sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Polícias do mundo
Como de outras vezes, destacamos a coluna de opinião do médico psiquiatra J.L. Pio Abreu no "Destak" de hoje:
No tempo das esperanças que ainda existiram no fim do século passado, era impossível imaginar o estado em que está o mundo. Perdido o contraponto socialista, o capitalismo sem freios tomou conta de tudo e de todos sob a égide do Deus Mercado. Um Deus que representa as mais gananciosas pessoas do mundo, que nada produzem mas estão sempre dispostas a ganhar à custa alheia.
No centro de tudo estão as agências de rating, quais polícias do mundo, preparadas para castigar os que não se comportam dentro das regras. E como castigam elas? Baixam os ratings, o que é um sinal para os investidores pedirem juros mais elevados. Irão assim ganhar mais algum à conta dos pobres que estão em maiores dificuldades, agravando-lhes ainda mais os seus problemas.
A hora é de fartura para eles, pois todos fomos vítimas de uma crise económica provocada por quem agora está a ganhar, incluindo as agências. A Irlanda, sendo exaltada durante anos pelos teóricos neoliberais, foi também a que mais sofreu com a crise. Pois agora viu o seu rating a descer, o que agravará as dificuldades que já lhe tinham provocado.
Moral, isto não é. E também não é ciência. À falta de um Nostradamus, a economia ocupou o foro das profecias. Aquilo que se disser pela voz "autorizada" das agências de rating tende a realizar-se apenas porque foi dito.
E quanto maior for a desgraça anunciada, melhor ela se realizará. E para quê? Para agravar as desigualdades. E até quando? ...
J. L. Pio de Abreu
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4 comentários:
"Aquilo que se disser pela voz "autorizada" das agências de rating tende a realizar-se apenas porque foi dito."
É o mito de Pigmalião.
Cruz Gaspar
Estamos portanto presos (e feridos) numa ratoeira.
E quanto mais gememos mais atraímos os abutres.
Não haverá maneira de lhes quebrar as asas, o bico ou as garras?
Num blog de ciência pedia-se um pouco mais de conhecimento sobre a realidade económica e financeira.
As agências de rating estimam a capacidade de pagamento de um país como os bancos estimam a capacidade de pagamento de um cliente. E quem tem o dinheiro ou não empresta aos clientes mais arriscados ou sabe que o risco de perder o dinheiro é significativo e por isso pede juros mais altos.
O que se passa com Portugal neste momento deve-se a nós próprios, aos nossos governos. Se o nosso rating desce, isso acontece porque os nossos governos já assinaram em nosso nome tantos compromissos para os próximos anos que as agências começam a achar que há uma probabilidade significativa de Portugal falhar pagamentos.
A conjuntura internacional não é boa mas não é a conjuntura internacional que nos obriga a assinar compromissos de construção e manutenção do TGV. Nem nos obriga a termos empresas públicas, câmaras, governos regionais, etc., mais do que endividadas, muitas vezes para luxos eleitoralistas ou coisas ainda piores.
Uma das causas do atraso de Portugal é esta tendência para procurar culpas e salvadores externos, como crianças incapazes de tomar o seu destino nas próprias mãos.
Os "abutres" não têm pátria. E tão bons são os de "dentro" como os de "fora". Realidade financeira? Ou irrealidade? Ou desgoverno e abuso (roubo, extorsão, crime...) legitimado? Onde começou a crise? A economia e as finanças fazem-se pelos homens. Mas os homens não foram necessariamente feitos para a economia e as finanças que alguns querem impor como lei divina...
Isto não me impede de concordar com o que tem sido bastamente afirmado por Medina Carreira, relativamente à acção dos nossos governantes e à apatia colaborante do povo (a que pertenço).
Mas, e se houver um estoiro social, qual é a realidade que prevalece? E haverá ciência que a legitime?
Muito pragmaticamente, um colega de profissão dizia há dias que quando a miséria entra pela porta, a vergonha escapa-se pelas janelas... Não sei se a economia e finanças também se pronunciam sobre isto.
Mas talvez não. Em matéria de economia e finanças, o ser humano parece, às vezes, não valer nada, sobretudo se não tem (materialmente) nada, mesmo que trabalhe muito.
É isto que queremos?
Eu não. Mas, entretanto, temos o que temos. Não é só a escola (em sentido estrito e em sentido lato) que estamos a destruir... Mas foi por aí que começámos. Com grande "sucesso".
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