Os sistemas de ensino ocidentais, uns mais do que outros, têm reduzido progressivamente o lugar de várias áreas do saber por as considerarem supérfulas, pouco apelativas para "as massas" que frequentam as escolas, sem interesse para a vida quotidiana, etc.
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Por outro lado, mesmo aqueles que chegam a patamares mais avançados na escolaridade - no nosso caso, secundário e superior -, têm de fazer escolhas quanto ao seu percurso académico as quais afastam necessariamente outras: a opção pelas áreas científicas e tecnológicas, em geral, exclui as humanidades e o contrário também é verdade. A existência de "duas culturas" que não comunicam, denunciada há cinquenta anos por C. P. Snow, continua a orientar a organização do currículo e, afinal, a educação formal.
Estas duas razões têm concorrido para deixar muitas pessoas ignorantes, ou praticamente ignorantes, em relação a vários saberes. E muitas mais seriam se não houvesse, por parte de escritores, investigadores, tradutores, editores, cineastas, encenadores, actores e sociedade em geral, a vontade de manter ou tornar certos saberes vivos e partilháveis.
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Na área da ciência tem-se feito, nas últimas décadas, um excelente trabalho de divulgação, acessível ao grande público, fundamental para melhorar a sua "literacia científica", sendo que a ficção não se pode excluír deste resultado.
Mas, também as humanidades parecem estar bastante empenhadas em dar a conhecer os seus saberes: com alguma facilidade encontramos obras, de compreensão acessível a todos, de história, de literatura, de filosofia, de cultura clássica...
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Em relação a esta área e, para ir direita ao assunto deste texto, assinalo que tem surgido um número considerável de livros de carácter ficcional – contos, romances, teatro – sobre temas da cultura e história da Grécia e Roma Antigas.
Por gentileza de José Ribeiro Ferreira, professor do Instituto de Estudos Clássicos da Universidade de Coimbra, disponibiliza-se aos leitores do De Rerum Natura, com uma regularidade semanal, informação sobre algumas dessas obras, cuja leitura nos esclarece acerca das origens do nosso pensamento.
A primeira a que fazemos referência tem por título Ramsés, é da autoria de Christian Jacq e foi publicada entre nós, pela Bertrand, nos anos noventa. Dois dos cinco volumes que a compõem – O Filho da Luz (1995), O Templo dos Milhões de Anos (1996), A Batalha de Kadesh (1996), A Dama de Abu Simbel (1996), Sob a Acácia do Ocidente (1997) – tratam a Questão Homérica ou têm-na subjacente.
“Como o título indica, o escritor e egiptólogo francês explora a vida e longo reinado desse famoso faraó do Egipto. Não é, porém, essa a razão que me leva a uma referência mais longa aos dois primeiros volumes, mas por ecoar na sua acção alguns aspectos da Questão Homérica e a versão menos divulgada do mito de Helena, segundo a qual é um fantasma da rainha de Esparta que vai para Tróia e não ela própria em pessoa – versão que Eurípides utilizou na sua Helena. Em especial nos dois primeiros volumes, com os títulos Ramsés – O Filho da Luz e Ramsés – O Templo dos Milhões de Anos, deparamos com referências aos Hititas, à Guerra de Tróia, à destruição dessa poderosa cidade da Ásia Menor pelos Micénios, os Gregos. Na viagem de regresso à pátria, Menelau passa pelo Egipto e aí encontra a verdadeira Helena, como hóspede dos reis.
Contudo, ao contrário do que acontece no mito, ela não pretende regressar a Esparta, mas continuar no Egipto. Só acede a acompanhar o marido para salvar a vida dos reféns egípcios que o Atrida fizera no intuito de obrigar o Faraó a entregar-lhe a mulher. Todavia, libertados os reféns, Helena suicida-se, logo que as amarras se levantam e a armada grega se começa a afastar.
Nos navios gregos, com Menelau, vinha Homero que não acompanhará o rei de Esparta na sua viagem de regresso, mas fica no Egipto, sob a protecção de Ramsés. Aí, no país do Nilo, a um escriba desse faraó ditará ele a Ilíada, poema que relata um episódio da referida Guerra de Tróia. E assim o romance de Christian Jacq, incorpora na acção a célebre “tese do ditado”, proposta em 1953 por Albert B. Lord e hoje conta com a relativa aceitação dos estudiosos dos Poemas Homéricos.
Deste modo é deslocado para o Egipto o local da composição da epopeia e para o século XIII a.C. a data em que foi realizada, quando hoje se aceita que essa composição se verificou no século VIII como corolário de uma longa tradição de transmissão oral.”
José Ribeiro Ferreira
1 comentário:
"...disponibiliza-se para os leitores do De Rerum Natura, com uma regularidade semanal, informação sobre algumas dessas obras, cuja leitura nos esclarece acerca das origens do nosso pensamento."
Muito Obrigada!
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