sexta-feira, 8 de maio de 2009

A MATANÇA DOS PORCOS


Minha crónica no "Público" de hoje:

A matança do porco é, em muitas aldeias portuguesas, uma festa popular. Realiza-se tradicionalmente nos meses mais frios do ano (“No dia de Santo André, pega o porco pelo pé”) uma vez que nessa época a conservação das vitualhas é mais fácil. E quase tudo se aproveita, seja para a salgadeira seja para o fumeiro. Pode o porco estar associado ao sujo (entre nós ainda há quem diga “com licença” quando profere a palavra “porco”), que ele não deixa, seja em costeleta ou em farinheira, de ser uma iguaria bastante apreciada.

No entanto, essa festa de tão grande tradição em terras cristãs é simplesmente inimaginável em Israel e nos países árabes, que nisso não se distinguem. A origem da interdição da carne suína parece residir no terceiro livro da Bíblia, o Levítico, supostamente escrito por Mosés: “Também o porco, porque tem unhas fendidas, e a fenda das unhas se divide em duas, mas não remói, vos será imundo.” Passagens semelhantes encontram-se no Alcorão, sendo obedecidas de modo tão estrito que, em países islâmicos, como o Irão ou o Qatar, o comércio de carne de porco é severamente restringido.

Com a recente erupção da gripe A H1N1, que começou impropriamente por ser designada por gripe suína, o consumo da carne de porco tem diminuído consideravelmente nos países onde era comum. Trata-se de um comportamento irracional pois, tal como a Organização Mundial de Saúde e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação têm esclarecido, a ingestão de carne de porco devidamente cozinhada não acarreta quaisquer perigos para a saúde humana (os eventuais vírus são destruídos a temperaturas superiores a 70 graus Celsius). As mesmas organizações internacionais não se esquecem de acrescentar que comer carne de animais doentes ou de animais encontrados mortos é um risco para a saúde. Mas esta medida de elementar precaução é válida obviamente para qualquer tipo de carne e não apenas para o porco e para todas as ocasiões e não apenas a de uma epidemia de gripe.

No Egipto, porém, o consumo de carne de porco corre o risco de diminuir para zero, não por escolha das populações, que são maioritariamente árabes, mas por determinação do governo. Este mandou há dias exterminar a totalidade dos porcos do país, em número estimado de cerca de 350 000. Que haja comportamentos irracionais dos indivíduos é um facto conhecido e ao qual já nos habituámos, mas que a irracionalidade ganhe foros de decisão governamental e cause prejuízos graves é algo a que não nos podemos habituar. No Egipto não há até agora um único caso de infecção pela nova gripe e a decretada matança dos porcos parece ser mais um acto de discriminação sócio-religiosa contra a minoria dos cristãos coptas, os descendentes dos egípcios do tempo dos faraós, que perfazem mais de dez por cento da população. Como os coptas, além de comerem com frequência carne de porco, são os proprietários das explorações porcinas, a medida pode visar, em última análise, a sua aniquilação económica, somando-se como “solução final” a toda uma série de perseguições iníquas de que têm sido vítimas. No passado fim de semana os agentes do Ministério da Saúde que tentaram iniciar a grande matança foram recebidos à pedrada nos subúrbios pobres do Cairo, tendo os confrontos degenerado em batalhas campais com a polícia. A guerra terá sido exacerbada pela afirmação inaudita do Ministro da Saúde de que não haveria lugar a indemnizações, pois a carne poderia ser consumida pelos próprios... Brigitte Bardot já escreveu ao presidente Mubarak a interceder pelos animais e seria bom que não estivesse sozinha: não se trata só de defender os porcos, mas também e principalmente de defender os humanos.

Ocasiões como a actual de iminência de uma pandemia são propícias ao espalhamento, para além do vírus, que já de si é perigoso, do medo irracional do vírus, que lhe amplia o perigo. O medo pode gerar monstros, pode acordar os monstros que, em nós, estão adormecidos. E é bom, por isso, que o nosso Ministério da Saúde tenha aqui conseguido conter o medo.

15 comentários:

João Sousa André disse...

«em países islâmicos, como o Irão ou o Qatar, o comércio de carne de porco é severamente restringido»

Acrescento o que um engenheiro químico me contou uma vez. Quando estava a projectar uma fábrica para o fabrico de penicilina (creio que na Jordânia, mas não me recordo exactamente), foi-lhe dito que não poderia usar banha de porco (usada na fermentação para reduzir a espuma) por motivos religiosos. Em alternativa, após alguns meses de busca, acabou por optar por óleo de peixe, o que deixava a penicilina com um interessante odor e a fábrica a cheirar a mercado do Bolhão.

Anónimo disse...

A BÍBLIA E A SAÚDE PÚBLICA

O Levítico foi mesmo escrito por Moisés.

Existe hoje ampla evidência disso mesmo, reconhecida por alguns dos mais influentes historiadores e arqueólogos especializados em estudos bíblicos e do Médio Oriente.

A hipótese documental, que negava a autoria de Moisés, está hoje refutada nas suas pressuposições por evidências arqueológicas e paleográficas abundantes.

De resto, os judeus sempre o atribuíram maioritariamente a Moisés.

O mesmo sucedeu com Jesus Cristo, os seus Discípulos e o Apóstolo Paulo. O próprio historiador judeu Josefo, século I, também não teve quaisquer dúvidas quanto a esse ponto.

Os argumentos em sentido contrário são facilmente rebatíveis. Nem se vê quem é que teria interesse em escrever um livro com essas características noutro contexto.

Hoje sabe-se que a carne de porco é das mais prejudiciais à saúde.

A interdição bíblica da carne de porco, numa situação em que os hebreus andavam pelo deserto ou, mesmo quando mais sedentários, não dispunham de condições de adequadas de conservação dos alimentos, revelou-se uma importante medida de higiene e segurança alimentar, com reflexos positivos na saúde de todo o povo.

Na verdade, a Bíblia, no Pentanteuco, contém um amplo conjunto de medidas sanitárias de protecção da saúde pública (v.g. quarentenas; lavagem de mãos e do corpo, deposição de resíduos, destruição de objectos contaminados, destruição de roupa de doentes e mortos, protecção contra doenças sexualmente transmissíveis, precauções no sepultamento dos mortos).

O objectivo era garantir que o povo judeu pudesse ter um estilo de vida que lhe permitisse gozar de boa saúde.

Deus preocupa-se com o bem estar físico e espiritual das pessoas. Ainda hoje, muitas das normas morais da Bíblia visam, em boa medida, o bem estar físico, emocional, social e espiritual das pessoas.

É interessante notar que muitas destas medidas eram praticadas pelos judeus muito antes de Louis Pasteur e Robert Koch terem demonstrado, no século XIX, que o contágio passa de um indivíduo para o outro.
Curiosamente, ambos foram ridicularizados pela comunidade científica do seu tempo.

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Carlos Faria disse...

infelizmente, sempre que há uma crise: política, social, económica ou mesmo de saúde; há sempre alguém que daí extrai dividendos pessoais ou utiliza preconcentos irracionais para cometer injustiças... o que agora aconteceu no egipto mostra bem que a humanidade com o tempo repete os erros, como se fosse incapaz de aprender com as lições do passado. mesmo que haja quem diga ao contrário.

FMS disse...

Carlos,

julgo que o abate terá sido motivado por medos de hibridização entre o H1N1 e o H5N1 ou H7N7,estirpes presentes no Egipto e cuja virulência apresenta maior risco de fatalidade humana em caso de pandemia do que o H1N1. Veja-se os updates recentes da OMS sobre H5N1 naquele país.

Abraços

FMS

nuvens de fumo disse...

FMS
A partir do momento que o virus infecta pessoas, o problema deixa de ter que ver com os porcos. Já teve quando foi lá buscar um dos seus componentes proteicos , no entanto agora, o que há a temer é uma mutação dentro de um ser humano que o torne mais eficaz.
Para já ainda nada aconteceu que nos mereça grande alarme. Mas esta gente dos vírus tem os números e o tempo do seu lado

Anónimo disse...

Adilson para FMS

Porquê apenas no Egito a OMS estaria orientando a matança dos suínos? E ainda, porquê em sua totalidade? Não é estranho? Pode me ajudar?

Almeidaadilson@ig.com.br

Anónimo disse...

Nao compreendo esta mania irracional das teorias da conspiracao.

Porque e que isto foi feito como forma de persiguicao aos coptas?

nuvens de fumo disse...

Não foi feito para perseguir os Coptas, admito que não foi um génio do mal que inspirou esta acção, mas foi feito com total desprezo pelos mesmos, uma vez que são uma minoria e que pelo que percebo são pouco influentes.
Apenas isso, ainda por cima como se trata de porcos que são imundos para a religião deles , é uma bênção, agrada-se a alá não vá a criatura andar irada pela visão da vara destes...

FMS disse...

Dentro de um porco, cujo genoma é tão similar ao humano, a mutação pode ocorrer igualmente.

E não entremos em tecnicismos, que eu só tenho 16 anos de bioquímica às costas ;)

André Machado disse...

" ...Brigitte Bardot já escreveu ao presidente Mubarak a interceder pelos animais e seria bom que não estivesse sozinha: não se trata só de defender os porcos, mas também e principalmente de defender os humanos."

Fugindo ao tema principal da sua crónica, espero que não esteja mais preocupado com os humanos daquele país do que com os porcos...ambas as vidas são igualmente importantes e afinal de contas, estes é que vão ser abatidos!

Cumprimentos

Anónimo disse...

"Pode o porco estar associado ao sujo (entre nós ainda há quem diga “com licença” quando profere a palavra “porco”)..."

Creio que esse hábito do "com licença" radica numa velha crença tabuística relativamente à nomeação do Príncipe das Trevas. "Porco" era então um modo corrente e menos arriscado de se referir o tal do Belzebu.

Alberto Sousa

Rui leprechaun disse...

Ocasiões como a actual de iminência de uma pandemia são propícias ao espalhamento, para além do vírus, que já de si é perigoso, do medo irracional do vírus, que lhe amplia o perigo.Ora então, por que razão a OMS se tem mostrado tão pressurosa em espalhar esse medo irracional do vírus, que é isso que os comunicados alarmistas acerca de uma pandemia que pode afectar a terça parte (!!!) da humanidade têm feito?!

Ou ainda, o que é mais importante na etiologia da doença: o vírus/micróbio ou o organismo? Como é que, século e meio volvidos após Pasteur e Bernard e não obstante os louváveis progressos sanitários e de higiene, se continua a dar tanta importância ao acessório - o microorganismo patogénico - e tão pouca ao "terreno" onde o mesmo não consegue singrar quando as suas defesas são perfeitas?!

Qual a razão de se continuar a privilegiar uma medicina mecânica meramente curativa, em vez da verdadeira educação para a saúde integral - corpo e mente - que é o máximo desiderato da medicina integral preventiva?

Mais ainda, por que não educar e inculcar, logo desde a infância, a responsabilidade que cada um tem em cuidar bem de si próprio, mantendo a tal "mente sã em corpo são", em vez da crença cega em drogas milagrosas e outros remendos que nunca podem substituir a saúde integral, um bem pessoal e social?

Por fim, a "gripe normal" causa anualmente cerca de meio milhão de mortos em todo o mundo e mesmo as gripes asiáticas em finais das décadas de 50 e 60 apenas terão duplicado este número. Logo, qual a razão do alarmismo patente na OMS ao declarar o grau 5 de risco de pandemia, ainda por cima quando o hemisfério afectado nem sequer está na fase sazonal da gripe?

O micróbio é nada; o terreno é tudo!

carolus augustus lusitanus disse...

As tuas perguntas (pertinentíssimas), leprechaun, podem ter respostas «retóricas»; no entanto, as verdadeiras respostas não «podem» ser dadas (lá se ia a «mística da indústria» e uma catervada de interesses ocultos e outros (bem) reais...).

Além disso, alimenta o grande educador das massas e os seus pregadores de homilias semanais que, se necessário for, fazem o desdenho e tudo -- para tornar mais fácil a «compreensão» dos fiéis ouvintes/leitores... enfim...

O «micróbio», que pulula nos nossos organismos é encarado, hoje, como se de uma guerra a travar (contra ele) se tratasse... Os ensinamentos e a magistral frase (citada) da «ideia» de Claude Bernard, mais tarde «demonstrados» in vivo através daquela estória/experiência (verdadeira) de um professor e um aluno que decidiram inocular (ambos) um vírus (e que foi fatal para um deles -- o mesmo vírus, sublinhe-se), estão completamente retirados do discurso das ciências médicas modernas, preferindo-se, em vez disso, um discurso bélico (é isso mesmo: o vírus é o inimigo a abater e há mesmo analogia, nesses discursos, entre um teatro de guerra e a tentativa de erradicar microorganismos...).

Este é mais um tema de reflexão para o tão propalado «novo paradigma» que, ao que parece, só está a ser «aplicado» no plano (mais) material(ista) do ser humano...
Talvez que daqui a uns anitos (quando se der a tal «revolução de mentalidades» -- já só pedia «evolução») se venha a perceber o que está errado na abordagem da medicina moderna (cartesiana e mecanicista), sendo ela também um dos grandes agentes (não apenas da «ruína» dos estados e das pessoas -- regra (bem) geral, entenda-se) que, ao longo dos tempos têm vindo a construir o grande labirinto em que se encontra hoje a Humanidade.

Isto levar-nos-ia à questão das premissas (erradas) em que assenta o pensamento ocidental moderno, herdeiro do aristotelismo (cristão) medieval e por aí fora... mas isso já é outro assunto.

Anónimo disse...

Há provas de que foi o Moisés ... dizem as autoridades! A estupidez é revoltante.

Anónimo disse...

Esse leprechaun é um idiota. Deviam censurar os comentários. É doloroso ter que contemplar tanta abjecção. Nem li este comentário dele, refiro-me a outros. Vá lá traduzir romances de cordel.

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