Hoje toda a gente quer que a escola resolva os problemas da sociedade portuguesa. Mas como é que a escola os pode resolver se, de muitos modos, lhe foram tirando capacidade, enquanto lhe iam passando problemas que a ultrapassam?
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O drama é que a escola não pode resolver os problemas que a sociedade não quer que lhe resolvam, porque vive muito bem com eles. Para grande parte da sociedade os problemas que se diz que a escola deve resolver não o são. Não são problemas a deseducação sexual, que os filmes americanos e a televisão promovem, quase sempre da pior maneira, nem a poluição ambiental, que muitos praticam ainda impunemente, nem o individualismo exacerbado, que se disfarça de competitividade, nem a corrupção, que vamos praticando ou aceitando, nem a falta de respeito pelos outros, nem a falta de brio profissional, nem a pouca recompensa para o trabalho sério e honesto, nem a inveja, que não conseguimos identificar como mediocridade própria, nem a mesquinhez, que só nos permite voos de galinha, nem o compadrio, que liquida a competição honesta e a justiça, nem a selecção falseada em empregos e concursos, que compromete o nosso desenvolvimento, nem o desinteresse pela qualidade, que nos degrada, nem a incapacidade de reconhecer o mérito dos outros, que nos diminui, nem o afã extraordinário a destruir os bons políticos, que nos suicida, etc.
Isto é, a escola não consegue resolver os vícios culturais que a sociedade manifesta porque esses vícios são o alimento de uma boa parte do pior da cultura portuguesa. E, sendo assim, não são sentidos como vícios, confundem-se com a nossa habitual e profunda maneira de ser, e com os nossos valores. Os valores tal como os vivemos e não como dizemos viver.
Como é que a escola pode puxar para cima, se a sociedade corre pressurosa a ver problemas de televisão que só degradam e puxam para baixo? E como desenvolver o gosto e o sentido estético se a maioria se deleita com telenovelas portuguesas (e muitas brasileiras) que costumam ter audiência na razão inversa da qualidade? O gosto por essas historietas de plástico, com que enternecem filhos, pais e avós, mina e cria bloqueios a uma boa formação. Que esperar das várias gerações que se revêem nestas personagens de esferovite e nestes sentimentos de papelão? E como não se trata de um ou outro programa mais infeliz, mas de um trabalho continuado, sistemático, persistente, semana após semana, que poderemos esperar? Como pode a escola remar contra este contexto cínico e deseducativo dos senhores dos “media”? Não peçam à escola que cole os cacos que a sociedade anda estouvadamente a partir.
Claro que isto não é uma fatalidade, mas seria necessário um trabalho educativo persistente que ninguém está em condições de fazer, salvo aqueles que mais ganham com a deseducação que provocam. Ninguém tem hoje a força que eles têm, e estes, obviamente, não querem estragar o negócio porque, pela sua própria deseducação profunda, para eles o negócio é tudo. Além disso, estão convencidos de que todos pensam e sentem como eles. É certo que as famílias podem fazer muito, e muitas fazem, mas a maioria faz parte do mesmo problema, aumenta e endurece o problema contra o qual as escolas pouco podem fazer.
João Boavida
3 comentários:
Apenas um lugar-comum: a escola reflecte a sociedade que a alimenta para o bem e para mal. Infelizmente, mais para o mal do que para o bem, até porque os políticos que a tutelam são o espelho dessa mesma sociedade.
O que conduz a um outro lugar-comum: cada país tem os políticos que merece. Não foi sem razão que a cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro, da porca com os leitões a sugar-lhe o leite, atravessou a época e se fez actual neste dealbar de século!
Ao Prof. José Boavida as minhas desculpas pela pobreza de um comentário que deslustra o brilho do seu artigo.
Já se fala em deixar 12 horas as criancinhas nas escolas, e acredito que em alguma privadas isso possa acontecer.
Os paizinhos gostam de fazer meninos para os mostrarem aos amigos e para terem um grande ego, não para os educarem, isso dá trabalho e tem que ser os professores a educarem os putos que é para isso que lhes pagam, aos pais compete apenas trabalharem e darem dinheiro, mesmo que não estejam com os filhos. São os papás multibanco.
Já Daniel Sampaio dizia, faça-se bons pais.
Deveria partir da cabeça de cada um, se não tem condições não façam filhos e nem estou a falar dos pobres e de condições financeiras, também entram à baila os muitos doutores que por ai andam.
Quanto aos políticos, uma autêntica escumalha, é culpa do povo obviamente, quem é que lá os mete?
Ora se este povo português que é burro por natureza tivesse "tomates" essa cambada de sanguessugas já tinham sido apeada à muito do poder e não andávamos com as tristezas dos 5 maiores partidos a fazerem parvoíce, que juntos não valem um partido como deve ser.
A. Quintas:
No essencial estou de acordo com o seu comentário sobre os papás-multibanco (essa é muit'a boa!), embora a sua crítica seja um pouco dura...
O que já não acontece quanto à generalização sobre os políticos e, sobretudo, ao imputar («obviamente») a culpa ao povo, que é quem lá os mete. Mas com o que mais estou em desacordo é com a afirmação (tornada aquela vulgaridade em que todos temos tendência a «cair» -- nós, que não fazemos parte do povo!? -- é a afirmação de que o «povo português [...] é burro por natureza».
Não querendo entrar em discussão sobre esta questão da «inteligência» e da vontade do povo, deixo duas questões para reflexão: quem nos tem safado (enquanto Nação) dos momentos mais difíceis e críticos -- qual crise de 1383-85, dominação filipina ou das invasões «franco-inglesas», e qual o papel (nisto tudo) das ditas elites (sobretudos dos fazedores de opinião) e da manipulação dos média?
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