sábado, 23 de outubro de 2010

"Apesar de tudo era importante que os alunos convivessem com os professores”

Não entenda o leitor que o propósito deste texto é defender os responsáveis por políticas e medidas educativas nem os especialistas em ciências da educação ou em pedagogia. Não são, aliás as pessoas que se defendem, se questionam ou se combatem, mas as ideias que veiculam.

Porém, depois de ter lido duas entrevistas ao Professor António Câmara (aqui e aqui) e das quais Norberto Pires disponibilizou aqui extractos, não pude deixar de pensar, que se tivesse sido um político ou um pedagogo a fazer tais afirmações, o impacto nos leitores teria sido diferente.

Independentemente da pessoa que faz tais afirmações, elas não podem deixar de requer ponderação, mesmo quadro do ensino universitário, que me parece ser aquele em que o entrevistado se situa.

O primeiro aspecto a ponderar é o facto de o Professor António Câmara se referir a um nicho intelectual e empresarial português. Nesse nicho concreto, é bem possível que “a maior parte das pessoas (seja) dez vezes melhor a matemática que qualquer americano que trabalhe na Google”. Mas esta afirmação não pode ser generalizada para a "literacia matemática" que resultados de provas internacionais indicam, de modo recorrente, que, em média, nos distanciamos muito, dos países com melhores resultados.

O segundo aspecto a ponderar é que as considerações que o Professor António Câmara faz sobre o ensino, incidem no nível superior. Neste patamar algumas afirmações são verdadeiras: os alunos, por serem adultos e por, supostamente, serem autónomos e terem interesses próprios que querem seguir, poderão aprender noutros contextos que não o de sala de aula. Isto é o que acontece nas nossas universidades quando se fazem trabalhos de mestrado, doutoramento ou outros, em que em ambiente de seminário, ou tutorial se exploram ideias, se seguem pistas, se analisam dados… Como se perceberá, estas estratégias não tiram o mérito a outras mais vocacionadas para a transmissão de informação a grandes grupos, como, por exemplo, a conferência, a aula magistral, etc.

O terceiro aspecto a ponderar é que se a sala de aula pode não ser o espaço privilegiado para desenvolver as primeiras estratégias, já o é para desenvolver as segundas. Por outro lado, temos de ponderar de sala de aula falamos - sala de aula com ou sem equipamentos especiais, por exemplo -, sendo que algumas aulas ou encontros entre professores e alunos não dispensa a sala de aula.

O quarto aspecto a ponderar é a cnjectura de que a ausência dos estudantes universitários nas aulas não se deve ao facto de “serem mandriões”, mas ao facto de não encontrarem “oferta” para o que “procuram”. Ora, se todos os alunos quando chegam ao ensino superior soubessem exactamente o que queriam, estariam ao nível de todos os professores, superando, evidentemente cada um. Os primeiros passos nesse ensino, até tendo em conta certos “públicos” pouco interessando no conhecimento que muitas universidades, no presente, recebem, terá de ser, suponho, mais guiado, mais estruturado, do que nos passos seguintes. E isto para que os alunos em geral, e não apenas umas quantas excepções, adquiram saberes fundamentais, organizem ideias… e possam vir a reunir-se, produtivamente, com professores debatendo essas ideias.

O quinto aspecto a ponderar, decorrente do anterior, é que, mesmo na universidade, o professor não pode deixar de ter uma função importante de ensino, que é do domínio do formal, e não só nem principalmente de convivência, que é do domínio do informal. Assim, discordo do Professor António Câmara quando subscreve as seguintes palavras do presidente da Universidade Virginia Tech, Charles W. Steger: “apesar de tudo era importante que os alunos convivessem com os professores.”

Um sexto e último aspecto a ponderar é que as tecnologias e a arquitectura pela importância que lhe temos atribuído em termos de aquisição e expressão de informação podem substituir os professores. Na verdade, trata-se de crenças (que não colhem confirmação pedagógica), a primeira mais antiga, a segunda mais moderna e assumida muito debatida últimamente em Portugal pela mão da empresa Parque Escolar.

4 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

E a "Parque Escolar" deve ter levado tão à letra a "necessidade" de os alunos e professores "conviverem" que há escolas onde nenhumas casas de banho têm a indicação de que são para professores. Pelo que mesmo aqueles docentes que têm mais idade ou que sofrem de doenças que os obrigam a ir mais vezes ao quarto de banho e que precisam demorar-se mais, têm que fazê-lo no meio do bulício e ruído da energia juvenil e aguardar humilde e acabrunhadamente que os alunos se despachem. Desconheço se esta situação é apenas para experimentar ou para manter...
Nem vale a pena falar de espaços de laboratório que eram funcionais, apesar de velhinhos, e agora não são, ou de salas de aula em que os alunos da frente tapam a visão para o quadro ou alvo (acabaram os estrados...), e em que não é possível sentar 26 alunos separados uns dos outros, o que é uma dificuldade para realizar provas escritas (obrigando a recorrer a versões, levando a que, coisa curiosa, uma docente, com muitos anos de profissão, fosse questionada por um encarregado de educação sobre se a aplicação de versões se não destinaria a favorecer alguém... mas, vá lá, cerca de um ano depois, esse enc. de educação teve a dignidade de apresentar desculpas...); há também auditórios que não têm qualquer renovação de ar, excepto pela porta, onde se entra em desconforto muito rapidamente, e em que o próprio interruptor das luzes está afastado da entrada, situado por detrás da zona do(s) oradores...
E por aí fora, por aí fora...
Mas nem tudo é mau, pelo menos há quem ganhe prémios e coisas assim.

Fartinho da Silva disse...

Caro José Batista da Ascenção,

As escolas não são feitas nem para professores, nem para alunos, as escolas são feitas para:
1º dar dinheiro a ganhar à oligarquia;
2º fazer experiências pedagógicas saloias com os filhos dos outros;
3º contribuir para se escreverem uns artigos "científicos" em "ciências" da educação para enriquecer o currículo destes "cientistas";
4º justificar o emprego de milhares de "cientistas", "especialistas", burocratas e vendedores da banha da cobra.

Quando se lê a referência que a Helena Damião faz ao discurso de um elemento da parque escolar, percebe-se que o dito foi crismado na santa fé das "ciências" da educação e passou, inclusive, a pastor evangelizador.

Miguel Galrinho disse...

Concordo com muito do que o professor António Câmara diz no seu livro "O Futuro Inventa-se": é necessário as Universidades investirem mais em processos estimulantes ligados ao mundo empresarial, sobretudo em cursos tecnológicos.

Também concordo que deve haver relações professor-aluno mais fortes do que há em algumas universidades portuguesas. No entanto, isso certamente não dispensa o ensino formal nem significa ir para o bar discutir a matéria e os projectos.

Contudo, António Câmara refere no início desse seu livro que não está contra o ensino tradicional, que é necessário. Está, portanto, um pouco em contradição com o que refere nesta entrevista. Na verdade, estas considerações sobre construir bares em vez de salas de aula parecem-me ser mais para mandar achas para a fogueira do que propriamente uma consideração séria para ser levada à letra.

Em suma, o professor António Câmara é muito mais sóbrio e contido (e acertado) no seu livro "O Futuro Inventa-se".

Luisa Moreira disse...

Mais uma vez partilhei o seu post no Vox Nostra.

50 ANOS DE CIÊNCIA EM PORTUGAL: UM DEPOIMENTO PESSOAL

 Meu artigo no último As Artes entre as Letras (no foto minha no Verão de 1975 quando participei no Youth Science Fortnight em Londres; esto...