O texto de João Boavida Que pode a escola resolver, remete para um problema do nosso sistema educativo, que não sendo exclusivo dele, tem nele particular importância.
Trata-se, como bem sugere João Boavida, de um problema sem sentido, pois se a sociedade pede (ou exige?) à escola que resolva toda e qualquer dificuldade que ela própria cria e não sabe como lhe fazer face, também lhe pede (ou exige?) que as resolva sem se desligar dela, respeitando as suas escolhas, nunca entrando em ruptura com os modos de pensar e de agir estabelecidos.
Por seu lado, a escola tem aceitado entusiasticamente esse desafio impossível, denotando permeabilidade às mais diferentes influências sociais, respondendo a esta, àquela e à outra imposição da família, da publicidade, do desporto, da saúde, da comunicação social... manifestando-se disponível para incluir, este, aquele e o outro assunto, sempre contextualizando na sociedade, é claro!
O resultado tem sido um evidente esvaziamento curricular de áreas de saber estruturantes, como a Literatura, a Cultura Clássica, a História, a Filosofia... Esvaziamento que a sociedade aplaude, pois, na verdade, para que servem, efectivamente, essas áreas no quotidiano social?
Na mesma lógica do utilitarismo imediato cairam a Matemática, a Física, a Química, a Biologia... A opção curricular ao nível das ciências - por pressão da sociedade, que, lá está, vê em algumas áreas científicas a solução para as suas dificuldades -, não é de as retirar, mas de as pôr ao serviço de qualquer coisa. Aqui o esvaziamento curricular é menos evidente, mas é de outra ordem e igulamente preocupante.
E, talvez pareça estranho que se fale em esvazimento curricular, porquanto, os currículos, afiguram-se recheados. A este propósito escreveu Fernando Savater: "todos os anos se incorporam novas disciplinas na oferta académica, que cresce e se diversifica até à exaustão, pelo menos nos planos ministeriais. É obrigatório incluir música, pintura, escultura, cinema, teatro, informática, segurança rodoviária, noções de primeiros socorros, rudimentos de economia política, expressão corporal, dança, redacção e crítica jornalística, etc. (…)."
E, continua: "é possível argumentar a favor de todas estas aprendizagens e de muitas outras, que podem completar excelentemente a formação dos alunos. Tanta oferta educativa tropeça apenas em dois obstáculos fundamentais: por um lado os limites da capacidade assimiladora dos alunos e o número de horas lectivas diárias que conseguem suportar sem sofrer transtornos mentais sérios, por outro lado, a disponibilidade docente dos professores, a maioria deles formados numa época em que nem sequer existiam as matérias em que, anos mais tarde, se virão a converter em mestres (…)."
Suponho que, mais cedo ou mais tarde, a sociedade - entendendo a escola como uma das suas instituições - e a escola - entendendo-se como uma das instituições da sociedade - terão de voltar a pôr a questão: O que é que a escola deve, efectivamente, ensinar? Ou, de modo mais completo: O que é que a escola deve ensinar para que a sociedade mantenha os padrões civilizacionais que conseguiu construir até ao presente?
Pois, ainda nas palavras do filósofo espanhol, "é a civilização e não meramente a cultura, que a educação deve aspirar a transmitir", e se esta for a linha orientadora de entendimento da sociedade e da escola outro rumo teremos de seguir quanto às opções curriculares.
Obra referida: Savater, F. (1997). O valor de educar. Lisboa. Edições Presença. (Republicada em 2006, pelas Edições Dom Quixote).
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8 comentários:
Uma questão complementar:O que é que a escola deve avaliar?
Nas escolas portuguesas os professores, além de avaliarem aquilo que os alunos aprenderam de Matemática ou Filosofia, avaliam também parâmetros não cognitivos como as ditas "atitudes e valores".
Há escolas em que tais parâmetros têm (pelo menos nalgumas disciplinas) um peso absurdamente alto: 40% ou mais.
Na prática isso significa que um aluno pode saber muito pouco de Psicologia ou Física e mesmo assim obter classificação final positiva - pois é pontual, não insulta nem bate nos colegas, etc.
Tratando-se de disciplinas onde não há exame nacional (ou há mas repleto de facilidades), nada impede que se fale de sucesso educativo - apesar do aluno não ter aprendido aquilo que era suposto aprender.
Faz sentido?
Só para dizer que concordo totalmente com o post e que também concordo com o comentador Carlos Pires.
Essa coisa das atitudes e valores é realmente ridícula. Dou-vos um exemplo: nas minhas aulas de Inglês, os resultados nos testes de avaliação contam 55%.
Isto significa que se um aluno tiver 0 nos dois testes, mas 20 no resto (oralidade, atitudes, trabalho na aula, etc) tem 9. Simplesmente absurdo!
Pasmo-me como muito, mesmo muito pouca gente repara nisto!
Ao comentador Carlos Pires:
"Atitudes e valores" - avaliável?! Os comportamentos citados (pontualidade, respeito, camaradagem,...) não deveriam ser avaliados. Fazem parte da instrução e educação das pessoas. Essas atitudes deveriam fazer parte do tão apregoado "estatuto do aluno".
Que "critérios" são usados para avaliar "pontualidade". "insulto", "postura", ...?
As avaliações disciplinares, quer seja em A, B ou C deveriam ser em função do desempenho e conhecimentos dos alunos nas mesmas.
João Moreira
Caro João Moreira:
É verdade que não é fácil avaliar os comportamentos como a pontualidade, o respeito, etc.
Claro que a escola os deve promover. Mas como? Faz pouco sentido estar a subir a nota de Matemática ou de Filosofia só porque o aluno cumpre as suas obrigações mais elementares e é duvidoso que isso contribua para a referida promoção.
Julgo que as classificações de cada disciplina, à partida, só deveriam basear-se em critérios cognitivos.
Um aluno cuja compreensão das matérias valesse 12 valores deveria ter 12 valores mesmo que fosse muito pontual, correcto no trato, etc. Cumprir as regras não devia ser algo valorizado ao nível da classificação numérica - da nota da disciplina.
Mas um aluno que se portasse mal, que não cumprisse as regras, deveria ser penalizado. Mesmo que a sua compreensão das matérias valesse 12 valores ele não deveria ter 12 valores, mas menos - 11, 10... consoante um sistema de penalizações previamente conhecido.- Por isso, há pouco escrevi "à partida".
E é assim que as coisas funcionam fora da escola: as pessoas são castigadas se roubarem um banco, mas não são recompensadas se não o roubarem. Não faz sentido oferecer prémios a que se limita a cumprir deveres simples e elementares, mas faz sentido penalizar quem não os cumpre.
Se a avaliação nas escolas portuguesas fosse feita de acordo com regras desse género, haveria mais eficácia na promoção da pontualidade, respeito mútuo, etc.
E, claro, a avaliação das aprendizagens seria mais rigorosa, mais verdadeira e menos manipulável. O sucesso educativo que se obtivesse seria real e não a mentira que este governo anda a fabricar.
A educação «futebolizou-se», com o devido respeito: Toda a gente fala, poucos dizem alguma coisa, nenhum acerta. É sintomático a confusão opinativa e a ausência de critério discursivo válido. É a pós-modernidade. O que é certo é que, presentemente, ninguém sabe definir o que é um bom professor, qual a função da escola, o que se deve esperar do estudante, sem se cair em lugares comuns ou assuntos ocos. A única forma de ultrapassar os impasse é dar as escolas aos únicos que a conhecem: os professores. Depois, com o decorrer dos acontecimentos, alguém na academia fará um balanço das actividades. Tal como na Economia, na educação é difícil prever. A única forma de atingir objectividade de análise é falar do passado e não do futuro, sob pena de se cair em paralogismos. O futuro não é decretado, é trabalhado no dia-a-dia pelos agentes que se cruzam na escola.
Parece que entendi mal.
O que é que a escola deve avaliar?
O saber do aluno.
Para mim, se este se porta bem ou mal é irrelevante, da mesma forma que também é irrelevante à Ciência se o cientista é uma pessoa boa ou má. Tanto faz.
Claro que a pontualidade e o vandalismo nas escolas devem ser castigados. Como? Da mesma forma que se castigam os criminosos. Punindo (faltas, suspensões, etc) quem se porta mal. Se um criminoso produzir um artigo científico, ele não será mais ou menos valorizado por o criador ser criminoso.
Se a escola existe para transmitir saber, só deve avaliar o que o aluno sabe. Todas as outras regras servem apenas para manter a ordem. Se eu for a um banco e for mal-educado eles expulsam-me. No entanto, a minha conta não diminui.
Avaliar atitudes e valores só serve para o professor privilegiar o estudante de que menos gosta.
Ao comentador Carlos Pires,
Agradeço a amabilidade de ter respondido/criticado o meu comentário. Por partes:
1)"...cumpre as suas obrigações mais elementares e é duvidoso que isso contribua para a referida promoção." - as regras, estatutos estipulados são aceites ou não. O seu cumprimento não pode servir de meio de promoção ou de aludir aoa mesmo como factor de valorização.
2)"Mas um aluno que se portasse mal, que não cumprisse as regras, deveria ser penalizado. Mesmo que a sua compreensão das matérias valesse 12 valores ele não deveria ter 12 valores, mas menos - 11, 10... consoante um sistema de penalizações previamente conhecido.- Por isso, há pouco escrevi "à partida"..."
Não é um sistema de pontuação (para já!). Se as avaliações fossem tipo frequência ou exame, esses problemas não se colocariam. Um sistema de avaliação contínua deve ser ponderado e da inteira responsabilidade do professor/a (sem interferências!!!!). É o responsável pela transição ou retenção dos alunos/as e pelos conhecimentos que adquirirão. Tem de conhecer o que cada um/a pode alcançar e saber avaliar a sua progressão (que é diferente entre eles). Mais que o significado da nota, a progressão, o gosto, o interesse e o desenvolvimento sobre os temas tratados valem bem mais.
3) "E é assim que as coisas funcionam fora da escola: as pessoas são castigadas se roubarem um banco, mas não são recompensadas se não o roubarem. Não faz sentido oferecer prémios a que se limita a cumprir deveres simples e elementares, mas faz sentido penalizar quem não os cumpre."
Suponha um aluno que falta, por exemplo, 6 vezes num ano, mas é Bom e outro que é esforçado,tem piores resultados que o primeiro, tem muito mais dificuldades em atingir os objectivos e nunca faltou. No momento da avaliação pondera dar a mesma classificação, por que considera que o segundo esteve sempre presente e o primeiro faltou 6 vezes sem justificação. É justo?
Maso regime de faltas não permite que um aluno dê x faltas? Se as faltas foram registadas é "justo" torná-lo a penalizá-lo?
4) "Se a avaliação nas escolas portuguesas fosse feita de acordo com regras desse género, haveria mais eficácia na promoção da pontualidade, respeito mútuo, etc. "
Infelizmente... é por isso quando há uma reunião marcada para as 9.00 ou às 15.00, esta só se inicia às 9.45 ou 15.30... Pontualidade e respeito instruem-se.
João Moreira
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