem o seu quê de caricato!
Corre actualmente na Net a recolha de assinaturas para uma petição a apresentar na Assembleia da República para que aos mestrados universitários antes de Bolonha - quatro ou cinco anos de licenciatura e mais dois anos de estudo com apresentação de tese - seja dada equivalência aos actuais mestrados, em verdadeiro escândalo alguns deles obtidos no ensino politécnico em quatro anos apenas!...
Trata-se de uma atitude em que aparece a pedir quem se encontra, como escreveu Jorge de Sena, “privado em extremo de justiça justa”. Assim, a petição deveria incidir, no mínimo, sobre a equivalência das antigas licenciaturas universitárias aos actuais mestrados e a atribuição de uma espécie de pós-graduação aos antigos mestrados universitários que os superiorizasse relativamente aos mestrados actuais. Se outros motivos de qualidade e exigência curricular não houvesse, uma simples conta de somar justificaria uma petição destas e a sua mais que justa aprovação na Assembleia da República. Mas menos do que isto deixará um travo amargo na boca por transportar para os dias de hoje o desalento de Manuel Laranjeira : “Num povo onde essa minoria intelectual, que constitui o capital de orgulho de cada nação se vê condenada a cruzar os braços com inércia desdenhosa, ou a deixá-los cair desoladamente sob pena de ser esterilmente derrotada” (in Jornal “O Norte”, 1908).
Mas a proposta desta praxis (ou seja, aquilo que os filósofos gregos tinham como “a acção comum tendo em vista os melhores objectivos para a cidade” ) devia ser assumida pelo próprio ministro Mariano Gago para libertar o Portugal democrático da má sina em procastinar um problema nacional que deveria já ter merecido uma solução justa, rápida e eficaz por parte dos homens com assento na Assembleia da República com o voto do povo. A dignidade dos antigos diplomas da universidade portuguesa assim o deve exigir como um princípio ético e um direito inalienáveis!
Rui Baptista
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14 comentários:
Não há dúvida que todo o processo de Bolonha tem sido uma palhaçada total.
Sei que um caso isolado não deve servir como comparação mas fiz o meu mestrado no final do ano passado de acordo com os moldes antigos e ainda ninguém me soube respodender qual a minha vantagem em relação aos novos mestrados, apesar de ter trabalhado muito mais que os novos colegas e ter pago mais 500 euros de propinas. Do mesmo modo, e na minha área, existem colegas de uma universidade que com a licenciatura antiga foi-lhes atribuido o grau de mestre só pagando mais uma ano de propinas e noutra, colegas com o mesmo curso, foi-lhes exigido mais 2 cadeiras e uma nova tese.
Mas isto tem alguma lógica? É justo?
"chichi":Obrigado pelo seu comentário. Pergunta e bem, como que num grito d'alma: "Mas isto tem alguma lógica?" Quanto a mim, tem...tem a chamada "lógica da batata"!...
Por isso mesmo é que eu entendo que os principais interessados neste "statu quo" não devem "deixar cair desoladamente os braços sob pena de serem esterilmente derrotados".
Nada fazer é deixar que as injustiças cometidas pelo chamado Processo de Bolonha se perdurem para "bergonha"(como pronunciam os combativos e laboriosos nortenhos da Cidade Invicta) de todos os que apostaram numa formação académica séria enquanto outros se divertiam com verdadeiras piruetas na compra de diplomas ou em obtê-los sem qualquer esforço. Palhaços já nós temos. Urge evitarque eles continuem com a tenda montada.
Talvez a escolha do termo bacharel tivesse sido o mais adequado, mas no fundo tratamos aqui de nomenclatura académica. Estou prestes a acabar uma licenciatura à bolonhesa e longe de mim pensar, e apesar de ter titulo semelhante, que o meu grau de estudos é equivale a outros que frequentaram licenciaturas pré-bolonha de 5 anos - pelo menos àqueles que os fizeram com tanta ou mais dedicação que eu. O mesmo posso dizer para os restantes graus académicos criados. O sistema universitário sofreu alterações impostas pela tentativa de harmonizar o ensino europeu, e neste contexto é difícil que não surjam confusões deste tipo. Em bolonha temos 3 ciclos: 1º ciclo de 3 anos, 2º ciclo de 2 anos, e 3º ciclo de 3/4 anos. Parece-me razoável que ao último se chame doutoramento. Pode não corresponder ao antigo doutoramento, mas ainda assim é correspondente a um tempo de estudo superior ao antigo mestrado. A partir daqui ficam 3 alternativas:1) Aquela que foi adoptada, 1º ciclo- licenciatura, 2º ciclo- mestrado, suprimindo o bacharelato; 2) 1º- bacharelato, 2º-licenciatura; 3) 1º- bacharelato, 2º mestrado. Destas, a 2) parece ser a que menos choque causaria, por manter a equivalência dos graus na transição - em que o antigo mestrado não teria uma equivalência directa. O último, por outro lado, punha-nos em maior harmonia anglo-saxónica, por adoptar os termos equivalentes do sistema britânico - bachelor e master. Qualquer uma destas opções seria melhor à 1), a que foi adoptada, mas como já referi, acho que é acima de tudo uma questão de nomenclatura. Mais do que andar a lutar sobre quem é e não é licenciado de título, é necessário que seja explicito em que condições cada um foi licenciado.. ou mestrado. Um sistema de créditos pode ser mais eficiente do que nomenclatura quando é necessário comparar habilitações. Além disso, o diploma passou a incluir em complemento uma descrição da estrutura curricular do curso. Acho que esta questão é insignificante quando comparada com outras com que a reforma de bolonha nos brindou.
Luis
Caro chichi, a vantagem no seu mestrado é o que aprendeu! Deixe o título em casa.
Cara guna
Deixar o título em casa é o que eu sempre faço.
Infelizmente estamos em Portugal onde os títulos são mais importantes do que os conhecimentos.
A vós, que sois pessoas mais informadas que eu, pergunto:
Nos outros países é assim?
«Nos outros países é assim?»
Sim, ou pior ainda.
A questão que aqui se coloca não é somente "uma questão de nomenclatura".
Quer se goste quer não, os títulos são algo necessário. É preciso dar um nome às coisas, definir o papel de algo ou de alguém. Há "mãe", "pai", "tia", "licenciado", "mestre", etc... Se não existirem títulos académicos, como diferenciar alguém que tem o 12º ano ou alguém que tem um doutoramento?
O problema é que em Portugal os títulos ganham dimensões ridículas. Infelizmente são reflexo da nossa sociedade. Por exemplo, para quê a escolaridade obrigatória até ao 12º ano? Nem todas as pessoas têm que ter 9 ou 12 anos de escola, muito menos serem licenciadas. Por este andar, qualquer dia o ensino superior vai ser obrigatório! E um problema geral do ensino obrigatório (e de algum não obrigatório também, mas em menor escala) é a falta de exigência e de qualidade. Se agora nada se aprende até ao 9º ano, em breve nada se aprenderá até ao 12º. Se, com o tratado de bolonha, a maior parte das pessoas vão fazer um mestrado, a qualidade da licenciatura vai-se rapidamente detiorar, de modo a permitir que todas as pessoas a consigam fazer. Por este andar, muito em breve um doutoramento vai "valer" tanto quando uma licenciatura pré-Bolonha. O que não só é injusto para quem fez os seus estudos no pré-Bolonha mas é também degradante para a sociedade.
Começo por agradecer os comentários feitos ao meu post que inegavelmente o enriqueceram obrigando-me a tentar clarificar melhor a minha posição sobre um assunto que ainda fará correr muita tinta.
Por a ter como vinda ao caso, evoco a opinião de Raymond Polin: “Reivindicar direitos sem proclamar obrigações é querer o impossível, é jogar às utopias ou às catástrofes” (“O Homem e o Estado”, Europa América, 1976, p.144).
Ora, em Portugal as utopias referentes a graus académicos tornaram-se em verdadeiras catástrofes ”exigindo ao povo metamorfoses de hábito e gostos que a tradição lhe inveterou secularmente”, como escreveu Fialho de Almeida.
Recuemos uma décadas atrás. Quando foi criado o ensino superior politécnico, destinava-se ele, apenas, a ministrar cursos com a duração de dois anos. Pouco tempo, depois passaram esses cursos, com a duração de 3 anos, a outorgar o grau de bacharel a que, passado pouco tempo, foi acrescentado mais um ano para o alcance da almejada licenciatura. Ou seja, o ministério da tutela do ensino superior andou a reboque das pretensões dos respectivos alunos com a complacência da própria universidade, possivelmente, para não ser acusada de elitismo, como se, na verdade, querer ser e manter-se como o escol do mundo académico se tratasse de um crime.
Isso mesmo o escreveu lapidarmente Maria Filomena Mónica, através desta análise: “Pela sua natureza, a universidade é uma instituição que deve ser frequentada pela aristocracia intelectual que tem como vocação a universalidade e que deve adoptar como critério a exigência. Devido à irresponsabilidade dos governos ou ao populismo dos parlamentares e â cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável” (Público, 08/12/2003).
Referia-se este libelo acusatório, segundo deduzo, â universidade pública. Entretanto, foram criadas universidades privadas de duvidosa credibilidade (como se veio a verificar mais tarde) unicamente para darem graus académicos ou títulos profissionais a várias e altas personalidades da vida portuguesas .
Nestes últimos anos, com o Processo de Bolonha, apesar de se ter estado numa situação soberana para se fazerem acertos no que respeita a graus académicos, somaram-se a erros passados novos erros: alcandorou-se à “categoria” de licenciatura o bacharelato (adoptado nos países anglo-saxónicos e com tradição portuguesa), rebaixando-se o antigo mestrado (com a duração 6,7 anos e apresentação de tese) para o nível do actual mestrado (de 4 anos sem tese).
No meu entendimento, para além dos doutoramentos, dever-se-iam adoptar (mais vale tarde do que nunca) os seguintes graus académicos : bacharel (“bachelor”) e mestre (“master”). É inevitável a pergunta: e as antigas licenciaturas? Transcrevo o que a este respeito escrevi no “Diário de Coimbra”, em 18 de Dezembro de 2004): “Assim com ‘as árvores morrem de pé’, o grau de licenciado deve ser extinto com a dignidade que lhe foi cometida por instituições universitárias de indiscutível mérito não podendo, de forma alguma, ser desvalorizado, ou sequer beliscado, relativamente aos mestrados vindouros”.
Ora para minorar esta desvalorização do antigo grau de licenciado com uma sobrevivência quase vegetativa, há, como último recurso, adoptar critério semelhantes para os anos anteriores e posteriores à Era de Cristo:a.C. e d.C. Ou seja licenciaturaa a.B. (antes de Bolonha) e d.B. (depois de Bolonha). Quantos ao mestrados antigos seriam denominados mestrados com pós-graduação e os actuais mestrados “tout court”.
Na última linha do último §, substituir "actuais mestrados "tout court" por " actuais mestrados, mestrados "tout court.
Petição assinada!
Prezada Helena: Registei, com agrado, a sua assinatura na petigão em causa.
Seria de lamentar que a apatia dos respectivos interessados viesse a ocorrer em massa. Já é mais que tempo de deixar de chorar sobre o leite derramado sobre as verdadeiras injustiças (ou mesmo crimes)que sem têm cometido sobre os graus académicos obtidos em noites insones de estudo, substituídas por cursecos obtidos em novas e velhos oportunismos!
Petigão, não. Petição, sim!
Como o ensino secundário está cada vez melhor e os actuais alunos sabem cada vez mais, acho pertinente diminuir o tempo de estudo num nível superior. Afinal, é esse o fruto do trabalho dos importantes teóricos da educação.
No meu tempo, aprendia a ler, a fazer contas e história de portugal (letra minúscula propositada devido ao meu respeito por este país) na escola primária; agora até vão à "net" sem saberem ler.
Pois bem, Bolonha é Bolonha. Nem Bologna, menos ainda Bolonã.
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