Não foi inocente a escolha desta imagem para ilustrar o “post” de Carlos Fiolhais sobre o próximo centenário da experiência aerostática de Bartolomeu de Gusmão: proveniente de um manuscrito setecentista da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, julgo que este desenho é a representação mais antiga e, porventura, mais fidedigna da famosa “Passarola”, ou seja, o projecto de uma “machina voadora” em tamanho real.
As gravuras que se tornaram mais conhecidas são muito fantasiosas (quiçá posteriores) e o desenho conservado na Biblioteca Vaticana, publicado em 1917
A publicação desta imagem na Internet foi uma estratégia nossa para problematizar a representação daquele objecto, o nosso contributo para chamar a atenção para uma experiência científica portuguesa extraordinária e ainda mal conhecida. Lançá-la na rede, e dizendo que pode ser usada livremente, foi a forma que a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra encontrou para garantir que ela não será esquecida. Publicada já três vezes em papel, pelo menos, parece indesmentível que esta imagem ainda era praticamente desconhecida até ser divulgada aqui no “blog”. Com efeito, só após essa publicação é que começa agora a ser usada e solicitada: para uma revista científica brasileira, para um museu da aviação, para a exposição que se prepara no Ministério da Cultura português, etc.
Penso que as bibliotecas hoje podem e devem ser mais activas na promoção dos seus “tesouros”, já não se podem limitar a catalogar muito bem os seus fundos e a esperar que alguém os venha encontrar.
O desenho encontrava-se solto (nunca terá sido colado) na folha 247v. do Ms. 342 junto de uma cópia manuscrita do texto do “Manifesto sumario para os que ignorão poderse navegar pello elemento do Ar” (cerca de 1709) e terá desaparecido algures entre 1935 e 1945, já não se encontrando descrito no Catálogo de Manuscritos, publicado nesta data.
A atestar que, um dia, existiu de facto estão as suas várias reproduções, publicadas desde 1868. A primeira vez em:
SIMÕES, Augusto Filipe - A invenção dos aeróstatos reinvindicada... Évora: Typographia da Folha do Sul, 1868. P. 76-77.
Depois, numa pequena vinheta de:
FARIA, Visconde - Reproduction fac-similé d'un dessin à la plume de sa description et de la pétition adressée au Jean V. (de Portugal) en langue latine et en écriture contemporaine (1709) retrouvés récemment dans les archives du Vatican... - [S.l. : s.n.], 1917 (Lausanne : Impr. Réunies S. A.. - 17 p. : il. ; 29 cm. Disponível na Internet aqui.
E, mais tarde, reproduzida na capa de uma obra editada pela Biblioteca Geral:
DESCRIÇÃO burlesca dum imaginário aeróstato e outras sátiras ao Pe Bartolomeu Lourenço de Gusmão. Coimbra : Coimbra Editora, 1935.
Esperamos que a lista seja rapidamente acrescentada de novas publicações. A sua reprodução é livre de direitos, e o desejo da Biblioteca Geral é o de que seja reproduzida muitas vezes, até para contrariar a visão esterotipada que se tem ainda do invento do Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão.
A. E. Maia do Amaral
3 comentários:
Aproveito a oportunidade para transcrever um soneto jocoso de Tomás Pinto Brandão ínsito, a pp 17, do título “Ricardo Jorge contra Bartolomeu de Gusmão. Subsídios para a história”, de Mário Portocarrero Casimiro (Editorial Minerva, Lisboa, 1945).
Aí se explicita:
“(… ) Hoje podemos afirmar que o vocábulo passarola saiu da imaginação fantasiosa do povo com o espírito de precisão e de justeza que a massa sempre põe nas suas afirmações, digam o que em contrário disserem. Passarola, porquê ? Tinha, em verdade, o aspecto de um pássaro disforme, abrupto e monstruoso, a suposta máquina voadora do jesuíta audaz que nobilitou Portugal com a sua descoberta? A manhã de 8 de Agosto de 1709 apresentara-se de um azul radioso, velário magnífico sobre a capital. Um pouco antes do meio dia a surpresa lisbonense veria elevar-se do torreão da Casa da Índia, pouco mais ou menos onde está hoje a Praça do Comércio, um monstro aéreo que ficou conhecido pela passarola e que foi cair – hoje servia… aterrissar, para todos os efeitos – na Praça de Armas do Castelo de S. Jorge. Avaliemos séculos decorridos qual seria o boquiabrir maravilhado, espantado, de milhares e milhares de pessoas que com os olhos seguissem entusiasmadas o adejo formidável deste invento que vincula o padre Bartolomeu de Gusmão. (…)
Ainda segundo o autor, o soneto está num trabalho de Augusto Filipe Simões (“A invenção dos aeróstatos reivindicada”, pág. 32), editado em Évora, em 1868 (Códice n.º 389- Fol. 127). É curioso porque, compulsando os vários artigos publicados pelo mesmo autor na revista Instituto, com o título “Descobrimentos Scientificos Nacionaes Aerostação”, na secção “Sciencias Physico-Mathematicas” (são 7 artigos, com início no vol. 9, Junho, 1860, pp. 70), o soneto não é referido, mas, no VI artigo transcreve 4 estrofes com o título “Décimas” (por ter dez versos cada estrofe), também jocosas, mas sem indicação de autor.
SONETO
Que invento quês fazer baixo idiota !
Em q engenho te atreves brasileiro ?
quês voar, ou asnear sem pateiro,
desejando Águia ser sem ser Gaivota ?
Melhor te fora na regiaõ remota
onde nasceste estar com sizo inteiro,
sem pertenderes ser tu o primeiro
q fazes est celebre derrota.
Mas bem obras q te achas em hua terra
aonde Ver subir á mor altura
Sugeitos muy pezados pr muy brutos.
Já naó me admiras naó, pois ninguem erra
q.do subido estás, logo procura
voar, se tantos voaó por astutos
(Tomás Pinto Brandão)
outro Padre que urge reabilitar:
Padre Himalaia
Quando se vive a euforia da fé salvífica nas Energias Renováveis, bem merecia mais atenção este espírito desassossegado de inventor
Bem verdade!!!
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