sexta-feira, 22 de maio de 2009
O ESTADO DESUNIDO DA EUROPA
Minha crónica no "Público" de hoje:
Que Portugal é não só parte como até a cabeça da Europa é declarado por Camões n’Os Lusíadas: “Eis aqui, quase cume da cabeça/ De Europa toda, o Reino Lusitano,/ Onde a terra se acaba e o mar começa/ E onde Febo repousa no Oceano.” Essa descrição reaparece em Pessoa na Mensagem, onde a Europa surge retratada como uma figura humana: “A Europa jaz, posta nos cotovelos:/ De Oriente a Ocidente jaz, fitando/(...) Fita, com olhar esfíngico e fatal/ O Ocidente, futuro do passado./ O rosto com que fita é Portugal.”
No entanto, Portugal tem sido e ainda é um dos estados europeus mais desligados da Europa, como se a “cabeça” referida pelos dois poetas tivesse andado e ainda ande desencontrada do corpo. Desligou-se na época dos Descobrimentos, quando a Europa procurou o mundo fora dela, e continuou desligada durante todo o tempo do Império. A nossa desunião em relação à Europa era mental e era física. Não foi há tanto tempo como isso que uma pessoa que quisesse entrar de noite em Portugal, depois de ter atravessado várias fronteiras europeias, encontrava as nossas fechadas, tendo de esperar ao relento que o país, de manhã, acordasse e as portas, embora com restrições, abrissem. Portugal estava a dormir aferrolhado em casa.
Felizmente que, com a adesão à União Europeia, assinada nos Jerónimos a 12 de Junho de 1985, a situação mudou. E mais mudou, também felizmente, com a adesão ao acordo de Shengen em 1992 e à moeda única europeia em 1999. A “cabeça” voltou a unir-se ao corpo. Voltou? Fisicamente, ainda permanecem, quais monumentos ao Portugal isolado de outrora, alguns dos antigos postos fronteiriços. Quando passo por eles, tremo só de pensar que venham um dia a recuperar a utilidade perdida. Mas, pior do que isso, ainda há, mentalmente, muitos postos fronteiriços, bem guardados, que tolhem uma inclusão de corpo e alma do país na Europa. Agora que se aproximam eleições europeias, é tempo de falar desse “caso mental português”.
Para perceber melhor os laivos anti-europeístas que perduram, não há nada como dar um exemplo extremo. O filósofo Agostinho da Silva, em Ir à Índia sem Abandonar Portugal (Assírio & Alvim, 1994) afirmou: “A Europa é uma porcaria! A Europa não presta para nada, a Europa não se entende, porque se está a querer fazer uma coisa nova numa trapalhada velha”. E, em Ensaios sobre Cultura e Literatura Portuguesa e Brasileira (Âncora, 2000): “Não creio que a verdadeira cultura e a verdadeira humanidade e o verdadeiro futuro do mundo estejam para lá dos Pirenéus.(...) Não creio que a Europa da gente loira, ordenadora e filosófica seja muito mais do que isso, ordenadora e filosófica, e possa ver-se livre, a não ser por uma transformação que lhe atingiria o próprio cerne, daquele feitio utilitário, prático e mecânico, que a América do Norte, sua herdeira, levou às ultimas consequências.” Confesso que não consigo perceber como ainda há seguidores deste tipo de discursos, que são afinal tão racistas como o do presidente do Brasil Lula da Silva, quando atribuiu as culpas da crise económica ao “homem branco de olho azul”. Mas há-os...
Decerto que, dado o actual estado de desunião europeia, a ideia dos Estados Unidos da Europa parece utópica. Mas é infinitamente menos utópica do que a ideia peregrina do Quinto Império que Agostinho da Silva, na senda do Padre António Vieira, e citando profusamente Camões e Pessoa, proselitou. A campanha eleitoral em curso bem poderia servir para discutir e aclarar a viabilidade do federalismo europeu. A atitude “Porreiro, pá”, segundo a qual da Europa, além de receber o dinheirinho, só se quer que o tratado tenha o nome de Lisboa e que o presidente da Comissão tenha a nacionalidade lusa, é pobre: revela uma total falta de ideias. Eu, que gosto de passar despercebido pelas fronteiras internas da Europa, idealizo um continente que, sendo plural e diverso, se saiba unir mais, se saiba unir o mais possível, com base numa longa história e numa rica cultura comuns. E gostaria, em Junho, de votar para isso.
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13 comentários:
Creio que Portugal não de desligou da Europa na época dos Descobrimentos ou por causa deles. Julgo até que essa época foi intensamente cosmopolita e de grande abertura a influxos vivificadores. Não se esqueça, por exemplo, a tentada reforma da Universidade de Coimbra e a importação de uma série de professores e pensadores notáveis, estrangeirados ou europeus de boa cepa.
A tragédia começou pouco depois com a reação tridentina, com o assalto das universidades (Coimbra e Évora), da Corte e do país em geral pelos jesuítas e outras ordens religiosas mais ou menos fanáticas, e com a perseguição aos judeus.
Sobretudo a expulsão dos judeus, importantíssimo capital humano e financeiro, marcou o início desse estertor peninsular cujas marcas ainda hoje se fazem sentir.
Alberto Sousa
Isto, infelizmente, não é so em Portugal. Resido em Paris e, a escassas semanas do voto, os paineis colocados em frente das escolas para propaganda estão... vazios !!!
A Europa economica fez-se. Esta ai. O carro em que o Português senta o traseiro, o supermercado a que se desloca, a ponte por onde passa, os produtos que compra, o proprio banco onde vai buscar o dinheiro. Tudos isto obedece ja, hoje, a uma logica europeia.
Mas quando se trata de estabelecer regras democraticas, de transformar uma comunidade economica em comunidade politica, ou seja de dar aos povos da Europa (algum) poder de decisão, ninguém se interessa, ninguém mexe, ninguém pia. O que não impede que se queixem a seguir...
Eu bem sei que os politicos não ajudam. Mas bolas, chega de sacudir o capote. Interessem-se. Procurem informar-se. Exijam debates. Votem.
Se fizeste o 25 de abril, foi para poderes ter mãos no teu destino. Foi alias com esse novo poder que decidiste, repetidas vezes, que farias parte de um espaço economico e politico europeu.
Usa este poder !!!
Votar para a direcção do Sporting ou do Benfica, ja podias fazer antes do 25 de abril.
Pelos Direitos dos Animais,
"Chegará o dia em que a morte de um animal será considerada crime no mesmo âmbito que o homicídio de um homem."
Leonardo da Vinci
Obgda,
Madalena Madeira
Madalena Madeira, mais uma vez vem poluir um POST com um assunto completamente marginal para o assunto do POST.
Não tem mais nada que a queira fazer publicidade?
Sei lá contra a morte das plantas, a tourada, os vestidos brancos, a utilização pública de bandeletes ou a obrigatoriedade de testes de mediunidade e de qualidade da aura para quem ocupe cargos públicos?
Faça logo tudo duma vez e poupe a nossa paciência.
Ribeiro Alves,
Um pequeno reparo.
O link que utilizou não dá acesso a um comentário da Madalena Madeira, mas a um comentário meu sobre uma tradução inglesa da Septuaginta (séc.XIX).
OS EU da Europa estão a tornar-se numa burocracia que faz o que quer estando-se nas tintas para as decisões do parlamento que, pobres, não percebem estas coisas da actualidade.
Entretanto vão colocando leis cada vez mais torcidas e que nem eles próprios seguem. Um referendo não deu o que "devia" - faz-se outro - e outro - até a coisa acertar.
O número de países não bate certo com um documento já aprovado? Altera-se o documento.
Ao sabor dos interesses das grandes empre$a$, violam qualquer lei e, se necessário, alteram-na sem qualquer direito a fazê-lo.
(dois pontos muito importantes: liberdade e privacidade nas telecomunicações e patentes)
Fazem reuniões cujas conclusões nunca se tornam públicas.
O resto é europeismo poético.O Pablo Neruda foi um grande poeta também.
José Simões
A ideia de que a dissolução do velho Estado Português nos Estados Unidos da Europa resolveria o crónico atraso relativo do nosso País assenta em vários pressupostos discutíveis e num evidente parti-pris ideológico, legítimo em si mas contestável com boas razões. Refiro apenas um, por ser o mais evidente: é o de que a economia funciona pelo princípio dos vasos comunicantes, e assim a integração num espaço mais rico gera automàticamente uma equalização dos rendimentos. Todavia, a experiência histórica de processos de integração não ilustra este ponto de vista: O Norte de Itália é mais rico que o Sul, tendo o país sido unificado há bem mais de 100 anos; o Arkansas é muito mais pobre do que a Califórnia, havendo aliás enormes e persistentes diferenças de rendimento entre os vários estados da União; e está por demonstrar que, tivesse a Guerra da Secessão tido um resultado diferente, os estados do Sul, ou os do Norte, estariam mais pobres ou mais ricos do que estão. Isto no plano económico. Depois, há o sentimento de pertença: É costume dizer que o nacionalismo é uma invenção do Romantismo, mas quem se der ao trabalho de ler (aliás não é trabalho, depois de começar é prazer) as Crónicas de Fernão Lopes o que lá vê, pelo menos no povo de Lisboa, se não é um sentimento nacional não se entende o que seja. E vem aqui a talho de foice referir o parti-pris, qual é é o de que Portugal não é mais do que aquilo que são os Portugueses viventes, e que portanto o que a maioria decidir é o que está bem. Alguns Portugueses acham que eles, e os seus concidadãos, são apenas depositários de uma herança, não são proprietários dela, e entendem que as engenharias sociais, no que toca à nacionalidade e ao inerente sentimento de pertença, são uma receita para o desastre: Se a burocracia europeia, as burocracias dos vários países europeus, e uma parte significativa da upper-class e da inteligentsia levarem o projecto da Europa Federal por diante, será apenas uma questão de tempo até o edifício começar a mostrar rachadelas. O parto de novos países costuma ser um processo doloroso; que se imagine que com elementos tão díspares como sejam mais de duas dezenas de nações seja possível, por sucessivos decretos e tratados, fazer uma federação viável, parece-me relevar do domínio da loucura.
Isabel Saraiva, tem toda a razão. O link é este: http://dererummundi.blogspot.com/2009/05/anjos-e-demonios.html?showComment=1242471360000#c815402599297975423
Já uma vez aludi à convicção de Lenin que sentendiou: "A Europa não se fará, e no dia em que conseguir concretizá-la, a Alemanha liderá."
Os sinais vão aparecendo. É conveniente relembrar que o Ocidente periférico, representado pelas penínsulas ibérica, itálica e helémica, teve alguma dificuldade em entrar na UE pela relutância manifestada pela Alemanha, talvez pela configuração geográfica que mimetizam jangadas de pedra a quererem distanciarem-se ou desligarem-se do Ocidente europeu.
Já há outros sinais que vão testemunhando a liderança alemã mas, independentemente deste teor, há, como refere JMG, o sentimento de pertença, de identidade nacional que parece não compaginar com a da europeia.
O nacionalismo banal, na concepção de Michael Nillig, está sempre presente em todos os actos sociais, desportivos, económicos e culturais, e dos quais nenhum país pretende divorciar-se, o que dificulta a acomodação ao europeísmo, e a união da Europa.
Veja-se como os nacionalismos banais não chegam a acordo, quanto à independência do Kosovo, à adesão da Turquia, ao problema israelo-palestino, para relembrar os mais recentes, até em desacordo com as opiniões de Javier Solana que representaria o papel de ministro dos negócios estrangeiros da UE.
Nenhuma União se faz de um dia para o otro. Ainda hoje há muitas fronteiras não definidas, países a partirem-se em dois ou mais, o conflito entre a Europa e a Rússia por causa de dois ex-territórios russos independentes desejarem aderir à UE.
Enquanto estes problemas não se estabilizarem e encontrarem o seu omega, a UE está numa barca com borrascas e mar alteroso, mas têm que resolver o seu problema interno, a estabilidade, a coesão, o espírito de equipa, e encontrar uma forma de fundirem nacionalismo com europeismo.
Bem se entende o desejo de outros países aderirem à UE mas a pressa com que são admitidos só têm prejudicado o arrumo da Casa Europeia.
Errei
Na 2.ª linha onde está "liderá" deve ler-se "liderará"
No 4.º § o nome do autor do "Nacionalismo Banal" é Michael Billig (e não Nillig)
Com as minhas desculpa
Mas UE para quê? Para nos imporem regras a troco de uns cobres (e outras benesses que alguém há-de sempre -- os mesmos -- pagar)? O projeto até talvez tivesse sido bem feito, mas a edificação é que é uma lástima... Devia era de haver um referendo para se saber se o país deve continuar ou não nessa fantochada criada pela camarilha dos bilderbergers na sua cruzada para o propalado Governo Mundial...
Já tivemos os romanos e o Viriato correu com eles; depois mais uma chatice para o Mestre das Regras resolver através do Condestável santo; mas tarde, tivemos que gramar com 60 anos que só o fermento do Bandarra fez debandar; séculos depois, o concubinato anglo/napoleónico; até que, por fim, a UE invade-nos (ou melhor, alguns subjugaram-nos ao «eixo») e, nós, não teremos (como sempre) a força anímica para sermos o que sempre fomos, ou seja, lutarmos contra o inimigo da nossa independência (poderão objetar que não é a independência que não está em causa... pois...), chame-se ele Roma, Castela, Napoleão, UE ou o raio que o parta e, tal como no passado da história (para alguns, porque haverá sempre vendidos) sermos nós a liderar o nosso destino (e porque não o destino da Europa e do próprio mundo)?
Caro Ribeiro Alves,
Falar sobre os direitos dos animais é Stress Social? Poluição? É Publicidade? Mesmo num post sobre A UE e os seus Estados- Nações ( tribais).
Fique Bem,
Madalena Madeira
Cada país tem as suas razões para pertencer à União Europeia (EU). Nós, Portugueses, temos as nossas. Segundo a minha opinião, aponto algumas delas:
Apesar da apropriação dos bens dos judeus quando estes foram expulsos de Portugal (ver observação de Alberto de Sousa), apesar das riquezas de outros continentes: ouro, açúcar, café, trato de escravos, petróleo, diamantes, etc., e do produto do trabalho de milhões de emigrantes portugueses, que enviaram ao longo dos anos as suas poupanças para Portugal, nunca, ao longo da nossa História, como, por exemplo, os suíços fizeram, conseguimos criar uma ou mais industria nacional que nos permitisse uma mínima independência nacional. Fomos sempre o apêndice de outros e, ao longo dos últimos séculos, quase sempre vivemos sob golpes de estado, guerras civis ou ditaduras.
Em 25 de Abril d 1974 os Portugueses deram o primeiro passo para afastar o destino trágico a que estavam submetidos. E, a 12 de Junho de 1985, entrámos para a União Europeia e, a partir de aí, “O carro em que o Português senta o traseiro, o supermercado a que se desloca (…) Tudo isto obedece já, hoje, a uma lógica europeia” (post de João Viegas).
Uma vez que nunca acumulámos riqueza para a distribuir, tudo o que temos provém hoje do nosso relacionamento com a EU e, por via disso, também a paz social que disfrutamos. Não estivéssemos nós na EU e andaríamos agora numa zona de turbulência sociopolítica.
Mas a Europa para nós não foi só o desenvolvimento económico e o bem-estar social que obtivemos. Com a entrada na EU fortalecemos a nossa dignidade nacional, passámos a ser ouvidos e respeitados, o que poucas vezez fomos no passado. Mas a EU não é só um projecto político, é também um projecto humano: Não se adere só por interesse, também se adere por valores comuns: liberdade, democracia, direitos humanos, etc.
A partir dos primeiros anos da década de sessenta do século passado, mais de um milhão de portugueses emigrou para a Europa. Gerações de portugueses já lá nasceram. Muitos dessas pessoas são culturalmente europeias, fizeram uma síntese entre a cultura lusa e a cultura dos países que os acolheram e lhes deram um nível de vida decente. É de desejar, por isso, que esses portugueses, votem no no modelo europeu.
Quanto ao "eixo", não vejo tanta repugnância como vê “turmah”. A França e a Alemanha fizeram a guerra nos últimos grandes conflitos mundiais. A construção europeia tem que se fazer com a concórdia destas duas nações, mais o apoio de todas as outras, em particular do Reino Unido.
Quanto à teoria da “Itália do Norte e do Sul” do “Arkansas e da Califórnia” que JMG menciona, para mim, não se aplica ao caso europeu, até porque a igualdade socioeconómica entre os povos europeus, não é fácil de atingir, porque somos todos diferentes (felizmente!); economicamente cada um de nós contribui para o bolo segundo as suas possibilidades, por isso vai recolher conforme a sua contribuição.
Por outro lado, a mim não me parece do “domínio da loucura (…) fazer uma federação viável” na Europa, como diz JMG. Se Portugal levou oito séculos de gestação, por que
razão criticar uma Federação de seis dezenas de anos!
Pessoalmente, não conheço a lógica dos “Portugueses viventes” também mencionada por JMG, conheço sim a do poeta:
“(…) Caminante, no hay camino,
se hace el camino al andar (…)
António Mota de Aguiar
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