Philippe Perrenoud, 1993, 25.
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Apesar de ter raízes antigas, depois dos anos de 1980, um movimento conhecido por Movimento da prática reflexiva tem-se afirmado com grande força em diversos sectores profissionais.
Este movimento, não sendo uno, no sentido em que defende um corpo bem delimitado de ideias, acentua a capacidade que todas as pessoas terão para observar, investigar, analisar, indagar, questionar, pensar autonomamente a sua acção, que tem lugar num determinado contexto e, em função da reflexão que fazem do mesmo – de modo individual ou colegial –, construírem saberes particulares ou, mais propriamente, “teorias práticas”.
Assim, expressões como prática reflexiva, desempenho reflexivo, formação reflexiva, acção reflexiva tornaram-se incontornáveis nos discursos académicos e oficiais sobre o ensino, estando presentes e ocupando um lugar de destaque nas mais diversas reformas educativas e programas de formação de professores.
Essa presença encerra, porém, tanto de confusão conceptual como de entusiasmo aguerrido. E é precisamente quando estes dois ingredientes se juntam, que emerge a ideia de que não é possível ensinar nada com carácter teórico a ninguém – no sentido de saber abstracto, fruto do apuramento de princípios, regras, procedimentos, leis, etc. –, e muito menos de modo teórico – ou seja, comunicando e integrando saber.
Entende-se, ao contrário, que as pessoas só aprendem verdadeiramente de forma “artesanal”, ou seja se se confrontarem com a prática real, concreta, localizada, e com os problemas particulares que ela sugere, sendo que neste quadro, ao reflectirem, encontrarão as soluções, sempre únicas, específicas, para tais problemas.
Tal lógica indica que os bons profissionais, que resolvem problemas complexos e singulares, são aqueles que se regem por um conhecimento eminentemente tácito, que conseguem apurar e usar mas não conseguem explicar inteiramente e, muito menos, especificar. Por outro lado, ninguém do exterior ao um determinado ethos profissional pode ter a pretensão de alcançar o mesmo conhecimento e, nessa medida, de apresentar conhecimento que possa contribuir para a resolução de tais problemas.
E é aqui que me lembro das “reflexões” da Guidinha, de Luís Sttau Monteiro, quando, por volta de 1974, lhe passou pela cabeça ser médica (páginas 116-117):
Pelo contrário, o saber que, de modo objectivo, as comunidades científicas vão conseguindo reunir não pode, de forma alguma, ser desprezado ou menorizado na formação e nas práticas profissionais, tem de ser valorizado, comunicado, discutido e, claro, exercitado criticamente.
João Lobo Antunes, no livro Memórias de Nova Iorque e outros ensaios (1996, 36-37), referindo-se à sua formação de médico especialista nos Estados Unidos da América, explica esta ideia numa frase: “Recordo-me de, uma vez, ao sugerir uma maneira diferente de fazer uma intervenção, ter sido advertido, de forma bem seca, de que eu não estava ali para cometer erros que outros já tinham feito antes de mim.”
Este movimento, não sendo uno, no sentido em que defende um corpo bem delimitado de ideias, acentua a capacidade que todas as pessoas terão para observar, investigar, analisar, indagar, questionar, pensar autonomamente a sua acção, que tem lugar num determinado contexto e, em função da reflexão que fazem do mesmo – de modo individual ou colegial –, construírem saberes particulares ou, mais propriamente, “teorias práticas”.
Assim, expressões como prática reflexiva, desempenho reflexivo, formação reflexiva, acção reflexiva tornaram-se incontornáveis nos discursos académicos e oficiais sobre o ensino, estando presentes e ocupando um lugar de destaque nas mais diversas reformas educativas e programas de formação de professores.
Essa presença encerra, porém, tanto de confusão conceptual como de entusiasmo aguerrido. E é precisamente quando estes dois ingredientes se juntam, que emerge a ideia de que não é possível ensinar nada com carácter teórico a ninguém – no sentido de saber abstracto, fruto do apuramento de princípios, regras, procedimentos, leis, etc. –, e muito menos de modo teórico – ou seja, comunicando e integrando saber.
Entende-se, ao contrário, que as pessoas só aprendem verdadeiramente de forma “artesanal”, ou seja se se confrontarem com a prática real, concreta, localizada, e com os problemas particulares que ela sugere, sendo que neste quadro, ao reflectirem, encontrarão as soluções, sempre únicas, específicas, para tais problemas.
Tal lógica indica que os bons profissionais, que resolvem problemas complexos e singulares, são aqueles que se regem por um conhecimento eminentemente tácito, que conseguem apurar e usar mas não conseguem explicar inteiramente e, muito menos, especificar. Por outro lado, ninguém do exterior ao um determinado ethos profissional pode ter a pretensão de alcançar o mesmo conhecimento e, nessa medida, de apresentar conhecimento que possa contribuir para a resolução de tais problemas.
E é aqui que me lembro das “reflexões” da Guidinha, de Luís Sttau Monteiro, quando, por volta de 1974, lhe passou pela cabeça ser médica (páginas 116-117):
“Como eu gostava de ser médica porque gosto muito daqueles filmes que há na televisão com aqueles médicos bestialmente simpáticos que fazem discursos às pessoas e que as curam com palavrinhas mansas e compreensão ia para um hospital trabalhava talvez na cirurgia é claro que ao princípio matava umas pessoas para descobrir onde é que elas têm o apêndice e o fígado mas isso que importância tem neste mundo em que há gente a mais? com o tempo e com umas buscas bem organizadas acabava por saber onde é que estava o apêndice de cada um e cortava-o tão bem como se tivesse aprendido porque não há nada como o saber adquirido pela experiência eu calculo que me bastariam umas duzentas pessoas para ficar a operar apêndices quatrocentas para operar estômagos e umas quinhentas ou seiscentas para operar cabaças ao todo com umas mil mortesitas ficava a cirurgicar tão bem como qualquer que estivesse estudado e não tinha de perdido o meu tempo em escolas faculdades e outras velharias páginas.”Exagero do humor à parte, esta perspectiva reflexiva, se tem algumas características que jogam a seu favor, também tem muitas que recomendam a maior prudência na sua aplicação, pois, na verdade, se estivermos a falar de áreas como a medicina, o ensino ou outras onde a responsabilidade face a pessoas concretas é acentuada, o desempenho profissional não pode pautar-se apenas e só por uma pouco precisa capacidade de auto-orientação do profissional ou futuro profissional, nem pelos resultados subjectivos e relativos a que conduz.
Pelo contrário, o saber que, de modo objectivo, as comunidades científicas vão conseguindo reunir não pode, de forma alguma, ser desprezado ou menorizado na formação e nas práticas profissionais, tem de ser valorizado, comunicado, discutido e, claro, exercitado criticamente.
João Lobo Antunes, no livro Memórias de Nova Iorque e outros ensaios (1996, 36-37), referindo-se à sua formação de médico especialista nos Estados Unidos da América, explica esta ideia numa frase: “Recordo-me de, uma vez, ao sugerir uma maneira diferente de fazer uma intervenção, ter sido advertido, de forma bem seca, de que eu não estava ali para cometer erros que outros já tinham feito antes de mim.”
4 comentários:
“Recordo-me de, uma vez, ao sugerir uma maneira diferente de fazer uma intervenção, ter sido advertido, de forma bem seca, de que eu não estava ali para cometer erros que outros já tinham feito antes de mim.”
Pergunto-me o que aconteceria se ao formular a relatividade restrita tivessem dito ao Alberto:
"Olha lá, essas transformações já foram todas feitas por muitos gajos antes de ti. São um flop. Não estás aqui para cometer erros que os outros já fizeram antes de ti."
Debatem-se aqui duas "escolas" diferentes. Uma, como escreveu Camões, a de "um saber de experiência feita". Outra, dos teóricos que não descem à terra dos simples mortais. Uma terceira, da autoria de William James, na senda de Charles Pierce, que com o pragmatismo defendeu a simbiose de ambas porque, segundo ele, "a finalidade do homem é a acção".
Entretanto, "à sombra de um [falso]saber de experiência feita", surgem os falsos autodidactas, definidos por Mário Quintela como "ignorantes por conta própria! Repito, falsos autodidactas.
Desvalorizar a teoria e a investigação, se elas são mesmo científicas, é um erro; assim como é um erro desvalorizar o que alguns professores, atentos e preocupados, sabem.
Sem dúvida, a autora deste oportuno post chamou a atenção para questões científico-pedagógicas que podem melhorar sunstancialmente o ensino nacional.
Que me desculpe a autora do post, mas acho este texto um exercício de erudição estéril e gratuito, de honestidade intelectual discutível. Com efeito, confundir a apologia de "prática reflexiva, desempenho reflexivo, formação reflexiva, acção reflexiva" com algo que seja desdenhar o estudo, a ciência, o conhecimento, a teoria, a serem supostamente substituídos por um conhecimento tácito, resultante de uma "prática reflexiva", não é de todo sensato. Trata-se de imputar aos outros a falsa tese que nos dá jeito para apresentar com brilho a nossa antítese. Nenhuma reflexão séria se faz, qualquer que seja a profissão, se não for alicerçada num bom domínio do "estado de arte" dessa profissão, tanto do ponto dos saberes teóricos como das competências práticas. Mas aí estando, a prática reflexiva é uma poderosa metodologia de desenvolvimento profissional. O texto é pois um exercício de falsificação da prática reflexiva para artificialmente a diminuir no seu valor.
Coisa bem diferente é a crítica à retórica sobre a prática reflexiva, no âmbito da formação, por parte de quem é incapaz de se apresentar como exemplo da reflexão que apregoa. Essa crítica é necessária, pois o exemplo da reflexão ensina muito mais do que os enunciados sobre a reflexão.
O ensino baseado na pratica reflexiva é necessário por uma razão muito simples: o desenveolvimento do pensamento abstrato vai-se começando a desenvolver por volta dos 12/13 anos e, portanto, devemos tentar (o que, mesmo assim, é dificil) que haja uma situação "prática" que depois de reflectida, individualmente ou em grupo, leve o aluno a abstrair daquele exemplo para o geral. Só assim o conhecimento adquirido poderão fazer sentido na sua "cabeça" de forma a que ele não esqueça. Se apenas apresentarmos as regras, leis. etc., também é possível, claro, mas o aluno fará maquinalmente e sem entender, o que o fará esquecer muito mais depressa, para além de estramos a descurar o seu desenvolvimento intelectual. Isto é no que diz respeito ao ensino a crianças e jovens mas, mesmo assim, quem pode aprender alguma coisa e melhorar sem reflectir sobre a sua prática?
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